Acórdão nº 196/04 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução23 de Março de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 196/2004 Processo n.º 130/04 2ª Secção

Relator ? Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório AUTONUM 1.A., melhor identificado nos autos, veio recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal Colectivo de ---------------------, proferido em 3 de Junho de 2003, que o condenara na pena de 3 anos de prisão pela prática em autoria de um crime de lenocínio, continuado, previsto e punido pelo artigo 170º, n.º 1 do Código Penal, pretendendo ver apreciada, entre outras, a questão da constitucionalidade daquele preceito normativo, porquanto:

    (...)

    IV. Ao incriminar o fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição de pessoa livre e autodeterminada, o n.º 1 do artigo 170º CP ofende o princípio da fragmentariedade ou subsidiariedade do direito penal, consagrado no n.º 2 do artigo 18º da CRP (e vazado para o n.º 1 do artigo 40º do CP), os direitos à livre expressão da sexualidade, à vida privada, à identidade pessoal e à liberdade, consagrados nos artigos 26º, n.º 1, e 27º, n.º 1, da CRP, e ainda o direito ao trabalho, defendido pelos artigos 47º e 58º da CRP;

    V. Direitos estes últimos que nada impede sejam exercidos, na prática, com o auxílio e participação de terceiros.

    VI. Aquela disposição normativa está ferida, por conseguinte, de inconstitucionalidade material,

    VII. que apenas poderá colmatar-se através duma interpretação restritiva do preceito que repristine a exigência de que os actos descritivos no tipo legal só constituem crime quando referidos a pessoa ?em situação de abandono ou de extrema necessidade económica.?

    Por acórdão datado de 15 de Janeiro de 2004, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu indeferir a pretensão ora em apreço, considerando que:

    (...)

    Do nosso ponto de vista, o conteúdo material do que seja crime deve decorrer do quadro axiológico-jurídico constitucionalmente consagrado.

    Dito de outra forma, só pode ser crime o comportamento que viola ou ameaça violar o quadro de valores constitucionalmente consagrados.

    Em consequência, a definição do crime em sede de direito ordinário deve reportar-se àquele quadro de valores constitucionais, sob pena de inconstitucionalidade material.

    Como refere Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, edição de 2001, 56 e 57, ?se (...) a função do direito penal de tutela subsidiária de bens jurídico-penais se revela juridico-constitucionalmente credenciada em qualquer autêntico regime democrático e pluralista, então tal deve ter como consequência inafastável a de que toda a norma incriminatória na base da qual não seja susceptível de se divisar um bem jurídico-penal claramente definido é nula, por materialmente inconstitucional, e como tal deve ser declarada pelos tribunais constitucionais ou pelos tribunais ordinários aos quais compita aferir da constitucionalidade?.

    Claro que o assim definido conceito material de crime encontra-se ainda limitado pela respectiva estrita necessidade: só deve ser qualificado crime o comportamento cuja reacção comunitariamente adequada não pode deixar de se expressar através de uma sanção penal.

    ?A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos? ? artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

    É o chamado princípio da necessidade ou da carência de tutela penal ou da proporcionalidade em sentido amplo.

    ?Uma vez que o direito penal utiliza como arsenal das suas sanções específicas, os meios mais onerosos para os direitos e as liberdades das pessoas, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios da política social, em particular da política jurídica, se revelem insuficientes e inadequados. Quando assim não aconteça aquela intervenção pode e deve ser acusada de contrariedade ao princípio da proporcionalidade, sob a precisa forma de violação do princípio da proibição de excesso? ? Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, edição de 2001, 58.

    Nesta matéria tem vindo a entender a jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional que ?cabe ao legislador uma ampla margem de discricionariedade legislativa na delimitação das condutas que devem ser criminalizadas ou descriminalizadas, bem como na cominação das respectivas penas?.

    ?Tal margem de liberdade não prejudica, naturalmente, a consideração de limites impostos pelos princípios constitucionais, de entre os quais se salientam os que resultam do princípio da culpa, inerente à dignidade da pessoa, do princípio da necessidade ou da máxima restrição das penas, decorrente do regime das restrições aos direitos, liberdades e garantias, em que as penas criminais se traduzem (...) ou ainda do princípio da igualdade?.

    ?Onde quer que se procure situar materialmente a aplicação do princípio da proporcionalidade à definição dos crimes e das penas (...), é certo que as normas penais não são imunes a um juízo constitucional de proporcionalidade (...)?.

    ?(...) A criminalização de condutas deve restringir-se aos comportamentos que violem bens jurídicos essenciais à vida em comunidade, devendo a liberdade de conformação do legislador ser limitada sempre que a punição criminal se apresente como manifestamente excessiva ou o legislador actue de forma voluntarista ou arbitrária, ou ainda as sanções se mostrem desproporcionadas ou desadequadas, isto é, não...

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