Acórdão nº 18/21 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução07 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 18/2021

Processo n.º 798/2020

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Conselho Superior da Ordem dos Advogados, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), dos acórdãos proferidos por aquele Tribunal, em 28 de janeiro de 2020 e 29 de junho de 2020.

2. Através da Decisão Sumária n.º 627/2020, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Não obstante afirmem pretender recorrer também dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 21 de março de 2019 e 04 de julho de 2019, os recorrentes declararam que o farão «autonomamente, isto é, em peça processual/requerimento autónomo e próprio».

O recurso interposto no âmbito dos presentes autos incide, assim, apenas sobre os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 28 de janeiro de 2020 e em 29 de junho do mesmo ano, e funda-se na previsão da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de acordo com a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Conforme se extrai do requerimento de interposição do recurso, os recorrentes pretendem ver apreciada a constitucionalidade da (i) «norma do art.º 150.º, N.º 1 do NCPTA», entendendo que «o critério da dupla conforme é um obstáculo arbitrário, desrazoável e desproporcional» e, ainda, (ii) «da norma do art.º 616.º do NCPC/13, "ex vi" art.º 1 do CPTA, que indeferiu a pretendida reforma do Acórdão do STA de 28-01-2020, mantendo a não admissão do recurso».

Por força do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do respetivo artigo 70.º que a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso haja sido suscitada «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».

Ao impor ao recorrente a antecipação, perante o Tribunal recorrido, da questão de constitucionalidade ulteriormente enunciada no requerimento de interposição do recurso, o n.º 2 do artigo 72.º da LTC responde a uma exigência decorrente da própria natureza da intervenção do Tribunal Constitucional no âmbito da fiscalização da constitucionalidade: dirigindo-se o recurso de constitucionalidade à reavaliação do pronunciamento contido numa anterior decisão — e não à apreciação ex novo do vício pretendido controverter no âmbito da fiscalização concreta —, a exigência de que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida visa garantir a obtenção de uma decisão suscetível de ser impugnada perante o Tribunal Constitucional, assegurando que este somente seja chamado a reapreciar as questões de constitucionalidade ponderadas (ou suscetíveis de o terem sido) pelo tribunal a quo (neste sentido, vide Acórdão n.º 130/2014).

É justamente para assegurar essa convergência que, para além da antecipação da questão de constitucionalidade perante a instância recorrida, o pressuposto de admissibilidade fixado no n.º 2 do artigo 72.º da LTC impõe ainda ao recorrente o ónus de delimitação e especificação perante o tribunal a quo do objeto do recurso, designadamente através da identificação do preceito ou preceitosarco legal ou bloco normativo — que suportam a norma cuja validade constitucional se pretende questionar.

Acresce que, prendendo-se o requisito em causa com a legitimidade para recorrer (artigo 72.º, n.º 2 da LTC), é irrelevante para este efeito que a questão de constitucionalidade tenha sido apreciada pelo tribunal recorrido, oficiosamente ou por ter sido suscitada por outra parte; decisivo é que tenha sido o recorrente a suscitá-la perante esse tribunal (cf. Acórdãos 371/05 e 401/07).

5. Compulsados os autos, verifica-se que, no âmbito das conclusões que acompanharam o recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo — as quais, nos termos prescritos no n.º 4 do artigo 635.º do Código de Processo Civil, ex vi artigos 140.º, n.º 3 e 144.º, do Código do Processo nos Tribunais Administrativos «CPTA», delimitam o objeto do recurso —, os recorrentes não enunciaram qualquer questão de constitucionalidade normativa respeitante, ao artigo 150.º, n.º 1, do CPTA. Assim como o não fizeram, relativamente à «norma do art.º 616.º do NCPC/13, "ex vi" art.º 1 do CPTA, que indeferiu a pretendida reforma do Acórdão do STA de 28-01-2020, mantendo a não admissão do recurso», no requerimento em que requereram a reforma deste primeiro aresto.

Quanto à «norma do art.º 150.º, N.º 1 do NCPTA», que estabelece os pressupostos do recurso de revista, os recorrentes, ao invés de suscitarem uma questão de constitucionalidade normativa e de a sediarem no respetivo preceito legal agora invocado, limitaram-se a alegar estar «em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor apreciação do direito e que também estão em causa interesses de particular relevância que envolvem a violação de comandos constitucionais em termos de ofensa do seu conteúdo essencial isto é, do seu núcleo duro, que importam efetiva nulidade (art.º 18º da Lei fundamental, art.º 161º, nº2, alínea d) do NCPA/15 – o novo Código do Procedimento Administrativo/DL4/2015 de 7 de janeiro e art.º 150º do CPTA/15-DL214-G/2015 de 2 de outubro) – sexta conclusão.

Ou seja, para além de terem convocado «comandos constitucionais» a respeito da própria matéria em causa no recurso, designadamente para caracterizar a particular relevância dos interesses que entendiam justificar o acesso ao Supremo Tribunal Administrativo, os recorrentes não questionaram a constitucionalidade de qualquer norma extraível de um ou mais dos vários dos preceitos que integram o artigo 150.º do CPTA, designadamente nas «conclusões terceira, quarta, quinta, sexta, sétima, oitava, nona, décima, décima primeira a décima oitava» e «Pedido Final», que acompanharam a revista.

O mesmo se verifica relativamente à «norma do art.º 616.º do NCPC/13, "ex vi" art.º 1 do CPTA», cuja inconstitucionalidade alegam ter sido suscitada «nos art° 2.º a 4° do PONTO I, N.º 5.º e 6.º do PONTO II, n.º 8.º do PONTO III, N.º 11.º A 14.º DO PONTO IV» da reclamação/pedido de reforma com que reagiram ao acórdão proferido em 28 de janeiro de 2020.

Em tal articulado, os recorrentes limitaram-se a sustentar «deve[rem] ser desaplicadas determinadas normas por materialmente ilegais e com interpretação inconstitucional» (artigo 2.º), e, bem assim, que, «[n]este feito submetido a julgamento não podem os Tribunais, quer o TAF de Almada, quer o TACSUL aplicar normas que infringem o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados, motivo por que tais normas deviam ter sido desaplicadas, devido ao seu regime ser materialmente inconstitucional» (artigo 8.º), acrescentando, por fim, que «os requerentes indicaram, na sua alegação/18 conclusões as razões pelas quais a apreciação da questão de constitucionalidade, além de outras, era claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, bem como as razoes pelas quais s interesses em causa são de particular relevância individual e social» (artigo 9.º).

Vale isto por dizer que, na reclamação que dirigiram ao acórdão de 28 de janeiro de 2020, os recorrentes não só não aludiram a qualquer questão de constitucionalidade respeitante ao artigo 616.º do CPC, como imputaram a incompatibilidade com a Constituição diretamente aos juízos decisórios sucessivamente alcançados pelas diversas instâncias, ainda que para esse efeito os questionando na perspetiva da sua conformidade a princípios e normas constitucionais.

Não tendo sido identificado perante o Tribunal recorrido qualquer enunciado normativo suscetível de vir a constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade, este não pode ser admitido por insuprível inobservância do ónus imposto...

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