Acórdão nº 481/04 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução07 de Julho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 481/2004 Processo n.º 502/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.

1. Relatório

A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da decisão sumária do relator, de 17 de Maio de 2004, que decidira, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não julgar inconstitucional, na sequência dos Acórdãos n.ºs 497/97 e 237/2000, a norma do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, e, consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.

1.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:

“1. A. interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), recurso do acórdão da 2.ª Secção (Contencioso Tributário) do Tribunal Central Administrativo, de 18 de Novembro de 2003, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro), que dispõe: «3 – Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: (...) h) As gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal; (...)».

Segundo o recorrente (empregado de banca no casino de ------------, que auferiu, no ano de 2000, de «gratificações esportuladas pelos frequentadores da sala de jogo, como é prática corrente», o montante global de 3 733 200$00, sobre o qual foi liquidado imposto no valor de 559 980$00), tal norma viola «a extensão da lei de autorização, excedidos que foram os limites impostos no artigo 4.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro, à luz da interpretação do artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, por violação dos artigos 115.º, n.º 2 (hoje, artigo 112.º, n.º 2), e 168.º, n.º 2 (hoje, artigo 165.º, n.º 2), da Constituição da República Portuguesa; o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e o princípio da justiça do sistema ou justiça sistemática da legislação consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa».

2. Como o próprio recorrente reconhece, a questão da conformidade constitucional da norma impugnada já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 497/97 (Diário da República, II Série, n.º 235, de 10 de Outubro de 1997, pág. 12 485; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 37.º volume, pág. 73), que concluiu pela sua não inconstitucionalidade, quer orgânica, quer material, por não desrespeitar a extensão e o sentido da autorização legislativa ao abrigo da qual foi emitida e por não afrontar o princípio do Estado de direito democrático e o princípio tributário da igualdade. Essa orientação foi reiterada no Acórdão n.º 237/2000.

Tratando-se de questão já anteriormente decidida pelo Tribunal Constitucional, a mesma é de qualificar como «simples», o que possibilita a prolação de decisão sumária, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, sendo certo que não vêm invocados pelo recorrente argumentos suficientes para determinar a reponderação da anterior orientação, fixada em plenário do Tribunal Constitucional. Na verdade, o único argumento «novo», estribado na Lei Geral Tributária, surge como claramente improcedente: nunca uma pretensa alteração do direito ordinário seria idónea a gerar inconstitucionalidades supervenientes, como parece ser sustentado pelo recorrente.

  1. Em face do exposto, decide-se, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC:

    a) Não julgar inconstitucional, na sequência dos Acórdãos n.ºs 497/97 e 237/2000, a norma do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro; e, consequentemente,

    b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.”

    1.2. A reclamação deduzida desenvolve a seguinte argumentação:

    “1 – O recorrente, efectivamente, pretende ver apreciada a constitucionalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 3, alínea h), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, por considerar que a mesma viola a extensão da lei de autorização, excedidos que foram os limites impostos no artigo 4.º, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 106/88, de 17 de Setembro, à luz da interpretação do artigo 11.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, por violação dos artigos 115.º, n.º 2 (hoje, artigo 112.º, n.º 2), e 168.°, n.º 2 (hoje, artigo 165.°, n.º 2), da Constituição da República Portuguesa; o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa e o princípio da justiça do sistema ou justiça sistemática da legislação consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

    2 – Salvo o devido respeito, entende-se não dever qualificar-se a questão em apreço como simples, não obstante a anterior apreciação constitucional.

    3 – A anterior apreciação da constitucionalidade da norma, no que tange à eventual violação da extensão da lei de autorização, estribou-se na interpretação (consentida) de que as gorjetas podem ser consideradas rendimentos do trabalho, por o conceito de rendimento do trabalho, para efeitos fiscais, poder ser mais amplo que para quaisquer outros.

    4 – Ou seja, a opção, nessa matéria, pela não inconstitucionalidade da norma tinha subjacente um sentido preciso dado à interpretação de um conceito, concretamente, o conceito de rendimento do trabalho. A norma não era inconstitucional na exacta medida em que era possível preencher tal conceito segundo determinado sentido.

    5 – O que dizer se tal interpretação não for, hoje, consentida!

    6 – Não se trata de uma alteração, muito menos pretensa, do direito ordinário geradora de uma inconstitucionalidade superveniente! Do que se trata é de saber se se mantém válida a apreciação da não inconstitucionalidade de uma norma estribada numa argumentação toda ela assente numa interpretação dada a um conceito hoje não consentida.

    7 – Não é, seguramente, simples tal matéria!

    8 – Por sua vez, a anterior apreciação da constitucionalidade da norma, em sede de fiscalização abstracta, e decidida por voto de qualidade, não apreciou um argumento ora aduzido, consubstanciado na violação do princípio da justiça do sistema ou justiça sistemática da legislação, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

    9 – A consideração das gorjetas, pela norma em apreço, por ficção, para efeitos tributários e a concomitante não consideração (não ficção) para os efeitos que os rendimentos do trabalho propiciam noutras sedes: fontes de cálculo para a reforma, indemnização por despedimento, etc., diferentemente do que ocorre com os demais trabalhadores – justificam a apreciação em concreto da norma impugnada.

    10 – Na nossa modesta opinião, está-se perante matéria nova, questão anteriormente não decidida, que carece de aprofundada ponderação e análise.

    11 – Mesmo a apreciação em concreto da eventual violação do princípio da igualdade não é despicienda face à anterior apreciação constitucional, atentas as vertentes da aplicabilidade prática e dos resultados a que tende a norma em questão.

    12 – Entende-se, assim, não se acharem preenchidos os pressupostos necessários à prolação de uma decisão sumária, como a doutamente proferida.”

    A entidade recorrida (Fazenda Pública), notificada desta reclamação, nada disse.

    Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.

    2. Fundamentação

    A reclamação do recorrente assenta em dois fundamentos: primeiro, o de que as anteriores decisões do Tribunal Constitucional tinham-se estribado numa interpretação da lei ordinária que então era consentida, mas que entretanto se tornou insustentável; e, em segundo lugar, que tais decisões não haviam apreciado um argumento agora inovatoriamente esgrimido: a violação do “princípio da justiça do sistema ou justiça sistemática da legislação, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa”.

    Para apreciação da pertinência destas críticas, interessará começar por recordar a fundamentação expendida, a propósito da norma em causa, no Acórdão n.º 497/97 (infra, 2.1), para depois reproduzir os termos em que o recorrente colocou a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido (infra, 2.2) e o modo como este lhe respondeu (infra, 2.3), para, por fim, apreciar a procedência desta reclamação (infra, 2.4).

    2.1. O Acórdão n.º 497/97 alicerçou a sua decisão de não declarar a inconstitucionalidade da norma da alínea h) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS na seguinte argumentação:

    “2 – A norma da alínea h) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS.

    2.1. – O Provedor de Justiça entende, como se consignou no ponto III, que esta norma, respeitante à matéria colectável dos rendimentos da categoria A, ao considerar rendimentos do trabalho dependente as gratificações auferidas pela prestação ou em razão da prestação do trabalho, quando não atribuídas pela respectiva entidade patronal, terá:

    a) ultrapassado os limites da lei de autorização legislativa – a Lei n.º 106/88 –, desse modo violando o n.º 2 do artigo 168.º da CRP;

    b) ofendido, do mesmo passo, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, na medida em que a tributação dos rendimentos de semelhantes liberalidades «escapa a qualquer tipo de controle e de consequente incidência fiscal», apenas atingindo, «na prática», as gorjetas recebidas pelos empregados de banca dos casinos, tendo em conta o sistema vigente que as...

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