Acórdão nº 210/03 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução28 de Abril de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 210/03 Proc. n.º 586/01 3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

  1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra foi o ora recorrente, A., condenado:

    1. pela prática de um crime de homicídio negligente, previsto e punido no artigo 137º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão;

    2. na contra-ordenação prevista pelos artigos 87º, n.º 1 e 2 do Código da Estrada, com referência ao art. 148º al. m) do mesmo diploma legal, na coima de 95.000$00;

    3. na sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir por um período de 14 meses.

    Decidiu ainda o Tribunal, nos termos do artigo 1º, n.º 1 e 4º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, perdoar ?um ano de prisão e um ano no período de inibição acessória da faculdade de conduzir, sob condição resolutiva de o arguido não praticar infracção dolosa nos três anos subsequentes à data da entrada em vigor desta lei da amnistia?.

  2. Inconformados com esta decisão dela recorreram o Ministério Público e o arguido.

    O Ministério Público, na sua alegação, sustentou, designadamente, que:

    ?1. O acórdão recorrido, ao perdoar um ano de prisão e um ano no período de inibição acessória da faculdade de conduzir, aplicadas ao arguido, viola o disposto no art. 2º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 29/99 de 12 de Maio.

  3. Uma vez que foi dado como provado, no mesmo acórdão, que no momento do acidente, que teve consequências mortais, aquele conduzia com uma taxa de alcoolémia superior a 0,5 gr/litro;

  4. E aquela disposição legal dispõe que não beneficiam do perdão e da amnistia concedida «os infractores ao C. Estrada (...) quando tenham praticado a infracção sob a influência do álcool (...), independentemente da pena;

  5. Sendo certo que já na Lei n.º 15/94, de 11 de Maio, constava semelhante exclusão, como veio a ser confirmada pelo Acórdão n.º 4/97 desse mesmo Tribunal (...) que fixou, com carácter obrigatório, a jurisprudência seguinte «A alínea c) do n.º 2 do art. 9º da Lei n.º 15/94, de 11 de Maio, exclui da amnistia e perdão concedidos na mesma lei os crimes cometidos por negligência através da condução sob o efeito do álcool ou com abandono de sinistrado, independentemente da pena».

    [...]?.

    Por sua vez, a concluir a extensa motivação do recurso que também interpôs (fls. 294 a 353), sustentou o recorrido, designadamente, o seguinte:

    ?[...]

    Em suma, o acórdão recorrido ao não suspender a execução da pena aplicada, baseando-se para tal em critérios relativos à culpa, não fundamentando que as exigência de prevenção geral só se alcançariam com a execução da pena de prisão e ao não atender às razões de prevenção especial, na interpretação e aplicação em concreto que fez das normas dos art.s 50º e 71º do Código Penal, violou os princípios da necessidade, proporcionalidade e subsidiaridade e, consequentemente, as disposições da Lei Constitucional em matéria de direitos e deveres fundamentais, art. 18º, n.º 2 da Constituição, para além de ter ainda violado as normas dos art.s 1º, 13º, 25º, n.º 1, na medida em que foi violada a dignidade da pessoa humana (do recorrente) decorrente do princípio da culpa.

    31ª - O acórdão recorrido ao julgar como julgou violou as disposições dos art.s 71º, 50º e 137º do Código Penal; o significado normativo dos art.s 50º e 71º, tal como foi determinado e aplicado pelo acórdão recorrido, ofende materialmente o direito da pessoa à sua dignidade, bem como o princípio da culpa, presente nas disposições constitucionais dos artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1.

    [...]?.

    Emitiu depois parecer o representante do Ministério Público (fls. 378 a 380), onde defende a procedência do recurso do Ministério Público e o parcial provimento do interposto pelo arguido, no que toca à prescrição do procedimento das contra-ordenações.

    Respondeu depois o arguido (fls. 382), tendo concluído:

    ?Não pode julgar-se que a infracção cometida pelo arguido o tenha sido sob a influência do álcool por tais factos não terem sido levados à acusação; por tal a Lei da Amnistia n.º 29/99 de 12 de Maio, nomeadamente o perdão previsto no art. 2º, n.º 1, al. a) é aplicável ao caso em apreço; a ser outro o entendimento deste Tribunal, o que não se espera, violar-se-á a norma contida no art. 32º da Constituição da República Portuguesa?.

  6. O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 28 de Março de 2001, decidiu, designadamente:

    ?[...]

  7. Declarar extinto por prescrição o procedimento contra-ordenacional quanto às contra-ordenações de que o arguido vinha acusado e, em consequência, revogar o acórdão recorrido na parte em que o condena na coima de 95.000$00 e na sanção acessória de 4 meses de inibição da faculdade de conduzir (contra-ordenação p. e p. pelo art. 87º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Estrada).

  8. Revogar o mesmo acórdão na parte em que declarou perdoados um ano na pena de prisão e um ano na sanção acessória.

  9. Assim, fica o arguido/recorrente condenado por um crime de homicídio por negligência na pena de 2 (dois) anos de prisão; e ainda, nos termos do al. a) do n.º 1 do art. 69º do Cód. Penal, na sanção acessória de inibição da faculdade de conduzir pelo período de 14 (catorze) meses?.

  10. Novamente inconformado o arguido veio de novo aos autos, desta vez para arguir ?nulidades e irregularidades? daquela decisão, designadamente por o Tribunal não se ter pronunciado sobre as alegadas inconstitucionalidades suscitadas durante o processo. Aproveitou ainda o arguido este momento processual para suscitar uma nova questão de constitucionalidade. Reportando-se à alínea a) do n.º 1 do art. 2º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, refere:

    ?[...] Com efeito, a norma em causa só exclui a amnistia e o perdão em relação aos transgressores do Código da Estrada, seus regulamentos, legislação complementar e rodoviária, e não aos infractores ao Código Penal. [...] A lei da amnistia é excepcional, e como tal tem de ser aplicada tal como consta do seu articulado, não sendo permitida a interpretação extensiva, sob pena de violação da norma do art. 161-f) da Constituição, violação essa que foi praticada pelo acórdão recorrido e que se invoca. [...]?

  11. As arguidas nulidades e irregularidades foram, porém, desatendidas pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de Junho de 2001.

  12. É nesta sequência que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende o recorrente, nos termos do respectivo requerimento, ver apreciada ?a inconstitucionalidade e a ilegalidade das seguintes normas:

    1. da aplicação extensiva da norma da alínea a) do n.º 1 do art. 2º da Lei da Amnistia n.º 29/99, de 12 de Maio, por violação do art. 161º-f) da CRP;

    2. dos artigos 50º e 71º do Código Penal, na interpretação e aplicação em concreto que o acórdão recorrido fez das citadas normas;

    3. da alínea a) do n.º 1 do art. 2º da Lei da Amnistia n.º 29/99, de 12 de Maio, na interpretação e aplicação em concreto que o acórdão recorrido fez da citada norma, por violação do artigo 32º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa?.

  13. Já no Tribunal Constitucional foi o recorrente notificado, nos termos do art. 75º-A da LTC, ?para identificar a interpretação ou dimensão normativa ou a norma que extrai dos artigos 50º e 71º do Código Penal e cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada?.

  14. Em resposta a esta solicitação apresentou o recorrente o requerimento de fls. 440 e 441, que concluiu da seguinte forma:

    ?Pretende o recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a interpretação e a aplicação que em concreto o acórdão recorrido fez das normas dos artigos 50º e 71º do Código Penal ao ter este acórdão decidido que a pena de prisão aplicada ao recorrente não pode ser suspensa nem sequer substituída por multa porque, no caso de homicídio involuntário praticado no exercício da condução, com culpa grave e exclusiva do agente e sem concorrência de um circunstancialismo fortemente redutor da culpa, a pena de prisão não deve ser suspensa nem sequer substituída por multa;

    Porquanto, nos termos do art. 71º do C.Penal e no que respeita à determinação da medida da pena deve ela ser determinada de acordo com os critérios da culpa e da...

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