Acórdão nº 336/04 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução14 de Maio de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 336/04 Proc. n.º 961/03 3ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório.

  1. Por decisão do Tribunal de Trabalho do Barreiro, de 14 de Janeiro de 2003, foi julgada improcedente a acção declarativa de condenação que A. (ora recorrente), intentou contra o B. (ora recorrido), no âmbito da qual pedia a condenação do Réu a pagar-lhe determinada quantia, a liquidar em execução de sentença, relativa a uma diferença de subsídio de isenção de horário, calculada sobre o valor de despesas do “Cartão C., de combustível e de telefone”.

  2. Inconformado com esta decisão o Autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo alegado, nomeadamente, o seguinte:

    “[...] Porém, a Meritíssima Juiz a quo não teve dúvidas em concluir que o Acordo celebrado pelas partes e a declaração do Apelante, nele constante, constituem uma remissão nos termos e para os efeitos previstos no art. 863°, n° l, do Código Civil.

    Salvo o muito respeito por este entendimento, a douta decisão recorrida não teve em consideração que os créditos peticionados pelo Apelante (remunerações salariais) não podem ter o mesmo tratamento de qualquer outra obrigação. No domínio do Direito Laboral e, mais precisamente no que tange à obrigação de pagar o salário a um trabalhador, é imperioso ter em consideração princípios de Ordem Pública e Social que justificam o afastamento dos princípios gerais das Obrigações, designadamente do disposto no art. 863°, do Código Civil.

    De resto, mesmo no âmbito das Obrigações em Geral, seria violento e inadmissível que o credor ficasse vinculado aos efeitos de um contrato de uma remissão de uma dívida concreta (neste caso: uma dada remuneração), quando a sua declaração foi prestada em abstracto (ou melhor: foi prestada "às cegas"), sem sequer ter em mente qual era a dívida que estava a ser objecto de remissão!

    Como ensinaram Jorge Leite e Jorge Coutinho de Almeida, in "Colectânea de Leis do Trabalho", a pág. 96, em anotações ao art. 94°. da LCT

    "As declarações do Trabalhador reduzidas ou não a escrito, feitas, em geral, por ocasião da extinção do contrato de trabalho, de que “nada mais tem a exigir da entidade patronal", "se considera pago de tudo quanto lhe era devido", "recebeu todas as importâncias que lhe eram devidas" ou outros equivalentes, não têm o valor de recibo de quitação. E não o têm, desde logo, em atenção à natureza dos direitos em causa.

    Na verdade, o direito à retribuição é irrenunciável e é indisponível ou, pelo menos, parcialmente indisponível.

    Parece não poder qualificar-se de modo diferente o crédito que é constitucionalmente garantido (art. 60º., n°.1 da CRP ...").

    Por isso, a declaração feita no Acordo celebrado entre o Apelante e a Apelada, através da qual aquele se declarou integralmente pago de todos e quaisquer créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, não pode deixar de ser considerada nula.

    Acresce que, dentro do raciocínio que acaba de desenvolver-se, deverá concluir-se que o entendimento sufragado na douta sentença em apreço constitui uma clara violação do direito ao salário que tem consagração no art. 59°, n.º l, alínea a) da Constituição da República Portuguesa.

    Com efeito, a aplicação do disposto no art. 863°. do Código Civil a créditos resultantes de um contrato de trabalho envolve uma violação a direitos fundamentais (art. 17°. da CRP).

    Nesta conformidade e sempre com o máximo respeito por diferente opinião, força é que se conclua que, contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida a invocada excepção peremptória de remissão deve ter-se por improcedente com as legais consequências. [...]”.

  3. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 12 de Novembro de 2003, negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida. Escudou-se para tanto, designadamente, na seguinte fundamentação:

    “[...] Uma primeira questão resultante das conclusões da alegação da Recorrente consiste em saber se “a declaração de quitação geral prestada por um Trabalhador no acto da cessação do seu contrato de trabalho, determinada por uma situação de reforma por invalidez, no sentido de que está integralmente pago de todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, deve ser considerada nula”.

    Ora, como vimos, vem provado que:

    12- Em 9 de Maio de 2001, autor e réu celebraram entre si o acordo escrito que faz fls. 6 a 9 dos autos;

    13- E convencionaram na cláusula 4°, n.º 1 que o contrato de trabalho vigente entre as partes caducava com a reforma do autor;

    14- Igualmente acordaram que na data da cessação do contrato de trabalho e a título de compensação pecuniária de natureza global o autor receberia do réu a quantia de € 33.419 ,46, líquida de impostos e quaisquer taxas (cláusula 4°, n.º 2);

    15- E o autor declarou-se integralmente pago de todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, dando quitação total e plena quanto a tais créditos (cláusula 4°, n.º3);

    16- O réu pagou ao autor e este recebeu o valor daquela compensação;

    17- Aquando da celebração do referido acordo, bem como da data da cessação do contrato de trabalho, o autor não exigiu ao réu os créditos reclamados na presente acção.

    5- Em 1 de Junho de 2001, o autor reformou-se por invalidez, situação que foi reconhecida pelo réu;

    Assim, verifica-se que o contrato de trabalho mantido pelo demandante e pela demandada cessou em 1 de Junho de 2001, por o primeiro se ter reformado.

    A forma de cessação do contrato de trabalho foi, pois, a sua caducidade por reforma do trabalhador [art.ºs 3°, n.º 2, alínea a), e 4°, alínea c), da LCCT (D.L. n. 64-A/89, de 27/2)].

    Não se tratou, pois, duma revogação do contrato por mútuo acordo a requerer um documento assinado por ambas as partes, em duplicado, conforme exigência expressa no n.º 1 do artigo 8° da referida LCCT.

    Foi já quando as partes sabiam que o Autor se iria reformar em 1 de Junho de 2001 como efectivamente veio a suceder - que Autor e Ré acordaram que na data da cessação do contrato de trabalho e a título de compensação pecuniária de natureza global o Autor receberia do réu a quantia de...

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