Acórdão nº 349/06 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Maio de 2006

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução31 de Maio de 2006
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 349/2006

Processo n.º 367/06 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), da decisão sumária do relator, de 24 de Abril de 2006, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, por considerar “simples” a questão de constitucionalidade suscitada, uma vez que já fora “objecto de decisão anterior do Tribunal”, negar provimento ao recurso, não julgando inconstitucionais as normas constantes dos artigos 94.º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho (com excepção do seu n.º 3 e do segmento do n.º 1 referente à dispensa de serviço a pedido do militar) e 75.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho (com excepção das alíneas b) e c) do seu n.º 1).

1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:

“1. A. interpôs, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da (…) LTC, recurso do acórdão da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de Março de 2006, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por violação dos princípios que se extraem dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, 47.º, 53.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), das normas do artigo 94.º da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho (com excepção do seu n.º 3 e do segmento do n.º 1 referente à dispensa de serviço a pedido do militar), e do artigo 75.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho (com excepção das alíneas b) e c) do seu n.º 1), aduzindo ter suscitado a inconstitucionalidade dessas normas nas alegações do recurso interposto para o tribunal recorrido e terem as referidas normas sido já julgadas inconstitucionais pelo Acórdão n.º 91/2001 do Tribunal Constitucional.

Acontece que esse Acórdão n.º 91/2001 foi revogado pelo Acórdão n.º 481/2001 do Plenário do Tribunal Constitucional – em recurso interposto ao abrigo do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, com fundamento em oposição entre o decidido no Acórdão n.º 91/2001 e o decidido nos Acórdãos n.ºs 504/2000, 505/2000 e 26/2001 –, que não julgou inconstitucionais as normas ora em causa.

O referido Acórdão n.º 481/2001 desenvolveu a seguinte argumentação:

2 – O recurso previsto no artigo 79.º-D da LTC cabe de decisão que julgar “a questão de constitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma” por qualquer das secções do Tribunal.

Visa-se com este meio impugnatório a uniformização da jurisprudência do Tribunal Constitucional, sem prejuízo da sua revisibilidade nos termos definidos pelo Acórdão n.º 533/99, publicado in Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1999.

No caso, é patente a divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento (Acórdão n.º 504/2000) no ponto em que o primeiro, em contrário do segundo, decidiu que as supra citadas normas da LOGNR e do EMGNR, enquanto permitem a aplicação da medida de dispensa de serviço “independentemente do cometimento de uma infracção disciplinar que a justifique e sem ser em processo disciplinar (...) violam o princípio da proibição do excesso e (...) o direito à segurança no emprego”.

Tal determinou que o acórdão recorrido julgasse inconstitucionais as referidas normas e o acórdão-fundamento, apreciando as mesmas normas também na perspectiva da sua constitucionalidade orgânica e material, por violação do princípio da igualdade, formulasse juízo em sentido divergente.

3 – Depois de qualificar a sanção de dispensa de serviço como sanção estatutária, sustenta o acórdão recorrido que ela não pode ser aplicada senão para punir uma infracção disciplinar muito grave, fundamentalmente por ser inaceitável que, implicando a perda dos direitos à qualidade de militar da GNR, “possa concluir-se que o comportamento do militar indicia ‘notórios desvios dos requisitos morais, éticos, técnico-profissionais ou militares que lhe são exigidos pela sua qualidade e função’ (ou seja, que o militar revela não possuir ‘bom comportamento militar e cívico, espírito militar ou aptidão técnico-profissional’) – e concluir-se em termos de justificar a aplicação de uma sanção que afecta tão gravemente o seu estatuto profissional – sem, previamente, se fazer prova de que ele praticou uma infracção disciplinar muito grave”, isto, desde logo, porque a pena disciplinar de separação de serviço previsto no artigo 28.º, alínea f), do Regulamento Disciplinar da GNR – com a qual o acórdão de algum modo identifica a sanção em causa – só pode ser aplicada pela prática de infracções muito graves nos termos do artigo 42.º, n.º 1, alínea c), daquele Regulamento.

Qualificando o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da CRP – direito que seria posto em causa com a aplicação da sanção – como direito fundamental, gozando da protecção conferida pelo artigo 18.º, n.º 2, da CRP, o acórdão sustenta, depois, a inadmissibilidade de “uma lei que permita que, independentemente do cometimento de uma infracção disciplinar muito grave, se expulse da Guarda Nacional Republicana um militar que, aos olhos do seu comandante-geral, dê provas de ‘notórios desvios dos requisitos morais, éticos, técnico-profissionais ou militares que lhe são exigidos pela sua qualidade e função’”, lei essa que não encontraria credencial em qualquer preceito constitucional, designadamente no artigo 270.º da CRP, a isto acrescendo o incumprimento da exigência de que toda a restrição se deve limitar “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente previstos”.

E conclui:

“Há-de, pois, convir-se que as normas legais aqui sub iudicio, ao permitirem a aplicação da medida de dispensa do serviço independentemente do cometimento de uma infracção disciplinar que a justifique e sem ser em processo disciplinar, são inconstitucionais: antes de mais, porque violam o princípio da proibição do excesso e, desse modo, o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição, que dispõe que ‘é garantido aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos’.”

Esta garantia – que vale, naturalmente, também para os militares da Guarda Nacional Republicana [sobre a aplicação da garantia da segurança no emprego aos trabalhadores da Administração Pública – e isso são os militares da Guarda Nacional Republicana – cf. os Acórdãos n.ºs 154/86 e 285/92 (publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 7.º, tomo I, páginas 185 e seguintes, e volume 22.º, páginas 159 e seguintes)] – significa, pelo menos, que eles não podem ser expulsos das fileiras, salvo apurando-se, em processo próprio, com observância das garantias de defesa, que cometeram infracção disciplinar de gravidade tal que torne impossível a sua manutenção ao serviço e a sua pertença à corporação.

Ora, o acórdão-fundamento não deixa de admitir que a sanção de dispensa de serviço afecte o direito à segurança no emprego. Simplesmente nele se diz também – e com razão – que “aquela medida não está conceptualizada de molde a poder-se concluir que a mesma é ou pode ser aplicável ad libitum, antes só o podendo ser se ocorrerem causas precisas, indicadas nas normas em questão”.

E acrescenta-se:

“Na verdade, como aliás se escreveu no acórdão ora sub iudicio, o militar da Guarda Nacional Republicana só será abatido aos respectivos quadros após se ter concluído, em processo próprio, que não reúne as condições essenciais para o exercício das respectivas funções, sendo que, pela natureza das suas atribuições e pelo modelo de organização daquele corpo especial de tropas, são de exigir dos seus militares condições especiais de permanente aptidão física, psíquica e psicológica, comportamentos pautados por estritos rigores éticos de coesão interna e acentuado espírito de disciplina, condições e comportamentos estes que, a não serem seguidos, são justificativos da não manutenção efectiva da acima indicada ‘relação laboral’.

Não poderá, desta sorte, equiparar-se a medida de dispensa de serviço a um caso de despedimento sem justa causa.

A exigência de uma causa adequada à cessação da efectiva ‘relação laboral’ e a exigência de um processo que assegure plenamente garantias de defesa em relação ao militar está amplamente consagrada nas normas em apreciação.”

Isto mesmo se repete no Acórdão n.º 26/2001, quando nele se diz:

“Não se afigura forçado admitir que a medida de dispensa do serviço ponha em causa a segurança no emprego. Simplesmente, o que parece claro, face ao disposto nas referidas normas do EMGNR93 e da LOGNR, é que ela não é aplicável sem que se verifiquem as condições nelas previstas, embora com a utilização de conceitos indeterminados. O tipo de funções que o militar da GNR exerce, enquadrado num modelo organizacional próprio, exige que a esse militar se imponham especiais condições de aptidão física e psíquica e a observância de rigorosos padrões comportamentais e éticos, sem os quais se não pode deixar de justificar a quebra do ‘vínculo laboral’. E é precisamente a falta dessas condições e desses requisitos que as normas em causa prevêem como justificativas da imposição da medida.

No caso, pois, existindo uma causa adequada à cessação da ‘relação laboral’, não é legítima a identificação da dispensa de serviço com observância do disposto nas citadas normas com um despedimento sem justa causa, sendo ainda certo que no processo em que a...

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