Acórdão nº 186/01 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Maio de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução02 de Maio de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 186/01

Processo nº 594/95

Plenário

Rel. Cons. Tavares da Costa

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I

1. - Um grupo de Deputados à Assembleia da República requereu ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea f) do nº 2 do artigo 281º da Constituição da República (CR), a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de todas as normas da Lei nº 26/95 e da Lei nº 28/95, ambas de 18 de Agosto, que alteram, respectivamente, a Lei nº 4/85, de 9 de Abril – Estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos – e a Lei nº 64/93, de 26 de Agosto – Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos.

Os Deputados, em número de vinte e cinco, fizeram-se representar pelo signatário da petição, o Deputado Carlos Manuel Natividade da Costa Candal, que também usa Carlos M. Candal, a quem passaram procuração forense, na sua qualidade de advogado, intervindo este em nome próprio e como mandatário dos demais.

2. - Consideram os requerentes que os diplomas em referência, aprovados na reunião plenária da Assembleia da República, de 7 de Junho de 1995, são formal e materialmente inconstitucionais.

2.1. - São formalmente inconstitucionais, em primeiro lugar, dado que os textos de substituição, adoptados e apresentados pela Comissão Parlamentar expressamente constituída para o efeito – a Comissão Eventual para Estudar as Matérias Relativas às Questões de Ética e da Transparência das Instituições e dos Titulares dos Cargos Políticos, criada por resolução da Assembleia da República, de 5 de Abril de 1995 – foram discutidos e votados em plenário da Assembleia da República sem que tenham sido apreciados os correspondentes textos dos projectos de lei oportunamente apresentados e não retirados.

Entendem os requerentes que "a mencionada Comissão usurpou objectivamente o direito de iniciativa legislativa que a Constituição da República reserva aos Deputados, aos grupos parlamentares e ao Governo (cfr. artigo 170º, nºs. 1 e 8)" – texto da versão constitucional então em vigor, a que hoje correspondem os nºs. 1 e 8 do artigo 167º, após a revisão levada a efeito pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro.

2.2. - São ainda os diplomas formalmente inconstitucionais, por violação do nº 4 do artigo 170º da Constituição (hoje, nº 4 do artigo 167º), uma vez que os diplomas «apreciados e "substituídos" pela Comissão Eventual mencionada haviam sido definitivamente rejeitados – mas foram renovados ou representados na mesma 4ª sessão legislativa da VI Legislatura».

É esse o caso dos Projectos de Lei nº 565/VI e 568/VI, propostos pelo PS, em manifesta renovação, segundo escrevem, respectivamente dos seus Projectos de Lei nºs. 498/VI e 462/VI, rejeitados que haviam sido na reunião plenária da Assembleia da República de 16 de Março de 1995 (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 53, de 17 de Março de 1995). E, também, o caso "do Projecto de Lei nº 494/VI – reposto tal-e-qual pelo grupo parlamentar do CDS/PP, apesar de haver sido rejeitado na generalidade pelo plenário da A.R. em 9/3/95 (cfr. Diário – I Série – nº 50)".

3. - Mas os diplomas em referência enfermam, ainda, na tese dos Deputados requerentes, de «duas inconstitucionalidades "substantivas" ou materiais».

3.1. - Assim, dizem, «a redacção dada pela Lei nº 26/95 ao nº 8 do artigo 25º da Lei nº 4/85 e a condição de aplicabilidade ("em regime de exclusividade") estatuída por aquele diploma nas novas redacções do nº 1 do artigo 25º e do nº 1 do artigo 31º desta Lei nº 4/85 violam nomeadamente os artigos 161º e 162º da Lei Fundamental» (actuais artigos 158º e 159º).

Observam, a este respeito:

"17 – Concretamente, as novas redacções consignadas no art. 1º da Lei nº 26/95 respectivamente para os nºs. 1 e 8 do art. 25º e para o nº 1 do art. 31º da Lei nº 4/85 criam iniludivelmente destrinça entre os ‘políticos’ enumerados: aqueles que exerçam funções ‘em regime de acumulação’ e aqueles que se encontrem ‘em regime de exclusividade’.

18 – Porque reportada ao regime dos benefícios chamados ‘subvenção mensal vitalícia’ e ‘subsídio de reintegração’, tal destrinça importa a correlativa existência de dois estatutos diferenciados para os titulares de cargos políticos aludidos no nº 1 do artº 24º da Lei nº 4/85.

19 – Ora, a Constituição da República não consente a existência de dois tipos de deputados: aqueles que exerçam a função para que são eleitos em ‘regime de acumulação’ e os que optem pelo ‘regime de exclusividade’.

20 – Porque estes seriam especialmente favorecidos, passaria a haver ‘deputados de 1ª e deputados de 2ª’ categoria [...]."

3.2. - A segunda inconstitucionalidade material apontada pelos requerentes reporta-se à estatuição do novo regime de "dedicação exclusiva" para os Deputados portugueses ao Parlamento Europeu, constante da disposição transitória do artigo 4º da Lei nº 28/95, nos termos assim expostos:

"25 – Na verdade, se tal preceito for aplicável a quem – tendo integrado (em Portugal) as listas de candidatos às últimas eleições de deputados ao Parlamento Europeu (realizadas a 11/6/1994) em lugar na respectiva ordem de precedência tal que não lhe haja sido conferido mandato – seja chamado a substituir um deputado eleito que ‘abra’ vaga no respectivo mandato em curso, aquela norma viola designadamente ‘o princípio da confiança’ e o ‘princípio da igualdade’ decorrentes desse outro princípio estruturante da Constituição da República que é ‘o do Estado de direito’.

26 – Isto porque passaria a haver ou a poder haver no Parlamento Europeu (durante a respectiva legislatura em curso) deputados eleitos em Portugal, no mesmo sufrágio, com estatutos diferentes: uns quantos sujeitos ao agora inovado regime obrigatório da ‘dedicação exclusiva’ no exercício das respectivas funções (aqueles que as tivessem iniciado depois da publicação e consequente entrada em vigor do diploma em apreço); e os outros – livres de tal ónus (todos aqueles que receberam mandato ou iniciaram funções antes da estatuição daquele regime)!."

4. - O Presidente da Assembleia da República, notificado, nos termos e para os efeitos do preceituado nos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, ofereceu o merecimento dos autos, "expressando, ainda, o seu entendimento de efectiva violação do nº 8 do artigo 170º da Constituição da República Portuguesa, dado que os projectos de lei nem discutidos nem votados não foram retirados pelos seus autores".

5. - Discutido em plenário o memorando apresentado nos termos do artigo 63º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e fixada a orientação maioritária do Tribunal, cumpre decidir.

II

Questão prévia ao conhecimento do objecto do recurso

1. - Nos termos do disposto na alínea f) do nº 2 do artigo 281º da Constituição da República podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade, se for caso disso) de quaisquer normas, com força obrigatória geral, "[u]m décimo dos Deputados à Assembleia da República".

Sendo 25 os Deputados ora requerentes e encontrando-se todos eles no exercício do respectivo mandato, foi observado aquele requisito formal, dado o disposto no artigo 13º da Lei nº 14/79, de 16 de Maio (redacção da Lei nº 18/90, de 24 de Julho), cujo nº 1 prescreve ser de 230 o número total de Deputados.

E, se é certo que, à data do pedido – 13 de Outubro de 1995 – já se procedera a nova eleição legislativa (ocorrida em 1 desse mês), a verdade é que o mandato dos Deputados só cessou com a primeira reunião após as eleições subsequentes, nos termos do artigo 156º da Lei Fundamental, na versão então vigente (hoje, nº 1 do artigo 153º), a qual ainda não ocorrera.

No entanto, só um dos Deputados assinou pessoalmente a petição, tendo os demais, como já se consignou, conferido procuração forense a favor do Deputado subscritor, concedendo-lhe poderes para a respectiva representação em juízo.

Com efeito, como se retira da leitura dos documentos de fls. 163 a 186 dos autos, todos os demais conferiram "poderes forenses gerais ao Sr. Dr. Carlos M. Candal, advogado com escritório em Aveiro, com vista à apreciação da inconstitucionalidade de todas ou algumas das normas aprovadas pelo Plenário da Assembleia da República, em 7/6/1995, que visam alterar as Leis nºs. 4/85 e 64/93".

Coloca-se, assim, o problema da admissibilidade desta forma de representação nos processos de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade - questão prévia que importa abordar, se bem que não suscitada no processo pelo órgão autor da normação em causa.

2. - Em comentário ao artigo 281º da Constituição da República, observam Gomes Canotilho e Vital Moreira:

"A legitimidade para requerer a declaração de inconstitucionalidade (e de ilegalidade) é pessoal, não podendo ser delegada a outrem, nem podendo ser exercida por outrem em seu nome. Quando se trate de presidentes de órgãos colegiais (AR, governos regionais, etc.) não podem estes ser chamados a pronunciar-se sobre o exercício deste poder pelos seus presidentes; quando se trate de titulares de cargos que podem ser preenchidos interinamente por outrem, não podem os substitutos exercer o poder que só compete aos titulares (v.g., Vice-Presidente da AR, Vice-Primeiro Ministro, etc.). Diferente é o caso do PR interino, pois este poder não é daqueles poderes do PR efectivo que a Constituição lhe veda (cfr. artigos 137º/g e 143º)" – cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 1035).

Neste sentido, também a Comissão Constitucional se pronunciou, no seu Parecer nº 10/79 (publicado in Pareceres da Comissão Constitucional, 8º volume, Lisboa, 1980, págs. 49 e segs.), ao entender que o poder conferido pelo artigo 281º, nº 1, da Constituição é um poder "de exercício pessoal e indelegável" pelos respectivos titulares.

Equacionando-se, então, o problema de saber se o Vice-Presidente em exercício da Assembleia da República...

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