Acórdão nº 157/05 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Março de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução29 de Março de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 157/2005

Processo n.º 49/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do despacho proferido pelo relator, no Tribunal Constitucional, na parte em que este excluiu do objecto do recurso o conhecimento das questões de inconstitucionalidade relativas às normas dos artigos 653º e 668º, 489º e 513º, 590º,456º, todos do Código de Processo Civil (CPC), admitindo-o apenas quanto às normas constantes dos artigos 1865º e 1866º do Código Civil (CC), interpretados no sentido de “permitirem a intervenção, sem caracter supletivo, do Ministério Público como Autor no processo, em violação da vida privada do Réu-recorrente e num desequilíbrio da posição processual das partes, e dos artigos 202º e 203º da Organização Tutelar de Menores (OTM), com “o sentido de permitirem que, em processo civil, se tenha havido por válida uma investigação secreta, eternamente secreta, sem contraditório, desigual e realizada por um investigador, simultaneamente, Autor da acção”.

2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:

«1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 9 de Novembro de 2004, que negou provimento à revista interposta de acórdão da Relação que, por seu lado, negou provimento ao recurso de apelação interposto de sentença de tribunal de 1ª instância que julgou procedente a acção de investigação de paternidade proposta pelo Ministério Público e declarou o menor B. filho do recorrente.

2 – Pretende o recorrente a apreciação de inconstitucionalidade das seguintes normas:

  1. artigos 1865º e 1866º do Código Civil (CC), interpretados no sentido de “permitirem a intervenção, sem caracter supletivo, do Ministério Público como Autor no processo, em violação da vida privada do Réu-recorrente e num desequilíbrio da posição processual das partes;

  2. artigos 202º e 203º da Organização Tutelar de Menores (OTM), com “o sentido de permitirem que, em processo civil, se tenha havido por válida uma investigação secreta, eternamente secreta, sem contraditório, desigual e realizada por um investigador, simultaneamente, Autor da acção”;

  3. artigos 653º e 668º do Código de Processo Civil (CPC), “com o sentido de possibilitarem que fossem dados como provados factos desacompanhados da análise crítica das correspondentes provas que não existem”;

  4. artigos 489º e 513º, do mesmo código, “com o sentido de permitirem impedir que em segunda audiência de discussão e julgamento fosse produzida prova testemunhal arrolada não produzida na primeira”;

  5. o artigo 590º do mesmo código, “com o sentido de admitir como prova uma segunda perícia não colectiva e com objecto diferente do da primeira efectuadas, uma e outra, sob responsabilidade e com a intervenção do mesmo perito”;

  6. o artigo 456º do mesmo código “num sentido da admissão da sua aplicação sem que tenham sido provados os requisitos nele previstos”.

3 – Aduz o recorrente que “as inconstitucionalidades foram suscitadas no decurso do processo e a tempo do Tribunal “a quo” se pronunciar”, tendo “as dos artigos 1865º e 1866º do CC e dos artigos 202º e 203º da OTM sido invocadas logo nas primeiras alegações de recurso do Réu-recorrente” e “as demais nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação da sentença ditada no desenvolvimento da segunda audiência de discussão e julgamento”.

4 – Sob recurso está apenas o acórdão do STJ. Sendo assim apenas há que conhecer das questões de inconstitucionalidade das normas por ele aplicadas como ratio decidendi da decisão de negação da revista. Deste modo importa apenas conhecer da constitucionalidade das normas dos artigos 1865º e 1866º do CC e dos artigos 202º e 203º da OTM, dado que foram das normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada as únicas que o acórdão aplicou e cuja inconstitucionalidade foi suscitada perante ele [cf. art.ºs 280º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, e 70º, n.º1, alínea b), da LTC].

É de notar que não se podem ter por aplicadas pelo acórdão do STJ normas que porventura tenham constituído o fundamento normativo de respostas dadas a certas questões pelo Tribunal da Relação cuja reapreciação não foi posteriormente objecto do recurso de revista interposto, independentemente da razão que esteja subjacente a uma tal posição (estratégia processual ou inadmissibilidade legal).

Por outro lado, é irrelevante que o recorrente tenha suscitado a inconstitucionalidade das outras normas mencionadas perante o Tribunal da Relação ou até perante a 1ª instância se ele, como acontece no caso, não colocou ao reexame do STJ, no recurso de revista, a pronúncia dada pela Relação sobre essas questões de inconstitucionalidade. Trata-se de questões abandonadas. É esse o sentido que decorre do n.º 2 do art.º 70º da LTC ao exigir, para os recursos interpostos ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do mesmo artigo, em cuja categoria cabe o presente, que sejam esgotadas as vias de recurso ordinário.

Deste modo não se conhecerá da inconstitucionalidade das normas acima indicadas sob as alíneas c) a e) do ponto 2.

5 - Igualmente se não conhecerá da questão de inconstitucionalidade da norma do art.º 456º do CPC [alínea f) do ponto 2] na medida em que o recorrente não questiona a conformidade com a Lei Fundamental da norma constante desse preceito mas sim o juízo de aplicação/subsunção a esse critério normativo da realidade processual relevada pela decisão recorrida como provocada pelo recorrente.

Ora, de acordo com o afirmado repetida e uniformemente pelo Tribunal Constitucional apenas podem ser objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, de acordo com o disposto nos art.ºs 280º, n.º 1, alínea b), da CRP, e 70º, n.º 1, alínea b), da LTC, em cuja categoria cabe o presente, normas jurídicas e não decisões judiciais ou outros actos não normativos (como políticos ou administrativos) ainda que estes hajam feito aplicação directa de preceitos constitucionais.

6 – Finalmente, cumpre referir que o Tribunal Constitucional conhecerá, como já se disse, da inconstitucionalidade das normas dos artigos 1865º e 1866º do CC e dos artigos 202º e 203º da OTM, mas apenas na dimensão com que essas normas foram interpretadas e aplicadas pelo acórdão recorrido e não na dimensão que é apontada pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso.

Na verdade, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade apenas pode ter por objecto, atenta a sua natureza instrumental, normas que tenham constituído a ratio decidendi da decisão recorrida e como tal capazes de, em caso de provimento do recurso de constitucionalidade, conduzir à reforma da decisão recorrida – o que implica que só possam ser sindicados constitucionalmente os critérios normativos tal como foram entendidos e aplicados pela decisão recorrida – e não normas construídas pelo recorrente a partir de uma visão sua sobre a solução que, por uma certa interpretação delas, o caso deve merecer.

Face ao exposto – e delimitando nesses exactos termos o objecto do recurso de constitucionalidade - conhecer-se-á da inconstitucionalidade das normas dos artigos 1865º e 1866º do CC enquanto entendidas no sentido de permitirem a intervenção, sem caracter supletivo, do Ministério Público como representante do menor autor na acção em que se investiga a sua paternidade e de essa acção poder provocar “alguma ofensa à intimidade da vida privada e familiar” do investigado, por violação dos artigos 25º e 26º da CRP.

Conhecer-se-á, ainda, da questão de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 202º e 203º da OTM quando entendidas no sentido de permitirem que possa realizar-se validamente uma investigação “secreta” como preliminar administrativo da acção de (processo civil) investigação de paternidade a propor pelo Ministério Público, sem sujeição a contraditório naquela investigação, dispondo ainda, aí, o mesmo Ministério Público de uma posição institucional privilegiada que o investigado aí não desfruta, por violação do disposto nos art.ºs 13º e 20º da CRP, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (art.ºs 12º, 7º e 10º) e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.ºs 8º, 6º e 14º).

7 – Em função do objecto do recurso, tal como acaba de ser fixado, ordena-se a notificação do recorrente e recorridos para, respectivamente e querendo, alegarem e contra-alegarem no prazo legal.».

3 – Como fundamentos da sua reclamação o reclamante aduz o seguinte:

1. Entendeu o Ex.mo Conselheiro Relator proferir Despacho nos termos do qual delimitou, restringindo, o objecto do presente recurso para o Tribunal Constitucional, por entender que, estando apenas em recurso o acórdão do STJ, relativamente às normas cuja inconstitucionalidade o Recorrente pretende ver apreciada, elencadas sob as alíneas c) a e) do mesmo Despacho, tais normas não foram aplicadas pelo STJ enquanto ratio decidendi da decisão de negação da revista.

2. Foi entendido, também, na decisão de que agora se reclama para a Conferência, que, relativamente àquelas normas, o Recorrente não suscitou a questão da sua inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal de Justiça, pelo que terão de considerar-se como questões abandonadas insusceptíveis de recurso para o Tribunal Constitucional na medida em que, quanto a elas, não foram esgotadas as vias de recurso ordinário (cfr. n.º 2 do art. 70º da LTC).

3. Salvo o devido respeito, não nos parece que assista razão ao Ex.mo Juiz Conselheiro Relator nos termos em que fixou o objecto do recurso, cuja delimitação, face aos termos em que o mesmo foi interposto, é violadora da lei e merece ser reparada.

Vejamos,

4. Preliminarmente, importa...

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