Acórdão nº 586/05 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução02 de Novembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 586/2005 Processo n.º 642/05 1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I

  1. No Tribunal Central de Instrução Criminal, foi decretada a prisão preventiva de A., ora recorrente, indiciado pela prática de um crime de associação criminosa e de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punido nos termos das disposições conjugadas do artigo 299º do Código Penal, do artigo 23º, n.º 1, n.º 2, alíneas a), b) e c), n.º 3, alíneas a), e) e f), e n.º 4, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 25 de Janeiro, e dos artigos 89º, 103º, n.º 1, alíneas a), b) e c), 104º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 2, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (despacho de 23 de Dezembro de 2004, conforme certidão a fls. 66 e seguintes dos presentes autos).

    Tendo em vista preparar o recurso do despacho que decretou a prisão preventiva, o arguido requereu cópias das seguintes peças processuais: auto do seu interrogatório perante o Juiz de Instrução; despacho que decretou a sua prisão preventiva, meios de prova (ou súmula dos mesmos que permita apreender o seu sentido e a apresentação da defesa respectiva) em que se funda o despacho que determinou a sua prisão preventiva (requerimento que consta de fls. 71).

    O Procurador da República, no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, pronunciou-se nos seguintes termos (fls. 73):

    “[...]

    Nos termos do artº 89º nº 2 do CPP, não tendo ainda sido deduzida acusação, como é o caso, o arguido só pode ter acesso a essas peças através de fotocópias que ficam avulsas na secretaria.

    Assim, defere-se ao requerido determinando-se que fiquem avulsas na secretaria fotocópias de fls. 1867 a 1870, na parte que se refere ao despacho que determinou a detenção do arguido, 2339 a 2343 e 2346 a 2352.

    [...].”.

    A., considerando que “tais elementos são manifestamente insuficientes para preparar a defesa e o recurso”, apresentou novo requerimento (fls. 75 e seguinte), do seguinte teor:

    “[...]

    1. Foi requerida a V. Ex.a que – em ordem a preparar a sua defesa e o recurso do despacho que decretou a prisão preventiva – lhe fossem facultadas cópias do seu auto de interrogatório, do despacho que decretou a prisão e dos meios de prova [em] que se funda tal despacho;

    2. O Senhor Procurador da República deferiu apenas que lhe fosse permitido o acesso ao auto de interrogatório, ao despacho que ordenou a detenção, à promoção do Ministério Público após aquele interrogatório e ao despacho que decretou a prisão preventiva, através de fotocópias que ficaram avulsas na secretaria e que já foram consultadas pelo signatário;

    3. Tais elementos são manifestamente insuficientes para preparar a defesa e o recurso, faltando designadamente – e tendo por referência o auto de interrogatório e o despacho que decretou a prisão preventiva – o acesso às declarações prestadas por [...], [...] e [...], bem como dos técnicos de contas não identificados referidos no despacho que decretou a prisão preventiva; falta-lhe ainda o acesso ao relatório intercalar 5 que lhe foi parcialmente exibido durante o interrogatório, bem como as listagens de fls. 1160 a 1162 e ainda os comprovativos dos depósitos dos alegados lucros na conta do B., para além dos comprovativos das alegadas vendas fictícias;

    4. Deve ser deferido o acesso do arguido a todos esses elementos, nos termos já consagrados por jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, assim se fazendo a adequada leitura do art. 141º n.º 4 do CPP, em consonância com o disposto no art. 28º nº 1 e 32º n.º 1 da CRP;

    5. Por outro lado, deve ser facultado ao arguido cópia do despacho que decretou a prisão preventiva, bem como o seu antecedente interrogatório e promoção do Ministério Público, já que tais elementos não se podem considerar compreendidos no âmbito do art. 89º nº 2 do CPP;

    6. Assim sendo, requer-se que – com a maior urgência uma vez que está a decorrer o prazo para o recurso – seja deferido o acesso do arguido aos elementos acima referidos na alínea c) e que lhe seja facultada cópia das peças supra referidas na alínea e);

    7. Acresce que não é ao Senhor Procurador da República que cabe deferir ou indeferir o que ora se requer, uma vez que está em causa a obtenção de elementos necessários à preparação do recurso – e da defesa em geral – de um despacho de V. Ex.a, pelo que deve ser o juiz de instrução a decidir acerca desta matéria.

    [...].”.

    O Juiz de Instrução indeferiu o requerido, nos seguintes termos (fls. 78 e 78 v.º):

    “[...]

    Ao contrário do entendimento […] exposto pelo arguido A., entendo que os elementos a que se refere nas alíneas c) e d) têm necessariamente de se considerar compreendidos no elenco dos que não lhe podem ser facultados, segundo a interpretação que fazemos do n.º 2 do artigo 89º do CPP.

    [...].”.

  2. A. interpôs recurso deste despacho, tendo na motivação respectiva apresentado, para o que agora releva, as seguintes conclusões (fls. 1 e seguintes destes autos):

    “[...]

    1. O arguido tem direito a conhecer os elementos de prova (ou uma súmula relevante dos mesmos) em que se funda o despacho que decreta a sua prisão preventiva, os quais devem ser facultados (mesmo que apenas para consulta) ao seu mandatário, a fim de que este possa preparar a sua defesa e interpor os recursos competentes.

    2. Por outro lado, não pode ser posto em causa o direito a que lhe seja facultada cópia do despacho que decreta essa prisão preventiva, bem como do seu auto de interrogatório, sendo intolerável que esses elementos só lhe possam ser facultados para consulta.

    3. É o que decorre da aplicação directa do art. 28º n.º 1 da CRP – o arguido tem o direito de conhecer as razões concretas em que se funda a sua prisão preventiva –, bem como do art. 32º nº 1 da CRP – o processo assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

      É ainda o que decorre de uma adequada leitura do art. 89º n.º 2 do C.P.P., devidamente conjugado com os arts. 61º n.º 1-f) e h) e 141º nº 4 do C.P.P..

    4. Como é manifesto, no caso dos autos, os elementos a que se reporta a alínea c) do requerimento supra referido no nº 4 são indispensáveis para que o arguido conheça e possa contraditar os elementos de prova em que se funda a sua prisão preventiva.

    5. Assim sendo, o despacho recorrido fez uma errónea aplicação do art. 89º n.º 2 do C.P.P., devidamente conjugado com os arts. 61º n.º 1-f) e h) e 141º n.º 4 do C.P.P., lidos à luz das garantias consagradas no art. 28º n.º 1 e 32º n.º 1 da CRP.

    6. A interpretação do art. 89º n.º 2 do C.P.P., devidamente conjugado com os arts. 61º n.º 1-f) e h) e 141º n.º 4 do C.P.P., no sentido de que, sob a invocação genérica do regime de segredo de justiça previsto naquele art. 89º n.º 2 do C.P.P., pode ser negado ao arguido preso preventivamente – para o efeito de este apresentar a sua defesa e preparar o recurso dessa prisão – o acesso a consultar os elementos de prova (ou súmula dos mesmos) em que concretamente se funda tal prisão preventiva, é inconstitucional por violação do art. 28º n.º 1 e 32º n.º 1 da CRP.

      [...].”.

      O Ministério Público, no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, apresentou a resposta de fls. 37 e seguintes, em que concluiu:

      “[...]

      1) O despacho sob censura não violou os preceitos legais invocados pelo recorrente, dos quais fez justa, adequada e criteriosa aplicação;

      2) Dos autos resultam fortes indícios de que o arguido foi autor de factos susceptíveis de integrarem a prática dos crimes de associação criminosa e de fraude fiscal qualificada.

      3) Esses indícios estão suportados em prova documental, testemunhal e nos relatórios elaborados pela Administração fiscal que reconstituem os vários esquemas da fraude carrossel detectada, com o apoio de documentação e informações enviadas pelas autoridades...

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