Acórdão nº 599/03 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Dezembro de 2003
Magistrado Responsável | Cons. Bravo Serra |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2003 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 599/03
Procº nº 480/2003.
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Secção.
Relator: Bravo Serra
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Em 31 de Outubro de 2003 o relator lavrou decisão com o seguinte teor:
?1. Tendo o A., pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, interposto recurso contencioso de anulação da deliberação tomada, sob a forma de acórdão, em 25 de Fevereiro de 2000 pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados - que não concedeu provimento ao recurso interposto da decisão tomada em 7 de Março de 1999 do Conselho Geral daquela Ordem, decisão esta que indeferiu a inscrição definitiva do recorrente como advogado, em virtude de se ter entendido que era incompatível aquela inscrição com as funções que o mesmo desempenhava como técnico superior jurista do quadro da Direcção de Serviços de Desporto da Direcção Regional de Educação Física e Desporto da Secretaria Regional de Educação e Cultura da Região Autónoma dos Açores, pelo que a situação se enquadraria na excepção preceituada no nº 2 do artº 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados -, foi, por sentença proferida em 21 de Fevereiro de 2001 pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal agregado de Ponta Delgada (para onde os autos foram remetidos após o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa se ter considerado territorialmente incompetente), negado provimento ao recurso.
Não se conformando com o assim decidido recorreu o A. para o Tribunal Central Administrativo, tendo, na alegação adrede produzida e para o que ora releva, formulado as seguintes asserções:-
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O elemento teleológico da lei, do Estatuto da Ordem dos Advogados, indica claramente, aliás uma evidência primária, que o valor a assegurar é o da incompatibilidade material, pois que, em absoluto, o elemento formal pode estar garantido sem que, necessariamente, garantida esteja a incompatibilidade material.
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Ora, sendo a liberdade de escolh[a] de profissão um direito fundamental, artº 47º da Constituição Portuguesa,
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As restrições legais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, artº 18º, nº 2 da Constituição Portuguesa.
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Assim, a restrição legal que exige norma expressa (artº 69º/2/in fine do Estatuto da Ordem), neste caso concreto, excede a Constituição na medida em que, querendo limitar para alcançar a garantia da não incompatibilidade do exercício da advocacia, excede o efeito fundamental que é a proibição de incompatibilidade material, já que o funcionário efectivamente exerce mera consultadoria jurídica.
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O que, nos termos legais, não é incompatível com o exercício da advocacia, como se viu.
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Temos, pois, que a norma do artº 69º, nº 2, in fine do Estatuto da Ordem dos Advogados, a ser interpretada no sentido pretendido - que no caso presente em que, no período de quatro meses antes da inscrição definitiva, desaparecendo norma expressa, e mantendo o funcionário, no entanto, as sua funções de mera consulta jurídica, perde o direito ao exercício da advocacia - é violadora dos artigos 47º, nº 1 e 18º, nº 2, ambos da Constituição.
.................................................................................................................................................................................................................................?
O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 3 de Abril de 2003, negou provimento ao recurso.
Para assim decidir, aduziu o seguinte:
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2.2.1. A sentença recorrida julgou improcedente o recurso contencioso com base na fundamentação que, em síntese, de transcreve:
?O art.º 69.º, n.º 2, do E.O.A., excepcionou das incompatibilidades referidas no seu n.º 1, ?os funcionários e agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previstos expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço?.
O Decreto Legislativo Regional n.º 11/98-A, de 5 de Maio, que aprovou a orgânica da Secretaria Regional da Educação e Assuntos Sociais, não prevê a existência de qualquer lugar com funções de consulta jurídica no âmbito da Direcção Regional onde o recorrente exerce funções - ao contrário, por exemplo, do que acontece com a Direcção Regional de Saúde (art.º 51.º).
Assim, não estando esse cargo expressamente previsto na lei orgânica do serviço, deve-se concluir, linearmente, que não está verificada a previsão da 2.ª parte do n.º 2 do citado art.º 69.º. Nesta matéria de incompatibilidades, a lei não deixou margem para dúvida: ou existe especificamente aquele cargo e nele está provido um licenciado em Direito, ou não existe.
Pode existir qualquer outro cargo provido por um licenciado em Direito - mas a este a lei não permite o exercício da advocacia.
Tal é o caso dos autos.
O recorrente é técnico superior da Administração Pública, é licenciado em Direito - mas não ocupa lugar de mera consulta jurídica expressamente previsto na lei.
É certo que na anterior lei orgânica (Dec. Regulamentar Regional n.º 1/93/A, de 1 de Fevereiro) da Secretaria Regional da Educação e Cultura previa genericamente que os ?técnicos superiores juristas exercem funções de consultadoria jurídica?. Mas isto não equivale à existência de um cargo cujas únicas funções sejam as de consulta jurídica; é tão-só uma afirmação tautológica que nada acrescenta ou retira ao quadro de pessoal da Secretaria .
Por isso, da circunstância de o art.º 47.º do D. Reg. Reg. n.º 1/93/A não estar repetido na actual lei orgânica não se pode retirar qualquer conclusão útil.
(...)?.
2.2.3. O único erro de julgamento especificamente imputado à sentença recorrida é o erro nos pressupostos. E isto porque a sentença recorrida terá partido erroneamente da premissa fáctica de que o recorrente não era técnico superior jurista, o que conduziu a uma solução jurídica também ela errada.
Mas sem razão.
Na verdade, a improcedência do recurso fundou-se, não na invocada errónea consideração de que o recorrente não era técnico superior jurista, mas tão-só na inverificação da previsão da 2.ª parte do n.º 2 do art.º 69.º do E. O. A. - por o recorrente não estar provido em cargo com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previsto expressamente no quadro orgânico do correspondente serviço-, sendo certo que foi este precisamente o fundamento que serviu de base à recusa da sua inscrição na Ordem dos Advogados decidida pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados (o acto contenciosamente impugnado).
Improcede, assim, o imputado erro de julgamento.
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Notificado do acórdão cuja totalidade da fundamentação de direito se encontra transcrita, interpôs o A. recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, recurso que não foi admitido por despacho proferido em 15 de Maio de 2003 pela Relatora do Tribunal Central Administrativo.
Veio então o mesmo A. juntar aos autos requerimento com o seguinte teor:
?A., recorrente no processo supra identificado, e ali melhor identificado, interpõe recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, nos seguintes termos:
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O recurso é interposto, em razão da matéria, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art° 70° da Lei do Tribunal Constitucional (LTC),
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E no prazo legal, nos termos do nº 2 do art° 75° da LTC.
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O que se pretende é ver apreciada a inconstitucionalidade do nº 2 do art° 69° do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), na interpretação feita pela decisão recorrida no sentido de que, desatendendo o Tribunal a quo a alegação de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente, no âmbito da incompatibilidade, apenas interessa o elemento formal e não o elemento material.
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Interpretação que viola os princípios da interpretação conforme a Constituição, art° 3°, nº 3, do limite razoável e adequado ao acesso à profissão, art° 47°, nº 1, da igualdade, art° 13°, da justiça, art° 266°, nº 2, e da falta de fundamentação, artº 205°, nº 1 e art° 268°, nº 3, todos da Constituição da República (CRP).
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Esta questão da constitucionalidade da norma do nº 2 do art° 69° do EOA foi suscitada nos autos em todas as fases de recurso contencioso,
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mas o Tribunal a quo desatendeu essa alegação de inconstitucionalidade.
RELATÓRIO 6. O recorrente enquanto advogado estagiário em 1996 era ?técnico superior jurista? num serviço público dos Açores,
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cuja lei orgânica previa expressamente que os técnicos superiores juristas exerciam funções exclusivamente de consultadoria jurídica,
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por isso mesmo o membro do Governo Regional autorizou a acumulação de exercício de funções pública e privadas,
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e também por aquilo o recorrente pôde estar inscrito como advogado estagiário na Ordem dos Advogados.
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Findo o estágio de advogado estagiário em 1998, procedeu o recorrente à inscrição definitiva de advogado,
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mas, entretanto, nesse mesmo ano de 1998, a antedita lei orgânica sofreu uma profunda alteração legal, expurgando a norma que estabelecia que os técnicos superiores juristas exerciam funções exclusivamente de consultadoria,
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no entanto, por força daquela lei de alteração, verificou-se que o exercício de funções do recorrente não foi alterado,
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e isso mesmo também foi declarado pelo dirigente máximo do serviço.
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A OA, pelo Conselho Geral, rejeitou a inscrição...
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