Acórdão nº 611/20 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução11 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 611/2020

Processo n.º 611/20

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. O Município do Funchal, recorrente nos presentes autos, em que é recorrida A., S.A, notificado da Decisão Sumária n.º 561/2020, que, com fundamento na ilegitimidade do recorrente e na inutilidade do recurso, não conheceu do mérito do recurso de constitucionalidade por aquele interposto, vem reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”).

O ora reclamante interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou improcedente o incidente de oposição à execução deduzido em processo de execução fiscal contra si instaurado pela ora recorrida.

O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 20 de abril de 2020, negou provimento ao recurso.

É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – LTC).

No seguimento do convite endereçado pelo relator no Tribunal Constitucional ao recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 5, 6 e 7 do artigo 75.º-A da LTC, este clarificou o sentido da norma que pretendia sindicar junto deste Tribunal, nos seguintes termos (cf. fls. 324):

«A norma objeto do presente recurso é o artigo 16.º-A do Decreto-Legislativo Regional n.º 17/2014/M na redação dada pelo Decreto-Legislativo Regional n.º 6/2015/M, de 13 de agosto.

A interpretação normativa que é feita na decisão recorrida, segundo a qual os créditos da Exequente podem ser cobrados através do processo de execução fiscal regulado no CPPT, nos termos dos artigos 148.º e seguintes, aplicando-se nessa execução fiscal apenas as normas referentes à cobrança coerciva de dívidas exigíveis em processo de execução, sem se aplicarem os fundamentos de oposição à execução fiscal previstos nos artigos 204.º, n.º 1, do C.P.P. Tributário, que são a única forma que o executado tem de se opor a essa execução, é desconforme com a Constituição, sendo violados o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, dado que esta empresa pública regional, pode utilizar um processo de execução fiscal, sem que o executado possa reagir contra a liquidação ou independentemente dessa reação, sendo diminuídas, de forma desproporcional, as garantias processuais de defesa do Recorrente ou de qualquer entidade pública ou privada que venha a ser executada pela A.».

2. É a seguinte a fundamentação da decisão sumária ora reclamada:

«5. O recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC – a que se reporta, em primeira linha, o artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição – prevê a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo. A inconstitucionalidade deve ter sido suscitada durante o processo, de modo a confrontar a instância recorrida com esse problema, e criando, quanto à mesma, um dever de decisão. A suscitação atempada de uma questão de constitucionalidade implica, assim, que o recorrente cumpra o ónus de a colocar ao tribunal a quo, enunciando-a de forma expressa, clara e percetível, em ato processual e segundo os requisitos, de forma que criem para o mesmo tribunal um dever de pronúncia sobre a matéria a que tal questão se reporta (cfr. artigo 72.º, n.º 2, da LTC). Tal suscitação corresponde a um ónus cujo cumprimento, relativamente aos recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, como sucede in casu, constitui, desde logo, um requisito de legitimidade do recorrente (v. ibidem).

Por outro lado, o recurso de constitucionalidade tem um carácter instrumental em relação à decisão recorrida, pelo que a sua admissibilidade depende da existência do interesse processual em ver revogada a decisão proferida, ou seja, «é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil» (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Legitimidade e Interesse no Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 947 e ss., p. 958). Assim, prossegue o mesmo Autor (v. ibidem, pp. 958-959),

«[O] recurso de constitucionalidade apresenta-se como um recurso instrumental em relação à decisão da causa, pelo que o seu conhecimento e apreciação só se reveste de interesse quando a respetiva apreciação se possa repercutir no julgamento daquela decisão (cfr. TC 768/93, TC 769/93, TC 162/98; TC 556/98; TC 692/99).

Expressando a mesma orientação noutras formulações, o Tribunal Constitucional afirmou que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental, pelo que só devem ser conhecidas questões de constitucionalidade suscitadas durante o processo quando a decisão a proferir possa influir utilmente na decisão da questão de mérito em termos de o tribunal recorrido poder ser confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento (TC 60/97), e concluiu que o recurso de constitucionalidade possui uma natureza instrumental, traduzida no facto de ele visar sempre a satisfação de um interesse concreto, pelo que ele não pode traduzir-se na resolução de simples questões académicas (TC 234/91, […]; TC 167/92).»

Por isso, o objeto do recurso de constitucionalidade deve coincidir com a ratio decidendi da decisão recorrida. A utilidade do recurso de constitucionalidade encontra-se liminarmente afastada quando, designadamente, o critério normativo sindicado não coincide com o que foi aplicado pelo tribunal a quo. Em consonância, o Tribunal Constitucional tem os seus poderes de cognição em fiscalização concreta da constitucionalidade limitados à norma que a decisão recorrida, conforme os casos, tenha aplicado ou a que haja recusado aplicação (cfr. o artigo 79.º-C da LTC)

6. O recorrente, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, refere que pretende ver apreciada a «conformidade constitucional da norma e da interpretação normativa que a decisão recorrida fez da alínea g), do n.º 1 do art.º 13.º, da alínea a) do artigo 16.º e do artigo 16.º-A do Decreto-Legislativo...

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