Acórdão nº 621/04 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução20 de Outubro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 621/04 Processo n.º 747/00 3.ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão

Acordam, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

  1. No âmbito de um processo disciplinar autuado em 1992, o Conselho Permanente do Conselho Superior da Magistratura aplicou ao ora recorrente, A., em 12 de Maio de 1994, a pena de demissão. Esta pena foi confirmada, por acórdão de 17 de Janeiro de 1995, pelo Plenário daquele Conselho.

  2. Inconformado, veio o ora recorrente, através do seu mandatário, interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em que concluía que a deliberação que aplicou a pena de demissão deveria ser revogada ou, subsidiariamente, que a pena de demissão deveria ser substituída pela de exoneração. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 5 de Dezembro de 1995, decidiu negar provimento ao recurso, “no que toca ao pedido principal que aplicou ao recorrente a pena de demissão, mas concede[r] provimento ao mesmo, quanto ao pedido subsidiário, e, em consequência, substitui[r] a pena de demissão pela pena de exoneração”. Na parte ora relevante, escudou-se aquele Tribunal na seguinte fundamentação:

    “[...] F) Inconstitucionalidade do artigo 95º n.º 1 da Lei 21/85

    O recorrente invocou a inconstitucionalidade deste preceito legal “ao não densificar minimamente os conceitos de incapacidade de adaptação às exigências da função ou inaptidão profissional”, na medida em que atribui ao C.S.M., órgão da Administração um poder discricionário ou de interpretação desses conceitos indeterminados, o qual não é compatível com o sentido dos artigos 18º n.º 1 (força jurídica dos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos fundamentais), 53º (segurança do emprego) e 114º (separação e interdependência de poderes) da Constituição da República Portuguesa.

    Quanto a isto, em primeiro lugar, importa dizer que o direito à segurança do emprego não é um direito absoluto, porquanto só são proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos e acontece que existe justa causa de despedimento quando se verificam os pressupostos a que este artigo 95º faz corresponder a pena de demissão.

    Por outro lado, a Administração Pública, ao precisar o sentido e o alcance dos conceitos vagos indeterminados, através da interpretação dos textos legais em que eles se inserem, não actua no exercício de um poder discricionário mas sim no exercício de um poder vinculado e isto porque a Administração não pode escolher, de entre várias, a interpretação que entender, mas apenas a interpretação legalmente correcta (Dr. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, Vol. II, 129, 132, 133, 134 e 165).

    Tanto basta para, sem ponta de dúvida, afastar a apontada inconstitucionalidade.

    G) Impossibilidade de subsunção ao artigo 95º n.º 1 als. a) e c) da Lei 21/85.

    Segundo o recorrente, seria impossível subsumir ao preceito referido a conduta dele, porque esse preceito não contém elementos densificadores dos conceitos de “incapacidade de adaptação às exigências da função” ou de “inaptidão profissional e, assim, a subsunção seria uma operação arbitrária e não controlada por parâmetros jurídicos objectivos e violaria o princípio da proporcionalidade”.

    Já dissemos que a Administração Pública, ao interpretar o alcance dos conceitos vagos e indeterminados inseridos nas leis, actua no exercício de um poder vinculado, não pratica, portanto, uma operação arbitrária e não controlada objectivamente, e tanto assim é que essa actividade da Administração está sujeita ao controlo dos tribunais através do recurso contencioso.

    A inserção nas leis de conceitos indeterminados é a consequência inelutável da impossibilidade de prever todas as hipóteses geradas na vida social e sem dúvida que pode redundar em quebra da objectividade e da uniformidade das decisões. Mas cabe à jurisprudência fazer a adaptação desses conceitos indeterminados às circunstâncias concretas da vida, numa actuação valorativa, embora sempre “dentro dos limites da necessária objectividade decorrente da obediência do juiz à lei “. (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, ed. de 1973, 67 e ss.).

    E o que vale para o juiz vale para a Administração Pública, porque esta, como já se disse, ao interpretar os conceitos indeterminados, não age no exercício de um poder discricionário mas no exercício de um poder vinculado e por isso a sua interpretação tem de ser conforme à lei. E não foi violado o princípio da proporcionalidade”.[...]

  3. Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, através de um requerimento que tem o seguinte teor:

    “[...], notificado [...] da aclaração ao Acórdão de fls. 256 a 289 do processo à margem identificado vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70º, n.º 1, alínea b) e 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com fundamento em inconstitucionalidade:

    - do Acórdão, na parte em que viola o princípio do non bis in idem consagrado no n.º 1 do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro e no n.º 5 do artigo 29º da Constituição (vício invocado na petição do recurso contencioso);

    - da norma do n.º 1 do artigo 95º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho), por incompatibilidade com o sentido dos artigos 18º, n.º 1, 53º e 114º, n.º 1, da Constituição (vício invocado na petição de recurso contencioso);

    - da norma do n.º 1 do artigo 168º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, por violação do n.º 3 do artigo 214º da Constituição;

    - da reforma do acto administrativo, feita a fls. ... do acórdão recorrido, aplicando implicitamente os artigos 120º, 137º e 142º do Código de Procedimento Administrativo, em violação ao artigo 114º da Constituição”.

  4. Após várias vicissitudes processuais, que se descrevem detalhadamente no Acórdão n.º 471/2004 (fls. 992 a 1009), proferiu o Relator do processo no Tribunal Constitucional, em 15 de Setembro de 2003, o seguinte despacho:

    “[...] Como se refere no requerimento de fls. 350, apresentado pelo Recorrente, o recurso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Dezembro de 1995, interposto para este Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, tem como fundamento a inconstitucionalidade:

    “- do Acórdão, na parte em que viola o princípio do non bis in idem consagrado no n.º 1 do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro e no n.º 5 do artigo 29º da Constituição (vício invocado na petição do recurso contencioso);

    - da norma do n.º 1 do artigo 95º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho), por incompatibilidade com o sentido dos artigos 18º, n.º 1, 53º e 114º, n.º 1, da Constituição (vício invocado na petição de recurso contencioso);

    - da norma do n.º 1 do artigo 168º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, por violação do n.º 3 do artigo 214º da Constituição;

    - da reforma do acto administrativo, feita a fls. ... do acórdão recorrido, aplicando implicitamente os artigos 120º, 137º e 142º do Código de Procedimento Administrativo, em violação ao artigo 114º da Constituição”.

    Assim, por um lado, invoca-se e pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade do Acórdão recorrido, “na parte em que viola o princípio do non bis in idem”, bem como da reforma do acto administrativo, alegadamente “feita a fls. ... do acórdão recorrido”. Acontece, porém, que é jurisprudência pacífica, uniforme e constante deste Tribunal Constitucional - repetidamente explicitada em múltiplas decisões (cfr. por exemplo, para referir apenas alguns mais recentes, os Acórdãos, 55/2003, 143/03 e 223/03, todos disponíveis na página Internet deste Tribunal Constitucional, no endereço www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm) - que o recurso de constitucionalidade não pode ter por objecto uma eventual inconstitucionalidade da decisão judicial – entendida enquanto acto de...

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