Acórdão nº 303/04 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução05 de Maio de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 303/04 Proc. n.º 922/03 1ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

I

  1. A., identificado nos autos, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora do acórdão do Tribunal Colectivo de Elvas, proferido em 12 de Março de 2003 (acórdão constante de fls. 160 a 343 destes autos), que o condenou na pena de 4 anos de prisão pela prática de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 170º, n.º 1, do Código Penal.

    Nas alegações que então apresentou, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade artigo 170º, n.º 1, do Código Penal, tendo, quanto a essa questão, concluído assim (fls. 358 e seguintes):

    “[...]

    1. O bem jurídico tutelado pelo artº 170º, n.º 1, não é a autodeterminação sexual.

    2. O Estado não tem legitimidade para criar bens jurídicos transpersonalistas, de carácter místico, recorrente a um direito penal de fachada para reprimir a organização e exploração comercial de condutas sexuais que se integram no chamado fenómeno da prostituição.

    3. O Estado democrático de direito distingue-se dos restantes precisamente por ser alheio a uma qualquer moral nacional ou de Estado ético.

      Antes sim,

    4. Visa a tutela e o respeito das diversas morais.

    5. A interpretação jurídica da norma inscrita no art° 170º, n° 1, não pode assentar num «texto legal» isolado do sistema jurídico, da base axiológica do Estado, em suma, da realização do direito.

    6. Com esta incriminação o bem protegido não é, como devia, a liberdade de expressão sexual da pessoa, mas persiste aqui uma certa ideia de «defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade», que não é encarada hoje como função do direito penal.

    7. Parece irrefutável no nível axiológico do Estado democrático de direito que esse crime está descriminalizado.

    8. Mais entende que a sua sustentação assenta em interpretação materialmente inconstitucional por colidir com o art° 1º da Constituição da República Portuguesa.

      [...].”

  2. Por acórdão de 18 de Novembro de 2003 (fls. 6 a 158), o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso.

    A propósito da questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente, decidiu-se no acórdão:

    “[...]

    É, na verdade, discutível que o bem jurídico protegido nesta norma seja, pelo menos de modo imediato, a liberdade de determinação sexual (a própria Prof.ª Anabela Miranda Rodrigues, citada pelo recorrente, tem a este propósito uma posição algo dúbia: começando por dizer, «Comentário Conimbricense do Código Penal», I, 519, que «com esta incriminação o bem protegido não é, como devia, a liberdade de expressão sexual da pessoal mas persiste aqui uma certa ideia de ‘defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade’, que não é encarada hoje como função do direito penal [...]», acaba por afirmar [op. cit., 531]: «o crime só pode ser entendido como um crime de resultado, pretendendo proteger-se – como se pretende, apesar de tudo – o bem jurídico liberdade e autodeterminação sexual da pessoa).

    O STJ no seu Ac. de 7/11/90, BMJ 401°, 205, entendeu que «através do crime de lenocínio não é a prostituta que a lei quer proteger mas o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto» (no mesmo sentido já havia decidido a Relação de Coimbra, no seu Ac. de 12/6/85, CJ ano X, 3°, 118; o mesmo Tribunal agora no Ac. de 18/6/91 CJ ano XVI, 3°, 189, entendeu que «o interesse jurídico protegido pelos artºs 215° e 216° do Código Penal [de 1982, versão original] não é de natureza eminentemente pessoal, mas social, no sentido da protecção dos valores ético-sociais da sexualidade, na comunidade»; contudo, no sentido de que o bem jurídico aqui tutelado é o da liberdade individual, no aspecto sexual, cfr. Ac. STJ de 26/2/86, BMJ 354°, 350).

    Também o Tribunal da Relação do Porto, no seu Ac. de 29/05/2002, www.dgsi.pt, entendeu que «na...

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