Acórdão nº 196/21 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução08 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 196/2021

Processo n.º 1077/2019

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, pendentes no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), o MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante “LTC”), do acórdão daquele tribunal arbitral, proferido em 7 de outubro de 2019, pedindo a apreciação da norma constante do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016 (Orçamento do Estado para 2016), com referência ao artigo 3.º n.º 3 alínea h) do Código do Imposto de Selo (CIS) aprovado pelo DL n.º 150/99 e bem assim à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), anexa ao Código do Imposto de Selo, estes com a redação introduzida pela Lei nº 7-A/2017 e pela Lei n.º 22/2017.

2. O A., S.A., requereu junto do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, a constituição de tribunal arbitral e a consequente pronúncia arbitral, tendo em vista, entre outras pretensões, a declaração de ilegalidade e consequente anulação de ato tributário praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), datado de 9 de janeiro de 2019, consubstanciado em liquidações de Imposto do Selo e respetivos juros compensatórios, correspondentes à correção relativa à taxa multilateral de intercâmbio e às comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM com cartões, todas referentes ao ano de 2015, no valor de € 1.423.541,16.

Por via do acórdão recorrido, o CAAD decidiu, no que ora releva, julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular parcialmente, quanto ao valor global de € 1.423.541,16, as liquidações de imposto de selo e respetivos juros compensatórios. Para tanto, considerou que «a verba 17.3.4., na redação vigente em 2015, não abrangia nem a TMI, nem as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários» e que «sendo assim, tem de se concluir que as alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 7-A/2016 e pela Lei n.º 22/2017, atento o seu carácter inovador, não podiam ser aplicadas à situação em apreço, por força da proibição constitucional da retroatividade da criação de impostos», razão para recusar a aplicação dessa normação, com fundamento em inconstitucionalidade

«No caso em apreço, verifica-se uma situação em que a nova lei a que foi atribuída natureza interpretativa é verdadeiramente inovadora, pelo que aquele artigo 154.º da Lei n.º 7- A/2016 é materialmente inconstitucional, por ser incompaginável com a proibição de retroatividade que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, por estatuir uma aplicação retroativa da alteração que aquela Lei introduziu na verba 17.3.4 da TGIS.

Por isso, por força do disposto no artigo 204.º da CRP, que estabelece que «nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados», tem de ser recusada a aplicação daquele artigo 154.º, bem como da nova redação da verba 17.3.4 da TGIS»

3. Admitido o recurso e determinado neste Tribunal o seu prosseguimento, o Ministério Público apresentou alegações, nas quais pugna pelo provimento ao recurso e revogação da decisão arbitral recorrida, com a seguinte síntese conclusiva:

«1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, al. a), 72.º nº 1 a) e n.º 3, ambos da LOFPTC, do acórdão arbitral proferido no proc. n.º 362/2019-T (A., S.A. vs. Autoridade Tributária e Aduaneira), uma vez que “foi recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação da norma constante do 154.º Lei n.º 7-A/2016 (Orçamento do Estado para 2016), com referência ao artº 3 nº 3 alínea h) do Código do Imposto do Selo (CIS) aprovado pelo DL nº 150/99 e bem assim à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do (TGIS) , anexa ao Código do Imposto do Selo, estes com a redação introduzida pela Lei nº 7-A/2017 e pela Lei nº 22/2017”.

2.ª) Salvo melhor juízo do Tribunal, não será de apreciar da constitucionalidade da norma jurídica constante do artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, alínea h), do CIS, bem como da norma jurídica constante do artigo 1.º da Lei n.º 22/2017, cit., que com aquela primeira foi conjugada na decisão arbitral, por não terem sido aplicadas nos actos tributários impugnados.

3.ª) O fundamento da lei interpretava radica na proteção das expetativas seguras e legítimas dos interessados, na medida em que “estes podiam contar com a solução fixada pela LN interpretativa” visto ela “consagrar um dos vários sentidos facilmente comportados pelo texto da LA”, e por tal via serão tuteladas considerações de “justiça relativa”, “certeza” e “razoabilidade”, tudo em ordem a um tratamento igual de casos iguais.

4.ª) Assim, na medida em que os seus destinatários “podiam contar com a solução fixada pela LN interpretativa”, visto ela “consagrar um dos vários sentidos facilmente comportados pelo texto da LA”, a LN deverá ser reputada como “lei interpretativa, no sentido e para os efeitos do artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil, O que será o caso, em particular, quando a “lei interpretativa” sufraga uma interpretação “declarativa” (ainda que “lata”) do texto da LA.

5.ª) Ora, na expressão legal “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” poderão ser subsumidas, justamente por o serem, as TMI e as comissões cobradas sobre as operações efetuadas com cartões em caixas automáticas.

6.ª) Por outra parte, as “instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras”, emitentes dos cartões em causa, ao fazerem uso do serviço financeiro assim prestado pelas instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras” que são detentores do ponto ATM, são das mesmas “clientes”, nomeadamente para os presentes efeitos de incidência subjetiva e objetiva do imposto do selo.

7.ª) A solução jurídica perfilhada na LN opera no quadro das regras hermenêuticas prescritas na lei tributária, nomeadamente à luz de argumentos literais (“comissões por operações financeiras” e “clientes”) e da substância económica dos factos em causa (serviços financeiros prestados pelos titulares dos pontos ATM) ali consagrados (LGT, art. 11.º, n.ºs 1 e 3).

8.ª) Por conseguinte, a solução jurídica perfilhada na LN, ao aditar o enunciado “incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, consagra uma “interpretação declarativa” das palavras “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” da pretérita fórmula da verba 17.3.4 da TGIS, o que lhe confere um cariz interpretativo, em sentido próprio.

9.ª) Aliás, idêntica interpretação das palavras da verba 17.3.4 da TGIS já foi perfilhada em sede de decisões arbitrais, no douto acórdão de 7 de dezembro de 2017, proc. n.º 756/2016-T, no âmbito de controvérsias tributárias.

10.ª) Em conclusão, quanto à matéria de constitucionalidade, a decisão arbitral incorreu em erro de julgamento, por força de erro de interpretação quanto ao alcance, no caso em apreço, da “lei interpretativa” respeitante à incidência objetiva do imposto, nomeadamente à luz do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição.»

4. A., S.A., apresentou contra-alegações, que encerrou nestes termos:

«1.ª O presente recurso é deduzido pelo Ministério Público ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com referência à decisão que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pelo ora Recorrido contra o ato de liquidação de Imposto do Selo (IS) n.º 20196430000022, datado de 09.01.2019, consubstanciado na liquidação adicional de Imposto do Selo e respetivas liquidações de juros compensatórios n.º 2019 000007821, 2019 000007822, 2019 000007823, 2019 000007824, n.º 2019 000007825, n.º 2019 000007826 e n.º 2019 000007827 e n.º 2019 000007828 e seguintes, da mesma data, todas referentes ao ano de 2015;

2.ª Salvo o devido respeito, não se verificam os pressupostos previstos nos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, para admitir o presente recurso;

3.ª Com efeito, contrariamente ao que invoca o Ministério Público, o Tribunal Arbitral não recusou a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS na redação conferida pelo artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, em virtude do disposto no artigo 154.º da mesma Lei n.º 7-A/2016, com fundamento na sua inconstitucionalidade na medida em que a redação da verba 17.3.4 da TGIS não foi sequer utilizada como fundamentação do ato tributário contestado;

4.ª O Tribunal Arbitral limitou-se a apreciar as questões suscitadas pelas partes na composição do litígio, portanto a redação da verba 17.3.4 da TGIS que foi apreciada foi a que resultava da redação anterior à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, pelo que não houve desaplicação do artigo 154.º da mesma Lei com fundamento em inconstitucionalidade;

5.ª De facto, compulsado o teor da decisão arbitral, constata-se que o Tribunal Arbitral decidiu não aplicar a verba 17.3.4 da TGIS (vigente no ano de 2015, na redação anterior à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e tal como considerada pela administração tributária no relatório de inspeção tributária que fundamentou o ato tributário em crise), por entender que as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funcionamento do sistema de pagamentos automáticos (TMI) não se encontravam abrangidas na previsão daquele preceito normativo;

6.ª Como resulta da...

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