Acórdão nº 486/03 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução21 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 486/03

Procº nº 182/2000.

  1. Secção.

Relator: Conselheiro Bravo Serra.

  1. O Procurador-Geral da República veio, ao abrigo da alínea e) do nº 2 do artigo 281º da Constituição, solicitar que este Tribunal declarasse, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas constantes dos números 1º, 2º e 9º, todos da Portaria nº 393/97, de 17 de Junho, enquanto ?nelas se fixam - para os resultados de excelência obtidos na prática desportiva, em competições internacionais, por cidadãos portadores de deficiência - prémios de montantes desproporcionadamente inferiores aos que estão previstos - actualmente na Portaria nº 211/98, de 3 de Abril - para os praticantes em regime de alta competição que obtiverem resultados desportivos correspondentes aos níveis máximos de rendimento da modalidade?.

    Segundo o requerente, as indicadas normas violarão o princípio da igualdade e o direito ao incentivo à cultura física, de que gozam especialmente os cidadãos portadores de deficiência.

    Fundamenta, em síntese, o seu pedido no seguinte:

    - de acordo com o disposto no nº 1 do artº 33º do Decreto-Lei nº 125/95, de 31 de Maio, são atribuídos prémios aos praticantes em regime de alta competição que obtiverem resultados desportivos correspondentes aos níveis máximos de rendimento na modalidade, prémios esses cujos respectivos montantes e termos são fixados por portaria a editar pelo Governo, sendo que o artº 40º do mesmo diploma estabelece que o nele preceituado é aplicável, com as necessárias adaptações, aos cidadãos portadores de deficiência que obtenham resultados de excelência na prática desportiva em competições internacionais;

    - comparando os montantes dos prémios atribuídos pela Portaria 211/98, de 3 de Abril, aos praticantes desportivos não afectados por deficiência e os montantes dos prémios atribuídos pelas normas sobre que recai o pedido, verifica-se que os respeitantes a estas últimas são desproporcionadamente inferiores, além de que o artº 2º da Portaria nº 393/97 ainda acentua a discriminação dos cidadãos afectados por deficiência, ao inviabilizar a acumulação material dos prémios em caso de obtenção de plúrimos resultados de excelência.

    Ouvido nos termos do artº 54º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Primeiro-Ministro ofereceu o merecimento dos autos.

    Apresentado memorando pelo Presidente do Tribunal, foi fixada a orientação sobre as questões a resolver, cumprindo agora formar a decisão.

  2. As normas constantes dos números 1º, 2º e 9º da Portaria nº 393/97 dispõem como segue:

    1. Aos cidadãos deficientes que se classifiquem num dos três primeiros lugares de provas dos jogos paraolímpicos ou de Campeonatos do Mundo ou da Europa e da Taça do Mundo de Boccia são concedidos os seguintes prémios:

      1. Para praticantes de modalidades desportivas individuais:

    2. lugar no europeu e na Taça do Mundo de Boccia, 1000 contos, no mundial, 1500 contos, e nos jogos parolímpicos, 2000 contos

    3. lugar no europeu e na Taça do Mundo de Boccia, 500 contos, no mundial, 750 contos, e nos jogos paraolímpicos, 1000 contos;

    4. lugar no europeu e na Taça do Mundo de Boccia, 250 contos, no mundial, 500 contos, e nos jogos paraolímpicos, 750 contos;

      1. Para cada praticante (titular ou suplente) das modalidades desportivas colectivas:

    5. lugar no europeu e na Taça do Mundo de Boccia, 500 contos, no mundial, 750 contos, e nos jogos parolímpicos, 1000 contos;

    6. lugar no europeu e na Taça do Mundo de Boccia, 250 contos, no mundial, 275 contos, e nos jogos paraolímpicos, 500 contos;

    7. lugar no europeu e na Taça do Mundo de Boccia, 125 contos, no mundial, 250 contos, e nos jogos paraolímpicos, 375 contos.

    8. Os prémios são cumulativos até ao máximo de três medalhas - correspondentes aos três primeiros lugares obtidos pelo praticante. No caso de este conquistar mais de uma medalha no mesmo quadro competitivo, será atribuído por inteiro o prémio correspondente à melhor classificação, 50% do prémio relativo à segunda e 25% do prémio relativo à terceira.

    9. A obtenção de recordes alcançados em modalidades e disciplinas incluídas no programa oficial dos jogos paraolímpicos confere ao praticante direito a um prémio de, respectivamente, 1500 contos (campeonato do Mundo), 1000 contos (campeonato europeu e Taça do Mundo de Boccia) e 500 contos (jogos paraolímpicos), sendo tais prémios acumuláveis com os prémios referidos no n.º 1.º

      2.1. Em 2 de Maio de 1989 veio a lume a designada Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (Lei nº 9/89) que, de entre as suas disposições, veio a consagrar, inter alia:

      - que a política de reabilitação obedece aos princípios da universalidade, da globalidade, da integração, da igualdade de oportunidades, da participação, da informação e da solidariedade, impondo a equiparação de oportunidades a eliminação de todas as discriminações em função da deficiência e que o ambiente físico, os serviços sociais e de saúde, a educação e o trabalho, a vida cultural e social em geral se tornem acessíveis a todos (cfr. números 1 e 6 do seu artº 4º);

      - que ao Estado cabe promover, através dos organismos competentes, todas as acções necessárias que visem impedir o aparecimento ou agravamento da deficiência e anular ou atenuar os seus efeitos e consequências (nº 1 do artº 6º);

      - que a cultura, desporto e a recreação visam contribuir para o bem-estar e para o desenvolvimento das capacidade de interacção social (artº 15º) e

      - que a política de cultura e recreação deve criar condições para a participação da pessoa com deficiência (artº 26º).

      2.2. Por outro lado, a Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei nº 1/90, de 13 de Janeiro), reconhecendo que a actividade desportiva é um factor cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade, veio estabelecer determinados princípios fundamentais .

      De entre eles é, para o que ora interessa, de destacar o que se encontra regulado no nº 3 do seu artº 2º, ao se prescrever aí que no apoio à generalização da actividade desportiva é dada particular atenção aos grupos sociais dela especialmente carenciados, os quais são objecto de programas adequados às respectivas necessidades, nomeadamente em relação aos deficientes, vindo ainda a definir-se o elenco de apoios especiais aos desportistas de alta competição e às selecções nacionais.

      É assim que, neste último particular, se dispõe nos artigos 15º e 26º:

      Artigo 15.º

      Alta competição

      1 - A alta competição enquadra-se no âmbito do desporto-rendimento e, respondendo à evidência de talentos e de vocações de mérito desportivo excepcional, consiste em, por opção do praticante, o nível de excelência nos resultados desportivos se aferir por padrões desportivos internacionais e a respectiva carreira desportiva visar êxito na ordem desportiva internacional.

      2 - O desenvolvimento da alta competição é objecto de medidas de apoio específicas, atendendo a que constitui um factor de fomento desportivo e em virtude das especiais exigências de preparação dos respectivos praticantes.

      3 - As medidas referidas no número anterior contemplam o praticante desportivo desde a fase de detecção de talentos específicos e da sua formação e abrangem, designadamente:

      1. Regime de escolaridade;

      2. Regime de emprego e desempenho profissional;

      3. Regime no âmbito da função pública;

      4. Regime no cumprimento das obrigações militares;

      5. Acesso à formação na área do ensino da educação física ou como técnico de desporto;

      6. Apoio financeiro à respectiva preparação;

      7. Seguro desportivo;

      8. Reinserção profissional.

      4- O Estado, em articulação com o associativismo desportivo, zela por que a alta competição se desenvolva com respeito pela ética e verdade desportivas, bem como pela saúde e integridade moral e física dos respectivos praticantes.

      Artigo 26.º

      Selecções nacionais

      A participação dos agentes desportivos nas selecções ou em outras representações nacionais é classificada como missão de interesse público e, como tal, objecto de apoio e de garantia especial por parte do Estado.

      2.3. A Lei de Bases do Sistema Desportivo veio a ser desenvolvida por intermédio do Decreto-Lei nº 125/95, de 31 de Maio.

      Pode ler-se, em dados passos, no preâmbulo deste último diploma:

      ?O desporto de alta competição constitui um importante factor de desenvolvimento desportivo, como tal reconhecido no artigo 15.º da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro (Lei de Bases do Sistema Desportivo).

      Com efeito, é incontroverso que a alta competição, como paradigma da excelência da prática desportiva, fomenta a sua generalização, mesmo enquanto actividade de recreação, e particularmente entre a juventude. Por outro lado, o desenvolvimento da sociedade não pode ignorar a actividade desportiva que é cada vez mais um factor cultural indispensável na formação da pessoa humana. Daí que a prática desportiva de alto rendimento deva ser objecto de medidas de apoio específicas, em virtude das particulares exigências de preparação dos respectivos praticantes.

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      Impunha-se igualmente o enquadramento da situação dos praticantes que, não sendo de alta competição, integrem selecções nacionais. Com o presente diploma estabelecem-se as adequadas medidas de apoio para aqueles praticantes, sem que tal envolva a modificação da sua qualificação.

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      Finalmente, cumpre salientar o maior desenvolvimento e clarificação das medidas de apoio aos praticantes de alta competição, designadamente no âmbito do seguro desportivo e do regime escolar, e, bem assim, a...

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