Acórdão nº 174/06 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Março de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução08 de Março de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 174/2006 Processo n.º 11/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

1.1. A. reclamou para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 76.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 10 de Novembro de 2005, que não admitiu recurso de constitucionalidade por ele interposto, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, contra o acórdão do STJ, de 20 de Outubro de 2005.

De acordo com o respectivo requerimento de interposição, o recorrente pretende que seja “apreciada dupla inconstitucionalidade, a saber: a) do artigo 412.°, n.° 5, do CPP, quando interpretado nos termos em que o foi na decisão recorrida, isto é, no sentido de que o recorrido está obrigado a manifestar nos autos em que recursos retidos está interessado, não se tendo os mesmos tornado inúteis, quando a matéria questionada no recurso interlocutório, não obstante tal impugnação, é utilizada para fundamentar alteração na matéria de facto, por afrontamento do artigo 32.°, n.° 1, da CRP; b) do artigo 412.°, n.° 3, alíneas a) e b), do CPP, quando interpretado nos termos em que o foi na decisão recorrida, isto é, no sentido de que o Ministério Público não é obrigado a especificar os elementos subsumíveis a tais alíneas, podendo mesmo indicar os factos pretensamente errados, a titulo exemplificativo, podendo o juiz ajudar na especificação de tais elementos, por afrontamento do artigo 32.°, n.°s 1 e 5, da CRP”.

1.2. O despacho de não admissão do recurso é do seguinte teor:

“Não recebo o recurso constitucional de fls. 4295.

Relativamente ao artigo 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CPP, porque a decisão recorrida o não interpretou «no sentido de que o Ministério Público [recorrente] não é obrigado a especificar os elementos subsumíveis a tais alíneas». Ou seja, o STJ, na decisão ora recorrida, não «aplicou norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo» (artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC). Aplicou essa norma, sim, mas com sentido diferente daquele cuja inconstitucionalidade havia sido anteriormente suscitada. E, por isso, «outra» norma. Com efeito, a decisão recorrida pressupôs que o Ministério Público «especificou, desde logo, os pontos de facto que considerou incorrectamente julgados (artigo 412.º, n.º 3, alínea a)» (item 7.3) e «ao mesmo tempo, especificou ‘as provas que impunham decisão diversa da recorrida’ (artigo 412.º, n.º 3, alínea b)» (item 7.4): «7.5 Daí que, tendo o recorrente invocado (e especificado), a par do texto da decisão recorrida e das regras da experiência comum, os pontos de facto que considerava incorrectamente julgados e as provas que impunham decisão diversa, não pudesse – nem devesse – a Relação limitar a sua apreciação – a pretexto de uma (eventualmente) incorrecta (e, porventura, apenas hiperbólica) denominação dada pelo recorrente ao erro invocado – ao ‘texto da decisão recorrida’, abstraindo das provas concretamente especificadas, omissão que, a ocorrer, implicaria – essa sim – ‘omissão de pronúncia’ e nulidade do acórdão (artigos 425.º, n.º 4, e 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP)».

E, relativamente ao artigo 412.º, n.º 5, do CPP, porque o recurso é manifestamente infundado (artigo 76.º, n.º 2, da LTC). Pois que, não obstante a matéria impugnada no recurso interlocutório (do arguido) haver sido utilizada para fundamentar o recurso principal (do Ministério Público), o arguido poderia, em recurso subordinado ou na própria resposta ao recurso do Ministério Público, ter manifestado (e não manifestou) o seu interesse no conhecimento do recurso retido. Tanto bastaria, segundo a decisão recorrida, para que a Relação dele devesse tomar conhecimento. Doutro modo, a Relação nem sequer saberia – nem estaria obrigada a saber – da existência, nas profundezas do processo, de tal remoto e recôndito recurso.

Recorde-se, para melhor entendimento, o que, a este respeito, realmente se passou no processo:

6.3. O ora recorrente – conformado com a decisão do tribunal colectivo – não interpôs recurso da decisão final. Fê-lo todavia, em seu detrimento, o Ministério Público, com (essencial) fundamento nas escutas telefónicas cuja legalidade o recorrido havia posto em causa no seu recurso retido. Teria competido a este, por isso, alertar – ‘obrigatoriamente’ – o tribunal, pelo menos na respectiva contramotivação, para os recursos retidos em relação aos quais mantivesse interesse (artigo 412.º, n.º 5).

6.4. E, como esse alerta era ‘obrigatório’ (dele dependendo, por isso mesmo, o conhecimento do tribunal de recurso), o interessado, de duas, uma: a) ou recorria, subordinadamente, da própria sentença com que se conformara (de maneira a alertar o tribunal para o seu interesse no conhecimento – em razão do recurso do Ministério Público – do recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava a contramotivação do recurso para manifestar ao tribunal ad quem a manutenção ou repristinação desse seu interesse.

6.5 Não o tendo feito, o seu recurso retido – já que não actualizado no momento processual próprio – perdeu, definitivamente, actualidade.

6.6. Repare-se, de resto, que o ora recorrente nem sequer reclamou contra essa (pretensa) omissão de pronúncia no recurso (de 9 de Agosto de 2004) oportunamente interposto do acórdão (pretensamente) omisso, mas tão-só, em posterior acto avulso (datado de 28 de Setembro de 2004), em que veio tardiamente explicitar que, ‘para além dos vícios assacados à decisão recorrida, ocorria que a mesma tinha um outro de conhecimento oficioso, a omissão de pronúncia quanto ao recurso interlocutório’. Só que, por não se verificar o apontado vício (já que o interessado no conhecimento de recurso retido não alertara o tribunal ad quem, na resposta ao recurso do Ministério Público ou mesmo em recurso subordinado, para a subsistência do seu interesse), não haveria – nem haverá – que dele tomar conhecimento, agora, oficiosamente.

”

1.3. Na reclamação contra o precedente despacho, aduz o recorrente:

“1 – A decisão reclamada entende que o recurso é manifestamente infundado porquanto o reclamante teria de «... alertar – ‘obrigatoriamente’ – o tribunal, pelo menos na respectiva contramotivação, para os recursos retidos em relação aos quais mantivesse interesse (..). E, como esse alerta era ‘obrigatório’, (…) o interessado, de duas uma: a) ou recorria, subordinadamente, da própria sentença com que se conformara (de maneira a alertar o tribunal para o seu interesse no conhecimento – em razão do recurso do Ministério Público – do recurso retido) ou, pelo menos, aproveitava a contramotivação do recurso para manifestar ao tribunal ad quem a manutenção ou repristinação desse seu interesse».

2 – A decisão reclamada parte de triplo pressuposto de facto errado, que se especifica:

  1. que o recorrente tinha obrigatoriamente de alertar para o recurso retido;

  2. que, para isso, ou recorria subsidiariamente da sentença com que se conformara ou

  3. aproveitava a contramotivação do recurso para manifestar ao tribunal superior o seu interesse no recurso retido.

3 – Ora, quanto à obrigatoriedade de alertar o tribunal superior, parte a decisão reclamada de afirmação que não justifica e que a lei não prevê. O que a lei impõe é que o recorrente especifique os recursos retidos em que mantém interesse. Nada diz quanto ao recorrido, pelo que tal ónus não lhe pode ser imposto. O recorrido não tem que contramotivar, ao contrário do recorrente que tem de motivar, por a motivação ser elemento essencial ao recurso.

4 – Era impossível o recurso subordinado, no caso. É que este tipo de recurso só ocorre se ambas as partes ficarem vencidas e quando cada uma delas pretenda obter a reforma da decisão na parte que lhe seja desfavorável. No caso, a decisão, no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes, foi-lhe plenamente favorável, pelo que não tinha legitimidade para o recurso (artigo 401.º, n.º 1, do CPP).

5 – Tal significa que os pressupostos de facto da decisão reclamada não são verdadeiros.

6 – Assim, o recurso tem de ser admitido, já que o direito ao recurso está constitucionalmente garantido (artigo 32.°, n.° 1, da CRP) e as escutas telefónicas – objecto do recurso retido – foram utilizadas contra o recorrente quando o mesmo as tinha questionado, sem que o problema, questão prévia à decisão que colocara, tivesse sido resolvido.

7 – É que as escutas foram elemento de prova considerado válido pela Relação, sem que a mesma tenha analisado que a sua validade estava questionada.”

1.4. O Conselheiro Relator do STJ, por despacho de 6 de Dezembro de 2005, manteve o despacho reclamado, consignando:

“Mantenho o despacho reclamado. Tanto mais que o ora reclamante era, no recurso retido, o «recorrente» e, daí, que – se nele mantivesse interesse – se lhe impusesse alertar o tribunal ad quem para a persistência desse seu interesse. Desde logo, no prazo do recurso da decisão final (se dela não recorresse) ou, pelo menos, na contramotivação. De qualquer modo e mesmo que o tribunal ad quem (no caso, a Relação) dele tivesse que conhecer mesmo que não alertado para a existência algures nas profundezas do processo, a verdade é que, dessa (eventual) omissão, o ora reclamante não reclamou nem recorreu. Donde que o Supremo não tivesse que conhecer, porque não recorrida, dessa pretensa omissão.”

1.5. No Tribunal Constitucional, o representante do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:

“Afigura-se que o acórdão, proferido pelo STJ, sobre a «segunda questão» suscitada (fls. 16 verso e 17 dos autos) – a cognoscibilidade pela Relação do recurso interlocutório, interposto pelo arguido e retido nos autos – assentou num duplo fundamento alternativo:

por um lado, a aplicação da norma constante do...

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