Acórdão nº 620/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução11 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 620/2020

Processo n.º 447/2020

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Município do Funchal veio reclamar, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), da decisão sumária n.º 481/2020.

2. O presente recurso é incidente de execução fiscal a correr termos contra o recorrente, para cobrança coerciva de dívida de que é titular A., S.A., na qual foi deduzida oposição pelo executado.

Por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) em 5 de fevereiro de 2020, foi negado provimento ao recurso interposto pelo aqui também recorrente e confirmada a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que havia julgado improcedente a oposição.

Notificado, o Município do Funchal interpôs recurso desse acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com indicação de que a impugnação visa «a apreciação da conformidade constitucional da norma e da interpretação normativa que a decisão recorrida fez da alínea g), do n.º 1 do art.º 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16.º-A do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto», dizendo que a «questão de constitucionalidade aqui enunciada foi suscitada no recurso interposto para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tanto no desenvolvimento da alegação, como nas conclusões que a rematam e que aqui se deixam expressas». Após, transcreve as conclusões 9.ª a 12.ª e 21.ª das alegações do recurso para o STA.

3. Admitido o recurso e remetidos os autos, o relator proferiu a decisão sumária reclamada, concluindo pelo não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:

«4. O recorrente formula pretensão de ver apreciada a conformidade constitucional de interpretação reportada à conjugação de vários preceitos normativos - alínea g) do n.º 1 do artigo 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16.º-A, todos do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto, aludindo-se ainda ao n.º 1 do artigo 204.º do CPPT– mas sem especificar, de modo claro e preciso, cumprindo ónus que sobre si recai (n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC), qual o sentido ou dimensão normativa que, extraída e aplicada pelo tribunal recorrido como critério jurídico de decisão, carece de legitimidade constitucional.

Apenas é dito que o artigo 16º-A do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M, na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n,º 6/2015/M, de 13 de agosto, contém «uma norma que permite a uma empresa pública regional executar uma entidade pública ou privada sem que as mesmas tenham o direito de perceber a razão dessa execução e mais grave do que isso defender-se da mesma», vindo, de seguida, aludir a dois outros preceitos do mesmo diploma, e à aplicação “[d]as normas referentes à cobrança coerciva de dívidas exigíveis em processo de execução fiscal, sem se aplicarem os fundamentos de oposição à execução fiscal previstos no artigo 204.º, n.º 1, do C.P.P.Tributário”.

Haveria, assim, que endereçar ao recorrente convite ao aperfeiçoamento, em obediência ao n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, não fora a evidência da inutilidade de tal convite, sempre cumprindo afastar o conhecimento do recurso, por inverificação de pressuposto insuprível da modalidade de impugnação jurídico-constitucional em presença: a suscitação prévia e processualmente adequada de questão normativa de inconstitucionalidade.

5. Com efeito, como emerge da natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso - reapreciar uma questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter anteriormente apreciado e decidido, e não dirimir “questões novas”-, é pressuposto da admissibilidade e conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, como no caso dos autos, que a questão de inconstitucionalidade a debater pela via da fiscalização concreta haja sido suscitada “durante o processo” e “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (artigo 72º, nº 2 da LTC).

Sobre o cumprimento de tal ónus, o Tribunal Constitucional vem entendendo que cumpre ao recorrente enunciar a questão de inconstitucionalidade “de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir”, o que reclama que identifique, de forma expressa, direta, clara e percetível, a norma ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma que tem por violador da Lei Fundamental (Acórdão n.º 269/94), constituindo orientação pacífica deste Tribunal que, neste último caso, “esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-se ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição” (Acórdão n.º 367/94).

6. No caso vertente, não foi suscitada perante o tribunal recorrido, de forma processualmente adequada, uma qualquer questão normativa de inconstitucionalidade, única idónea a fundar a legitimidade do recorrente.

Na verdade, e ao contrário do sustentado no requerimento em apreço, percorrendo a argumentação recursória, com tradução nas conclusões formuladas nas alegações apresentadas ao Supremo Tribunal Administrativo, em especial no alegado nas pp. 16 e 17 e nos artigos 9.º a 12.º e 21.º das conclusões, constata-se que o recorrente não enunciou um sentido normativo minimamente precisado, contido no ordenamento jurídico aplicável ao caso, que devesse ser desaplicado com fundamento em inconstitucionalidade; ao invés, a parte limita-se a defender um certo sentido para a norma...

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