Acórdão nº 102/21 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 102/2021

Processo n.º 1465/2017

2.ª Secção

Relator: Conselheira Mariana Canotilho

(Conselheiro Fernando Ventura)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. O arguido A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC) do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em 15 de novembro de 2017.

2. O recurso de constitucionalidade inscreve-se incidentalmente em processo criminal, pendente na Instância Local de Bragança, Comarca de Bragança, no âmbito do qual foi o recorrente condenado em 1.ª instância, pela prática de um crime de falsidade informática, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 3.º, n.ºs 1 e 5, da Lei n.º 109/09, de 15 de setembro, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão, e de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo artigo 382.º do Código Penal, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, sendo-lhe imposta, em cúmulo das referidas penas parcelares, a pena unitária de 2 anos e 11 meses de prisão suspensa na sua execução. Mas foi absolvido da prática de dois crimes de abuso de poder e de um crime de violência doméstica, pelos quais foi pronunciado e, bem assim, do pedido de indemnização civil deduzido pela assistente e demandante civil.

Inconformados, o arguido e a assistente interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães. Por acórdão de 3 de julho de 2017, aquele tribunal negou provimento ao recurso do arguido e concedeu provimento parcial ao recurso da assistente, revogando o acórdão recorrido na parte em que absolveu o arguido de um crime de violência doméstica, à luz do artigo 152.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do Código Penal, condenando-o, por esse crime, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, e julgou totalmente improcedente o pedido de indemnização civil, condenando-o a pagar à assistente a quantia de €12.000,00, a título de indemnização por danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão até integral pagamento. E, reformulando o cúmulo jurídico, em função do novo concurso de penas, que passou a incluir a pena parcelar de 2 anos e 3 meses de prisão, condenou-o na pena unitária de 4 anos de prisão suspensa na sua execução, sujeita à condição do pagamento da indemnização civil.

Deste acórdão foi interposto recurso pelo arguido para o STJ, circunscrito ao segmento que o condenou pela prática do crime de violência doméstica. Nesse âmbito – a procedência do juízo de censura por esse crime, e não também a espécie ou medida da pena parcelar e/ou da pena unitária impostas -, invocou as questões de «inconstitucionalidade por violação do direito à liberdade (sexual)»; «inconstitucionalidade por violação do princípio da subsidiariedade do direito penal»; «erro notório na apreciação da prova»; «vício de excesso de pronúncia»; «inconstitucionalidade por violação do princípio “in dubio pro reo” e da presunção de inocência»; «vício de falta de fundamentação da decisão recorrida»; e «contradição insanável da fundamentação».

Através do acórdão recorrido, o STJ rejeitou o recurso, com os seguintes fundamentos:

«(…) Como se deixou exarado no exame preliminar o presente recurso deve ser rejeitado, atenta a irrecorribilidade da decisão impugnada.

Não ignoramos, como vem alegado pelo arguido A., que o Tribunal Constitucional, em plenário, através do acórdão n.º 429/2016, de 13 de Julho de 2016, decidiu:

«Julgar inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição».

Sucede, no entanto, que a concreta situação objeto dos autos não é totalmente coincidente com a apreciada naquele acórdão, visto que no caso ora em julgamento foi aplicada ao arguido pena não privativa da liberdade, para além de que, salvo o devido respeito, discordamos daquela decisão, decisão que, como se referiu nos votos de vencido nela exarados, se afastou da jurisprudência que o Tribunal Constitucional tem produzido, desde sempre, em matéria de direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República, segundo a qual não é constitucionalmente imposto o duplo grau de recurso em processo penal, mesmo quanto às decisões condenatórias, designadamente quando resultem de julgamento de recurso interposto de anterior absolvição. Neste preciso sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 245/2015, de 29.04.2015 e 533/2015, de 14.10.2015.

É, aliás, o que expressamente estabelece a última parte do n.º 2 do artigo 2º do Protocolo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ao textuar, sob a epígrafe de direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal:

«1. Qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou de condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei.

2. Este direito pode ser objeto de exceções em relação a infrações menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição».

Sendo certo, também, ser este o entendimento pacífico e constante do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como nos dá conta a Conselheira Maria Lúcia Amaral, no voto de vencida que consignou no acórdão n.º 412/15, de 29 de Setembro de 2015 (decisão esta sindicada pelo acórdão n.º 426/2016.

Dúvidas não temos, pois, de que a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, ao estabelecer a irrecorribilidade dos acórdãos do Tribunal da Relação que, face à absolvição em 1ª instância, condenam o arguido em pena não privativa da liberdade ou em pena de prisão não superior a cinco anos, não viola o direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República. A verdade é que a não admissibilidade de recurso daquelas decisões, enquanto limitação do direito ao recurso, não atinge o núcleo essencial daquele direito de defesa do arguido, visto que o arguido no recurso interposto da decisão de 1ª instância que o absolve do crime ou crimes de que se encontra acusado ou pronunciado participa direta e efetivamente na criação da decisão a proferir, através do seu direito de audiência e ao contraditório, exercido na resposta ao recurso (artigo 413º, do Código de Processo Penal), ato processual em que pode exercer, sem qualquer limitação, o seu direito de defesa, através da apresentação das suas razões de facto e de direito, incluindo o seu entendimento sobre a pena que lhe deve ser imposta no caso de condenação.»

3. No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o arguido/recorrente enunciou a pretensão de ver apreciada «a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na interpretação de que é irrecorrível o acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condene o arguido em pena de prisão, suspensa na sua execução, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa».

4. Admitido o recurso pelo tribunal a quo, remetidos os autos e efetuada a distribuição neste Tribunal, o relator determinou o prosseguimento do recurso para alegações, «com referência à única questão que versa o acórdão recorrido: o acórdão proferido pelo S.T.J. em 17 de novembro de 2017, que rejeitou o recurso para aquele tribunal, circunscrito ao segmento que condenou o ora recorrente como autor de um crime de violência doméstica».

5. Nessa sequência, veio o recorrente apresentar alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«01. Por acórdão de 05.09.2016, o Tribunal da Comarca de Bragança:

• Absolveu o Arguido da prática de dois crimes de abuso de poder;

• Absolveu o Arguido da prática de um crime de violência doméstica;

• Condenou o Arguido pela prática de um crime de falsidade informática, na forma continuada, na pena de dois anos e cinco meses de prisão;

• Condenou o Arguido pela prática de um crime de abuso de poder, na pena de um ano e quatro meses de prisão;

02. Em cúmulo jurídico das penas parcelares indicadas, o Tribunal condenou o Arguido na pena única de dois anos e onze meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

03. O Arguido e a Assistente recorreram do acórdão sobredito, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães alterado a decisão da primeira instância, apenas no que concerne ao crime de violência doméstica, pelo qual condenou o Arguido na pena de dois anos e três meses de prisão.

04. Mais condenou-o, em cúmulo jurídico desta pena com as constantes da decisão do Tribunal de Guimarães na pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, e na condição de pagar à Assistente, no prazo de um ano, a quantia de €12.000.

05. O Arguido interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, circunscrito ao segmento que o condenou como autor do crime de violência doméstica.

06. Este recurso, todavia, foi rejeitado com fundamento na irrecorribilidade do acórdão proferido pela Relação...

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