Acórdão nº 31/21 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução18 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 31/2021

Processo n.º 840/2020

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Por apenso a uma ação executiva em que é executada, a ora Recorrente, A., apresentou requerimento inicial de procedimento cautelar comum contra o respetivo agente de execução, pedindo, em síntese: a declaração de nulidade do “[…] ato de arrombamento […]” do imóvel vendido e entregue ao adquirente nessa execução; a condenação do agente de execução a devolver a fração em causa à requerente; e a aplicação de sanção pecuniária compulsória ao requerido agente.

1.1. O requerimento inicial foi objeto de um despacho de indeferimento liminar.

1.1.1. Desta decisão recorreu a Requerente para o Tribunal da Relação de Lisboa. Das conclusões das alegações deste recurso consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

OO. Essa mesma Lei, que protege, nomeadamente os seus direitos enquanto Advogada pois os advogados estão abrangidos pelo segredo profissional do Advogado, os factos que resultem do desempenho desta atividade profissional, podendo advir da violação desse dever de reserva, para além de responsabilidade criminal e civil, também consequências no plano estatutário e no plano processual.

PP. Mas, que não foi bem entendido pelo Tribunal recorrido,

QQ. Violando assim, o preceituado nos artigos da lei,

RR. Concretamente o preceituado nos artigos 70.º, 75.º, 76.º da EOA e o artigo 13.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do sistema Judiciário), e o artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa.

[…]

BBB. Ao não dar provimento a providência cautelar, e em consequência dar-se sem efeito a referida diligência e restituir a posse provisória do imóvel, a recorrente.

CCC. Repondo a fechadura ou dando acesso à recorrente para o fazer a expensas do sr. agente de execução.

DDD. Assim como, seja ordenado ao sr. agente de execução que proceda de acordo com os preceitos legais.

EEE. Concretamente nos artigos 70.º, 75.º, 76.º da Lei n.º 145/2015 e no artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa.

[…]

HHH. O facto de à Advogada ter sido aplicada uma pena de expulsão não colide com a necessidade de cumprimento dos requisitos legais do art. 70.º, n.os 1 e 2, que deverão ser seguidos para a efetivação da execução do arrombamento e despejo do locado, uma vez que a natureza sigilosa da informação que, em qualquer tipo de suporte físico, possa ser encontrada no seu interior, não é de forma alguma afetada por tal cominação.

III. Na Constituição da República Portuguesa, a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da Justiça – artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa.

[…]

MMM. Logo, mais uma vez se reitera, não se entende o que se está a passar neste processo,

NNN. Sendo necessário e evidente averiguar,

OOO. Denota parcialidade e julgamento prévio na figura do(s) executado(s),

PPP. Pois, só assim se justifica o despacho proferido e ora recorrido,

QQQ. Mas no nosso ordenamento jurídico e na democracia que persiste no nosso sistema político, todo o cidadão tem direito ao contraditório,

RRR. E consequentemente defesa, um direito consagrado na Constituição da República Portuguesa,

SSS. O estudo e a prática do direito processual interessam na medida em que podem contribuir para melhor fazer valer os direitos, as liberdades e as garantias, consagradas na Constituição, incluindo o direito fundamental da tutela jurisdicional efetiva.

[…]”.

1.1.2. Por acórdão de 04/06/2020, o recurso foi julgado improcedente, em suma, por se ter entendido que, tendo, numa ação executiva para pagamento de quantia certa, sido efetuada a entrega, com arrombamento, da fração autónoma penhorada e vendida ao respetivo adquirente nos termos conjugados dos artigos 828.º e 861.º do Código de Processo Civil (CPC), o meio processual para a executada e fiel depositária impugnar esse ato e obter a restituição da fração não era o procedimento cautelar comum movido contra o agente de execução, por apenso à referida ação executiva.

1.1.3. Desta decisão pretendeu a Recorrente interpor “recurso de revisão” (sic) para o Supremo Tribunal de Justiça, reiterando, designadamente, no essencial, ainda que com ligeiras alterações formais, o vertido em 1.1.1., supra (cfr., designadamente, as conclusões RR., SS., DDD., EEE., III., QQQ. e RRR. – fls. 93 v.º e ss.).

1.1.4. Por despacho de 25/06/2020 da senhora desembargadora relatora, considerou-se que a referência a um recurso de revisão se deveu a lapso e, apreciando a admissibilidade do recurso de revista, decidiu não o admitir, com fundamento no disposto nos artigos 370.º, n.º 2, e 671.º, n.º 3, do CPC.

1.1.5. Desta decisão pretendeu a Recorrente “[…] reclamar para a conferência”. Novamente, reiterou, designadamente, no essencial, com ligeiras alterações formais, o vertido em 1.1.1., supra (cfr., designadamente, as conclusões RR., SS., DDD., EEE., III., QQQ. e RRR. – fls. 15 e ss.).

1.1.6. Por despacho de 09/07/2020, foi a reclamação para a conferência convolada em reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), nos termos do artigo 643.º do CPC, sendo os autos remetidos a este tribunal.

1.1.7. Por decisão singular de 23/07/2020, foi a reclamação indeferida.

1.1.8. Desta decisão reclamou a Recorrente para a conferência. Uma vez mais, reiterou, designadamente, com ligeiras alterações formais, o vertido em 1.1.1., supra (cfr., designadamente, as conclusões RR., SS., DDD., EEE., III., QQQ. e RRR. – fls. 122 e ss.).

1.1.9. Por acórdão de 24/09/2020, foi a reclamação indeferida.

1.2. A Recorrente apresentou, então, requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos seguintes, desde logo apresentando (indevidamente) conclusões (transcrição parcial do requerimento de fls. 151 e ss., que aqui se dá por integralmente reproduzido):

“[…]

[Recorre] para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 280.º do C.R.P. e 70.º n.º 1, artigo 72.º, 75.º do artigo 76.º da Lei 28/82 de 25 de novembro (LTC), contra a decisão que, no Tribunal da Relação de Lisboa, lhe não admitiu o recurso que pretendia interpor, nos termos das alíneas a), b) e i) do n.º 1 do artigo 70.º da citada Lei.

Alega o seguinte:

1.º A ora recorrente, inconformada com o Douto Acórdão proferido no Recurso de Apelação, interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, dele apresenta recurso.

2.º Inconformada contra esta Decisão, dela interpõe Recurso para o Tribunal Constitucional,

3.º O indeferimento do recurso foi proferido com fundamento no artigo 76.º n.º 2 da Lei n.º 28/82, de 15/11, o qual afastou a recorribilidade da decisão do TRL para o TC com fundamento na al. b) do artigo 70.º da referida Lei n.º 28/82, pelo facto de no requerimento, dos ora recorrente, não é suscitada a inconstitucionalidade de qualquer norma "o que se toma desde logo bem patente pela circunstância da palavra Constituição e Inconstitucionalidade ou qualquer outra referência à Convenção Europeia dos Direitos do Homem não constarem do texto do requerimento".

4.º No recurso interposto

a) O Tribunal da Relação de Lisboa violou os princípios da proporcionalidade, do contraditório e da igualdade das partes, bem como o da proibição de excesso, que ao julgador se impõe, perante o objeto do Processo. Não deu qualquer oportunidade à ora recorrente, de se pronunciar e debater tempestivamente, com utilidade e eficácia.

b) Ofendendo de igual modo, os princípios da segurança, da certeza, da previsibilidade e da adequação prática, sintetizados no princípio da proibição de decisões surpresa, que é elementar e estruturante de qualquer Estado de Direito.

5.º Por isso, conclui-se, no requerimento deste recurso que, se encontram, assim, violados os princípios e as normas constantes dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 3, 8.º, 9.º, al. b), 12.º, 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 20.º n.ºs 1, 4 e 5, 202.º, 204.º e 208.º, da Constituição da República Portuguesa.

6.º Ora, o teor deste Requerimento é fundado nos mesmos motivos que foram alegados na reclamação e uma vez mais, realçado, onde se diz claramente, que no Douto Acórdão contra o qual foi apresentada Reclamação, foram cometidas ilegalidades que violam princípios constitucionais, ilegalidades estas que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, dando assim, cumprimento ao disposto no artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82,

7.º Fácil é de perceber e entender que o artigo 668.º do C.P.C., expressamente referido, é o repositório de normas e princípios constitucionais, especialmente o do contraditório e da certeza jurídica contra os excessos e as decisões surpresa, que o texto constitucional consagra corno, aliás, a nossa jurisprudência e doutrina, há muito vem entendendo.

8.º A reclamação é manifestamente infundada, já que, como resulta da atuação processual da reclamante, o recurso interposto para o Tribunal Constitucional é ostensivamente provido de base normativa, sendo, pois, inidóneo o respetivo objeto."

9.º O requerimento de interposição do recurso é do seguinte teor: O recurso é interposto ao abrigo das alíneas a), b) e i) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 70.º da lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional), na redação dada pela lei n.º 85/89, de 7 de setembro e pela lei n.º 88/95 de 1 de setembro e pela lei n.º 13-A/98 de 26 de fevereiro. Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas e dos entendimentos nela ancorados e delas extraídos, de onde resultou: Que o Tribunal da Relação exorbitou os limites enunciados na matéria...

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