Acórdão nº 446/03 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução08 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão n.º 446/03 Processo n.º 454/03

  1. Secção

Relator: Cons. Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

  1. Relatório

    1.1. A. deduziu, nos termos do n.° 4 do artigo 76.° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro (doravante designada por LTC), reclamação para o Tribunal Constitucional do despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Abril de 2003, que não admitira recurso por ele interposto para este Tribunal Constitucional.

    O reclamante interpusera recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que confirmara a sua condenação, no Tribunal Judicial de Vila Verde, na pena única de 5 anos de prisão e 180 dias de multa, à taxa diária de 5000$00, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas pela prática de dois crimes de peculato, de um crime de peculato de uso, de um crime de abuso de poderes e de um crime de falsificação de documento, previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 20.º, n.º 1, 21.º, n.º 1, e 26.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, e pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, com o remanescente da pena objecto de perdão (um ano, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio) aplicada ao crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.ºs 1, alínea b), 3 e 4, do Código Penal.

    Por acórdão de 6 de Fevereiro de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso, com a seguinte fundamentação:

    ?2. Nos termos do n.º 1 do artigo 411.º do CPP, aplicável a todos os recursos ordinários, o prazo para a interposição do recurso é de 15 dias, e conta-se, no caso de se tratar de acórdão (cf. o artigo 97.º, n.º 1, do CPP), do respectivo depósito na secretaria.

    Ora, in casu, o acórdão da Relação foi depositado na respectiva secretaria em 3 de Julho de 2002, como se vê de fls. 977, pelo que o prazo de interposição do recurso (suspenso durante as férias judiciais do verão) terminava em 17 de Setembro de 2002 e em 20 dos mesmos mês e ano com o pagamento de multa, nos termos do artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 107.º, n.º 5, do CPP.

    Porém, o recurso em causa só foi interposto em 25 de Setembro de 2002, como se alcança de fls. 979, ou seja, o recurso foi interposto para além do termo final (com multa) do respectivo prazo.

    Por conseguinte o recurso não é admissível, pelo que tem de ser rejeitado nos termos dos artigos 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, do CPP, sendo certo que este Supremo Tribunal não está vinculado pela decisão que admitiu o recurso ? n.º 3 do citado artigo 414.º.

    Acresce que estamos perante um acórdão da Relação do Porto que confirmou a decisão da 1.ª instância, tratando-se, aliás, de um acórdão condenatório em processo em que a pena aplicável ao crime mais grave ? peculato previsto e punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho ? não é superior a oito anos de prisão, não lhe cabendo outra mais grave por força de outra disposição legal.

    Logo, nos termos conjugados dos artigos 432.º, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não é admissível recurso do acórdão ora proferido pela Relação do Porto.

    Assim, não sendo admissível o recurso, este, mesmo que fosse tempestivo, ainda teria de ser rejeitado nos termos dos artigos 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, do CPP.

    Pelo exposto, acorda-se em rejeitar o recurso.?

    1.2. Notificado desse acórdão, o recorrente veio arguir a sua nulidade, por violação do princípio do contraditório, e suscitar a questão da inconstitucionalidade da interpretação dada à alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º, em conjugação com o n.º 1 do artigo 420.º, ambos do Código de Processo Penal (CPP), por violação dos princípios do acusatório e do contraditório consagrados nos n.ºs 1, 5 e 7 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

    Estas arguições foram indeferidas pelo acórdão de 20 de Março de 2003, com a seguinte fundamentação:

    ?Diz o recorrente que houve violação do princípio do contraditório porque a decisão de rejeição do seu recurso foi proferida sem que ele tivesse sido chamado a pronunciar-se sobre as razões de tal rejeição, contra o que dispõe o artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP e o n.º 5 do artigo 32.º da Constituição (a referência ao n.º 7 deste último artigo deve-se, certamente, a lapso, por se referir à intervenção do ofendido no processo penal e não à intervenção do arguido, como o recorrente afirma).

    No que concerne ao processo criminal, o princípio do contraditório está disciplinado concretamente no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição, que dispõe: «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinado ao princípio do contraditório».

    Ora, in casu, foi o relator que levantou, no exame preliminar do processo, a questão da rejeição do recurso, levando o processo à conferência, onde se decidiu rejeitar o recurso.

    Tal exame preliminar ? bem como a referida conferência ? não é audiência de julgamento nem acto instrutório, pelo que, nos termos do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, não está subordinado ao princípio do contraditório.

    Também a lei processual não estabelece tal subordinação. Pelo contrário, se o relator entender que é de rejeitar o recurso ? como sempre se tem feito neste Supremo Tribunal, segundo julgamos ?, elabora projecto de acórdão, o processo vai a visto dos juízes adjuntos, acompanhado daquele projecto, e depois à conferência para ser julgado o recurso, que será rejeitado se se verificar algum dos casos referidos no n.º 1 do artigo 420.º do CPP. Trata-se do procedimento determinado pelos artigos 417.º, n.ºs 3, alínea c), e 4, alínea b), 418.º, n.º 1, e 419.º, n.º 4, alínea a), do mesmo Código, dos quais não consta a imposição da notificação aos sujeitos processuais ? nomeadamente, o recorrente e o recorrido ? do despacho do relator resultante do exame preliminar do processo, mesmo no caso de aquele entender que é de rejeitar o recurso. Enfim, é uma sequência de actos processuais, nos quais não se intromete a referida notificação.

    Daqui só há que concluir que estamos perante uma das excepções consagradas na lei ao direito que o arguido goza de ser ouvido pelo tribunal quando este deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, conforme prevê o artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP, que, assim, não foi violado.

    De resto, quando a lei processual entendeu, num ou noutro caso, impor o respeito pelo princípio do contraditório, fê-lo expressamente ? v., nomeadamente, os n.ºs 2 e 5 do artigo 417.º do CPP (vista inicial, em que o Ministério Público não se limita a apor o seu visto, e requerimento de alegações escritas apresentado por algum dos recorrentes) ? mas, como vimos, não é o que ocorre no caso em apreço.

    Claramente no sentido do que vai exposto vejam-se os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 8 de Julho de 1993 (processo n.º 44 350), citado por Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II vol. (2.ª edição), pág. 849, de 23 de Setembro de 1999 (processo n.º 1303/98 ? 3.ª Secção) e de 14 de Março de 2002 (processo n.º 4216/01 ? 5.ª Secção) ?, este último com o mesmo relator do presente processo ? citados por Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 13.ª edição, págs. 833 e 834.

    A este respeito, cabe ainda dizer que nem Maia Gonçalves nem Simas Santos / Leal Henriques se referem à necessidade de dar cumprimento ao princípio do contraditório no que concerne às questões suscitadas pelo relator no exame preliminar do processo, ao contrário do que sucede com as questões deduzidas pelo Ministério Público na vista inicial ? v., quanto ao primeiro autor, obra citada, págs. 832 e 833, e, quanto aos outros dois autores, obra referida, pág. 842 e seguintes.

    Do que vai dito resulta também que é inaplicável ao processo penal o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, pois, como vimos, tal processo tem normas próprias a respeito do princípio do contraditório e obedece directamente ao disposto no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição.

    Improcede, pois, a nulidade do acórdão resultante da violação daquele princípio, a qual, aliás, não se encontra no elenco taxativo das nulidades da sentença enunciado no artigo 379.º do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso por força do disposto no artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma, pelo que, também por esta razão, tal nulidade não pode proceder.

    Obviamente, face à não violação do princípio do contraditório por falta de audição do arguido, ora reclamante, também não se verificam as nulidades invocadas pelo mesmo ? artigos 379.º, n.º 1, alínea c), parte final, 119.º, alínea c), e 120.º, n.º 1, alínea d), do CPP ? nem a irregularidade que também invocou para os efeitos previstos no artigo 123.º, n.º 1, do mesmo Código, dado que aquelas e esta assentam no pressuposto da referida falta de audição do arguido ? audição esta que, como vimos, a lei não impõe.

    Subsidiariamente, o recorrente veio arguir a inconstitucionalidade da interpretação do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º, em conjunção com o n.º 1 do artigo 420.º, ambos do CPP, pretendendo, também por esta via, a admissão do recurso que foi rejeitado e que seja ordenado o seu prosseguimento.

    Ora, para além de o acórdão ora impugnado não ter aplicado ao caso o artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP, o certo é que o que o recorrente pretende é que o seu recurso seja admitido, prosseguindo os seus termos, contra o que se decidiu.

    Trata-se de uma atitude que se traduz na discordância quanto ao decidido, que não pode ser exercida por esta via, pois este Supremo Tribunal não pode agora, como é evidente, dar o dito por não dito, revogando o seu acórdão e proferindo outro que decida admitir o recurso e ordene o seu prosseguimento.

    Acresce ainda que a invocada inconstitucionalidade não o pode ser...

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