Acórdão nº 375/05 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução07 de Julho de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 375/05 Processo n.º 337/05 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

AUTONUM 1.Por acórdão de 20 de Janeiro de 2005, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu negar provimento ao recurso interposto por A. do acórdão do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira que, no âmbito do processo comum colectivo n.º 871/99.1GBVFX, o condenou, entre outros, pela prática, em co-autoria material, de um crime de falsificação, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do Código Penal, e, em autoria material, pela prática de seis crimes de falsificação, previstos e punidos pelo artigo 256.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, do Código Penal, na pena de dezasseis meses de prisão, cada um, e pela prática, em autoria material, de quatro crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelo artigo 218.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de catorze, dez, nove e nove meses, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos de prisão, bem como, no tocante ao pedido cível formulado pelo demandante B., a pagar a este a quantia de € 10.973,55, a título de danos patrimoniais, e a quantia de € 250, a título de danos morais, tudo acrescido de juros de mora desde Dezembro de 2000 até integral pagamento. Pode ler-se neste acórdão:

(...)

II. É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.

As questões levantadas no presente recurso são:

- falta de fundamentação por ausência do exame crítico das provas;

- erro de julgamento quanto à matéria de facto descrita sob os n.ºs 7, 33, 34, 44, 50, 55, 56, 60, 61, 65, 66;

- violação do princípio in dubio pro reo;

- erro na aplicação do direito no tocante à existência de mais que um crime ou crime continuado, concurso entre os crimes de falsificação e de burla e relativamente à medida da pena.

(...)

1. Como primeira questão posta no recurso em apreço, o recorrente invoca, sem expressamente apontar o vício, a nulidade da sentença por ausência de exame crítico das provas.

Nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art.º 374.°, n.ºs 2 e 3, al. b), do CPP.

Por sua vez, o n.º 2 deste último preceito impõe, de entre outras menções obrigatórias de qualquer sentença, que ao relatório (com as indicações constantes do n.º 1 do preceito) seguir-se-á a fundamentação, a qual consiste na “(...) enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” (destaque nosso).

Conforme é jurisprudência corrente, da qual destacamos o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.04.2004, proferido no P.º 4775/2003, in www.dgsi.pt, “A motivação da decisão de facto, seja qual for o conteúdo mais ou menos exigente que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à actividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe reflectir nela exaustivamente todos os factores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção ou resultado probatório”.

Sem embargo, no nosso sistema processual as decisões de facto não assentam puramente no íntimo convencimento do julgador, num mero intuicionismo, antes se exigindo um convencimento racional, devendo, pois, o juiz pesar com justo critério lógico o valor das provas produzidas, o que está em conexão com o também neste aspecto chamado “princípio da publicidade”, definido por Castro Mendes, “Do Conceito de Prova”, pág. 302, como sendo “aquele segundo o qual o processo - e portanto a actividade probatória e demonstrativa - deve ser conduzido de modo a permitir que qualquer pessoa siga o juízo e presumivelmente se convença como o julgador (...)”, o que, no entanto, não exclui a intuição ou conhecimento por outros sentidos, em si insusceptíveis de serem demonstrados exteriormente.

Ademais, diga-se, na motivação a que se vem aludindo, tanto no aspecto da indicação das provas como da sua crítica, avultando neste último aspecto a explicitação da credibilidade dos meios probatórios, trata-se de publicitar por forma suficiente o processo probatório, não podendo esquecer-se, como vem notado por Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, pág. 205, que para a convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais. No dizer impressivo e incontornável do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-5-2003 (Proc. 3108/02 – 3.ª Secção), in www.stj.pt”.

Da transcrição acima feita do teor da sentença, neste particular, é mencionado que o tribunal se socorreu fundamentalmente dos depoimentos prestados pelos arguidos (esclarecendo o que de mais relevante cada um deles entendeu por mencionar), os depoimentos das testemunhas de acusação e dos pedidos cíveis (“as quais tiveram, no essencial, um depoimento isento e credível.” “(...) designadamente, as que venderam os salvados aos arguidos e compraram os veículos já alterados aos arguidos, ou posteriormente a terceiros, confirmaram os elementos essenciais desses negócios (datas, preços), bem como reconheceram os arguidos como sendo as pessoas com quem contrataram. Também os proprietários dos veículos subtraídos confirmaram essas ocorrências complementando com as datas e locais das mesmas, que aliás, estão suportadas nas participações respectivas”), prova documental, (junta aos autos) e pericial (Exames e avaliação das viaturas de fls. 81, 146, 138, 247, 322, 420, 513, 969, 885, 1060, 1281, 1248, 1598 e 869).

Conclui-se que na sentença em recurso foram mencionadas as provas em que o tribunal se baseou com a indicação (muito resumida) da respectiva intervenção e objecto do depoimento.

Mencionou ainda o tribunal colectivo, contrariamente ao alegado pelo arguido/recorrente, qual a razão porque optou por uma ou outra das versões apresentadas e onde encontra âncora para essa opção (vejam-se a menção à não consideração da versão apresentada pelo recorrente quando menciona: “As suas declarações não mereceram acolhimento na parte em que justifica a posse dos veículos furtados, já alterados nos seus elementos, pelas razões que abaixo melhor explanamos.”) e, mais à frente, adiantou as razões da não conformidade dessa versão com os demais elementos existentes nos autos.

Não tem, pois, razão o recorrente neste aspecto, pois a decisão está devidamente fundamentada, com obediência ao falado art.º 374.º, n.º 2, sendo até de louvar a minúcia que o tribunal colocou na fundamentação. Efectivamente, “os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem factos provados nem meios de prova mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (Maia Gonçalves em anotação ao art.º 374.°, n.º 2, do C. P. Penal, C. P. Penal Anotado, 1998, 9.ª Edição).

De resto, é sabido que esse normativo não exige a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão só uma exposição concisa dos motivos de facto (e os motivos de facto não têm o significado que o recorrente pretende atribuir-lhes) e de direito que fundamentam a decisão, com indicação (e só esta) das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não impondo a lei a menção das inferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou dos critérios de valoração das provas e contraprovas. Note-se que o art.º 374.º, n.º 2, praticamente traduzido da al. e) do n.º 1 do art.º 546.º do Código de Processo Penal italiano, é omisso quanto à última parte deste normativo, onde precisamente se manda que o juiz enuncie “as razões pelas quais considera não atendíveis as provas contrárias”, omissão que não pode resultar de distracção do legislador português, mas de vontade inequívoca de excluir esse dispositivo (Ac. do S.T.J., de 9/1/97, in C.J. – Acs. do S.T.J., V, Tomo 1, 172).

Extrai-se do acima mencionado que o tribunal colectivo explicou quais as razões por que optou pela versão dos factos dados como provados e onde se baseou para chegar à prova, pela positiva e pela negativa, da matéria de facto.

Inexiste, deste modo, a apontada nulidade de falta de fundamentação não assistindo qualquer razão ao recorrente nesse tocante.

***

2. No que tange ao invocado erro na apreciação da prova, previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. c), do C. P. Penal, relativamente aos pontos da matéria de facto respeitantes à execução das adulterações com auxilio de terceiros, é óbvio não resultar ele do próprio texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

É que, como se escreveu no Ac. do STJ de 19.12.90, proc. 413271/3.ª Secção: “I - Como resulta expressis verbis do art.º 410.º do C. P. Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV - É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos”.

Ora, a matéria de facto dada como provada e não provada no acórdão recorrido é clara e incontroversa, sendo irrelevante a tese perseguida pelo recorrente, inicialmente, em sede de...

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