Acórdão nº 355/05 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Maria João Antunes
Data da Resolução06 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 355/2005

Processo nº 119/04

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria João Antunes

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. A. recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70°, n º 1, alínea b), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Novembro de 2002, pretendendo a apreciação de constitucionalidade “de normas do Regulamento (artº 3°) aprovado pela ATOC [Associação dos Técnicos Oficiais de Contas]”, reportado à Lei nº 27/98, de 3 de Junho.

  2. O ora recorrente interpôs, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, recurso contencioso de anulação do acto de recusa da sua inscrição na Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (ATOC), praticado pela respectiva Comissão de Inscrição. Por sentença de 30 de Abril de 1999, este Tribunal rejeitou o recurso, por considerar que o acto impugnado não era verticalmente definitivo, questão que a entidade recorrida havia suscitado nos autos.

    Interposto recurso da decisão, veio o Supremo Tribunal Administrativo a revogá-la por acórdão de 15 de Junho de 2000, que determinou o prosseguimento do recurso no tribunal recorrido. Em cumprimento do acórdão, foi proferida nova sentença no Tribunal Administrativo de Círculo, em 21 de Dezembro de 2000, que, conhecendo do objecto do recurso, lhe concedeu provimento, revogando o acto impugnado. Esta decisão veio a ser julgada nula, por omissão de pronúncia, em sede de recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo.

    Subsequentemente e após indeferimento de pedido de aclaração daquele acórdão, foi proferida sentença no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, em 4 de Dezembro de 2001, que manteve, no que concerne à decisão de mérito do recurso, a decisão anterior, com a consequente anulação do acto impugnado. É o seguinte, no que agora releva, o teor de tal decisão:

    “(...) importa apreciar se a deliberação recorrida se mostra ou não em conformidade com a lei, neste caso com o art. 1º da lei 27/98, o qual prevê a possibilidade de inscrição dos profissionais de contabilidade na ATOC, que desde 1.1.89 até 17.10.95 tenham sido durante três anos seguidos ou interpolados responsáveis directos por contabilidade organizada nos termos do POC, entendendo-se que assiste razão ao recorrente.

    Na verdade a entidade recorrida vem alegar, como argumento fundamental da sua tese, que a responsabilidade directa referida nesse preceito abrange a responsabilidade pela regularidade fiscal das contas do contribuinte obrigado a possuir contabilidade organizada, o que só poderia ser verificado pelo facto de o profissional de contabilidade ter assinado juntamente com o contribuinte, como responsável, as declarações fiscais deste.

    Mas não é assim, pela simples razão, como aliás consta do preâmbulo do DL 265/95 (que aprovou o estatuto dos TOC), ‘com a aprovação do código de IRS e IRC, que começaram a vigorar em 1989, foi revogado o referido Código C. Industrial, deixando de ser obrigatória a sua assinatura nas declarações fiscais, desaparecendo no plano institucional a figura do técnico de contas’.

    E assim, por via disso, no referido período legal (89 a 95) os profissionais de contabilidade não eram efectivamente responsáveis directos pela regularidade fiscal dos contribuintes, que só veio a ser efectivada com a publicação daquele estatuto dos TOC, cuja função primacial passou a ser, aqui sim, ‘assumir a responsabilidade pela regularidade fiscal...’

    Donde se verifica que no referido período não pode entender-se a responsabilidade directa constante do texto legal no sentido pretendido pela entidade recorrida, por não ser admissível que o legislador, ao fazer publicar aquela lei de 1998, estivesse a pensar numa situação que efectivamente não se verificava, ou seja, a respectiva responsabilidade fiscal dos profissionais de contabilidade.

    Por outro lado, o mesmo texto legal também não aponta no sentido alegado pela entidade recorrida pois que se refere apenas aos profissionais de contabilidade responsáveis directos pela contabilidade organizada, não havendo aí qualquer alusão a responsabilidades fiscais, ou seja, a referida tese não tem qualquer suporte no texto legal, não sendo por isso admissível – art.2º do CC.

    Quanto ao mais o recorrente observa os requisitos legais do referido art. 1º da lei, sendo responsável no período de tempo relevante pela contabilidade de uma entidade com contabilidade organizada, facto que não vem impugnado, enquadrando-se pois na respectiva previsão legal e assistindo-lhe o direito à inscrição na ATOC.

    Em face do exposto, por violação do art. 1º da lei 27/98, concedo provimento ao recurso, anulando o acto impugnado”.

  3. Desta decisão de mérito, a Comissão de Inscrição da ATOC interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, vindo a ser proferido o acórdão que constitui a decisão recorrida no presente recurso de constitucionalidade, datado de 13 de Novembro de 2002. Entendeu então o Supremo Tribunal Administrativo conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida:

    “(...) Quanto ao mérito do recurso, ou seja, à questão de saber se a sentença decidiu mal ou bem a questão enunciada (prova de qualificação do interessado como responsável directo por contabilidade organizada, através de quaisquer meios de prova, ou necessariamente através dos elementos fixados no regulamento de execução editado pela Comissão Instaladora), este S.T.A. pronunciou-se já, em situações similares, no sentido ali consagrado, ou seja, de que essa prova terá de ser feita através dos elementos indicados naquele regulamento de execução, e que foram os exigidos ao ora Recorrente pelo acto contenciosamente recorrido.

    Entre outros, os acórdãos de 29-11-01 (recurso 47.211), de 4-12-01 (recurso 47.670) e de 11-12-01 (recurso 47.549), de 11-10-01 (recurso 47551).

    Transcreve-se a fundamentação de direito acolhida neste último, também perfilhada nos restantes arestos citados e que inteiramente se subscreve:

    ‘2.1. Com o DL. 265/95, de 17/10, é aprovado o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas (ETOC), e criada a Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (ATOC), pessoa colectiva pública, que se rege pelo disposto naquele estatuto, no qual se prevê a inscrição na associação dos contabilistas que obedeçam a condições nele estabelecidas.

    Tendo-se dado conta das dificuldades que alguns daqueles profissionais vieram a encontrar ao pretenderem fazer a sua inscrição, por falta de determinados requisitos previstos naquele diploma, a Assembleia da República fez publicar a Lei 27/98, de 3/6, para permitir que, a título excepcional, se admita a inscrição como técnico oficial de contas de responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, no período decorrido entre 01.01.89 e 17.10.95, de entidades que possuíssem ou devessem possuir esse tipo de contabilidade.

    É assim que o artº 1 ° da Lei 27/98 fixa o prazo de 90 dias para tal inscrição na ATOC dos profissionais de contabilidade que no aludido período tenham sido, durante três anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, responsáveis directos por contabilidade organizada.

    Trata-se, aqui, de um regime excepcional, que tornou possíveis inscrições na ATOC como técnicos oficiais de contas que não estavam autorizadas face ao conteúdo normativo do DL. 265/95, especialmente pela exigência de habilitações literárias especificas que muitos antigos profissionais de contabilidade não possuíam, cuidando a lei de valorizar a experiência profissional por aqueles adquirida através do exercício durante não menos de 3 anos de funções como responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do POC, desde que devidamente comprovada.

    Aquele regime excepcional introduzido pela Lei 27/98, cuja execução cabia à ATOC através de órgão criado especialmente para o efeito, teve de ser objecto de um regulamento de execução, elaborado pela ATOC (cfr. fls. 11 e segs.), contendo normas procedimentais, e elencando os documentos com os quais o pedido de inscrição devia ser instruído, tornando, assim, mais segura e uniforme a concretização da prova a fazer pelos interessados quanto ao tempo de exercício de funções de contabilistas e a sua responsabilidade directa por contabilidade por eles organizada.

    Na verdade, o cumprimento do regime excepcional fixado na Lei 27/98, a cargo da ora recorrente, impunha-lhe verificar se cada um dos requerentes preenchia os requisitos legalmente previstos, para o que lhe era indispensável o aludido regulamento, perfeitamente consentido pela citada Lei e cujo âmbito aquele não extravasou.

    Assim, introduzindo a lei o conceito de responsáveis directos por contabilidade organizada, tornou-se necessário melhor precisar o conceito, sem deixar à iniciativa de cada um a forma de o demonstrar, e fixando um meio de prova uniforme, que nem por isso deixava de ser acessível a qualquer interessado na inscrição portador dos requisitos legalmente previstos.

    E a ora recorrida não demonstrou, nem sequer alegou, que lhe foi impossível obter os documentos previstos no regulamento.

    Não tendo a ora recorrida feito a prova em causa, não demonstrou que estivesse nas condições previstas no artº 1 da Lei 27/98, de 3/6, pelo que a ora recorrente só podia indeferir-lhe o requerimento.

    Ao decidir em contrário e, com isso, anulando o acto em causa, a sentença recorrida violou aquele artº 1º bem como o regulamento que visava a sua execução’.

    É esta orientação que aqui se reitera”.

  4. Notificado do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, o ora recorrente formulou pedido de aclaramento da decisão, que foi indeferido por acórdão de 12 de Março de 2003. O recorrente apresentou ainda recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, por oposição de julgados, mas este Tribunal decidiu julgar findo o recurso, por acórdão de 27 de Novembro de 2003, por...

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