Acórdão nº 193/07 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução14 de Março de 2007
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 193/2007

Processo n.º 134/07

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

    Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

    A – Relatório

    1 – A., S.A., com os demais sinais identificativos dos autos, reclama, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator nos presentes autos.

    2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:

    “(...)

    1 – A., S.A., com os demais sinais identificativos dos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), “em virtude da interpretação que o acórdão recorrido faz dos artigos 11.º, 19.º e 33.º da Lei n.º 42/98, de 06-08, do artigo 4.º da Lei Geral Tributária e as normas da Lei n.º 55-B/2004, de 31-12, do Decreto-Lei n.º 33/91, de 16-01 e do Decreto-Lei n.º 374/89, de 25-10, violar, inequivocamente, normas de natureza constitucional, nomeadamente e em especial os artigos 13.º, 84.º, 103.º, 165.º e 238.º da Constituição da República Portuguesa”.

    2 – Com interesse para a decisão do presente recurso, cumpre relatar:

    2.1 – A recorrente, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 23 de Janeiro de 2006, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, perante o qual alegou, em síntese:

    “(...)

    I

    Face à garantia bancária idónea prestada pela recorrente, deve o Venerando Relator apreciar e alterar o efeito devolutivo atribuído ao presente recurso, atribuindo-se-lhe efeito suspensivo — o que se requer.

    Isto posto

    II

    Nos termos do DL n° 374/89, de 25-10, compete ao Estado Português a manutenção e expansão da rede de transporte e distribuição do gás canalizado no País,

    III

    tarefa essa que o Estado decidiu transferir na Região Norte, mediante contrato de concessão, para a ora recorrente, que é assim concessionária de um serviço público de distribuição de gás natural na zona Norte do País, nomeadamente no município de Braga.

    IV

    Durante a vigência da concessão a titularidade dos direitos e poderes continua na entidade concedente (Estado) embora a faculdade de os exercer passa a ser exclusivamente do concessionário.

    V

    Através da “Lei de Bases de exploração, em regime de serviço público, de redes de distribuição regional de gás natural” (Base XVII do Decreto-Lei n° 33/91, de 16 de Janeiro), o Estado procedeu a uma mutação dominial parcial dos domínios públicos afectos a outras entidades – designadamente autarquias –, afectando-os também à instalação do serviço público de distribuição de gás.

    VI

    Apesar o artigo 84° da C.R.P. prever o domínio público autárquico, não existe lei que identifique um conjunto de bens qualificados como pertencentes a tal domínio.

    VII

    Certos bens (coisas públicas), atenta a função que desempenham, não podem deixar de se encontrar na titularidade do Estado, constituindo domínio público estadual, designadamente os bens (subsolo) afectos a serviços públicos não municipalizados – como é o caso sub judice.

    VIII

    Não tem assim a Câmara Municipal de Braga legitimidade ou competência para liquidar à recorrente quaisquer taxas pela ocupação da via pública, uma vez que aquela, por força da Lei, ficou privada dos poderes de administração das porções do solo e/ou subsolo da via pública necessárias à instalação da rede de gás e a recorrente se encontra no exercício de poderes da titularidade do Estado.

    Por outro lado e sem prescindir

    IX

    Os actos impugnados não podem classificar-se como taxas, pois que lhes falta o carácter sinalagmático: não lhes corresponde, como contrapartida, uma actividade do Município especialmente dirigida ao respectivo obrigado (a recorrente).

    X

    O conceito de taxa pressupõe uma utilização que satisfaça, para além de necessidades colectivas, necessidades individuais de satisfação activa (que exigem a procura das coisas pelo consumidor) e não toda e qualquer utilização de tais bens.

    XI

    As infra-estruturas da rede de gás natural destinam-se à satisfação de necessidades gerais (colectivas) da população da cidade de Braga.

    XII

    In casu, o que se verifica é a ocupação e utilização de bens dominiais para instalação e funcionamento de um serviço público; trata-se de bens públicos que são utilizados na sua função própria de satisfação de necessidades colectivas que é a existência de uma rede de distribuição de gás natural.

    XIII

    A recorrente nada pode exigir, individualmente, como contraprestação específica das “taxas” de ocupação que lhe foram liquidadas.

    XIV

    Os actos de liquidação impugnados são verdadeiros impostos, ou pelo menos tributos especiais (em todo o caso, com um tratamento jurídico equiparado ao imposto).

    XV

    Pelo que a sua criação e aplicação ultrapassa o poder tributário dos municípios, limitado ao estabelecimento de taxas.

    XVI

    O princípio da legalidade fiscal (reserva de competência) foi manifestamente violado – artigo 103° n° 2 e 165° da C.R.P..

    XVII

    Independentemente da bondade formal e material da solução consagrada no artigo 20° do Orçamento do Estado para 2005, aprovado pela Lei n° 55-B/2004 de 30-12 (em nosso entender, inconstitucional), o certo é que através dela a Assembleia da República concede uma autorização legislativa ao Governo para alargar as competências dos municípios em matéria de “taxas”.

    XVIII

    O que significa que os Municípios não podem cobrar “taxas” de ocupação ou utilização do solo e subsolo do domínio público municipal por empresas e entidades no domínio da distribuição de gás, ao abrigo da actual redacção do artigo 19° da Lei n° 42/98, de 06-08 (Lei das Finanças Locais).

    Sem prescindir

    XIX

    Os actos impugnados ao fazerem uma aplicação directa das taxas previstas na Tabela e Regulamento Camarários estão a aplicar à recorrente enquanto concessionária de serviço público, exactamente as mesmas taxas que estão previstas para entidades particulares, que actuam com base em interesses próprios (individuais).

    XX

    A recorrente não pode, do mesmo modo que qualquer empresa, repercutir as taxas pagas na facturação ao consumidor, pois a sua actuação nesta área (nomeadamente quanto aos preços que esta pode cobrar aos consumidores) está limitada, designadamente pelo contrato de concessão e pelo facto de ser uma concessionária de serviço público.

    XXI

    Ou seja, estão a ser tratadas de forma igual situações que são materialmente diferentes, e que deveriam ser objecto de tratamento diverso, violando assim o princípio da igualdade (na sua vertente de igualdade material), vertido no artigo 13º.°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa.

    Acresce que,

    XXII

    Ainda que a cobrança de taxas por ocupação do subsolo fosse permitida (no que não se consente), face ao princípio da proporcionalidade a respectiva liquidação feria sempre de atender à finalidade do uso requerido – o que não sucedeu no caso em apreço (não foi considerada a quase inocuidade da aludida ocupação).

    XXIII

    O respeito pelo princípio da proporcionalidade impõe que não sejam aplicadas as mesmas taxas aos usos privativos de interesse privado e aos usos de interesse público.

    XXIV

    Conclui-se, pois, nesta sede, que os actos de liquidação impugnados se encontram feridos de nulidade, por violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.

    Sem prescindir,

    XXV

    Por contrato de concessão, foi atribuída pelo Estado à recorrente a competência da gestão do serviço público de distribuição de gás e de todos os meios afectos a essa concessão.

    XXVI

    “O serviço público pelo facto de passar a ser feito por uma entidade privada não perde a sua natureza”.

    XXVII

    Apesar de se verificar uma transferência do exercício de poderes durante o prazo da concessão ou enquanto esta subsistir a titularidade dos direitos e poderes continua na entidade concedente (Estado), mas a faculdade de os exercer passa a ser exclusivamente do concessionário.

    XXVIII

    Estando em causa um serviço público que o Estado concessionou e tornando-se necessária, para o cumprimento desse serviço público, a ocupação da via publica, a recorrente (concessionaria) deve ser aplicada a isenção prevista no artigo 33° n° 1 da Lei das Finanças Locais.

    XXIX

    A não aplicação dessa norma de isenção ao caso dos autos, inquina os actos impugnados de vício de violação de lei.

    XXX

    Violou, assim, a sentença recorrida, nomeadamente por erro de interpretação, as normas dos artigos 13º, 84°, 103°, 106°, 165° e 238° da C.R.P.; os artigos 11°, 19º e 33° da Lei n° 42/98, de 06-08 (Lei das Autarquias Locais); o artigo 4° da Lei Geral Tributária; e ainda as normas da Lei 55-B/2004, de 31-12, do DL 33/91, de 16-01 e do DL 374/89, de 25-10; o despacho que admitiu o recurso violou os artigos 280º, 281°, 282° e 286° do CPPT e o artigo 687° n° 4 do Código de Processo Civil”.

    2.2 – Por acórdão de 8 de Novembro de 2006, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu negar provimento ao recurso, louvando-se na seguinte fundamentação:

    “(...)

    3.1. A recorrente insurge-se contra a sentença recorrida por razões de quatro ordens:

  2. – A Câmara Municipal de Braga não tem legitimidade ou competência para liquidar à recorrente taxas pela ocupação da via pública – conclusões II a VIII;

  3. – O tributo que lhe foi liquidado, apesar de denominado taxa, é um imposto, por isso não podendo ser criado e aplicado por um município – conclusões IX a XVIII;

  4. – Enquanto concessionária de serviço público, a recorrente merece tratamento diferente do dado a entidades particulares, para que sejam respeitados os princípios da igualdade e da proporcionalidade – conclusões XIX a XXIV;

  5. – A ocupação do subsolo pelo Estado – a recorrente, por ser concessionária, exerce poderes dele – está ao abrigo da isenção do artigo 33º nº 1 da Lei de Finanças Locais – conclusões XXV a XXIX.

    3.2. A falta de «legitimidade ou competência» da Câmara Municipal de Braga é ancorada, pela recorrente, no facto de o subsolo ser um bem do domínio público do Estado e não do Município, por força do disposto na Base XVII do...

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