Acórdão nº 29/00 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Janeiro de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução12 de Janeiro de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 29/2000

Proc. nº. 241/99

TC - 1ª Secção

Rel.: Consº. Artur Maurício

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 - B. D., com os sinais dos autos, deduziu embargos de terceiro contra C. H. Leasing (Portugal) – Locação Financeira Mobiliária, S. A., por apenso a acção executiva que esta intentara contra, entre outros, o marido da recorrente e onde fora penhorado um prédio, bem comum do casal, pedindo que fosse ordenado o levantamento da penhora e a restituição da posse deste à embargante.

Invocou como fundamentos do seu pedido: ser o prédio penhorado bem comum do casal; não ter prestado aval – ao contrário de seu marido – a favor de uma sociedade comercial; não ter autorizado seu marido a prestar qualquer garantia a favor da embargada; ser o aval prestado por seu marido um acto gratuito, de mero favor para a sociedade avalizada de que nem tivera conhecimento; ter a execução sido instaurada apenas contra seu marido.

Por sentença de 17 de Julho de 1997 do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, os embargos foram julgados improcedentes, com fundamento no disposto no artigo 1696º nº. 1 do Código Civil, na versão vigente na altura, por força do artigo 27º do DL nº. 329-A/95, de 12 de Dezembro, e, em consequência, foi ordenado o prosseguimento da execução.

Inconformada, a embargante apelou para o Tribunal da Relação do Porto invocando nas alegações a inconstitucionalidade do citado artigo 27º do DL nº. 329-A/95.

Por acórdão de 11.05.1998, a Relação do Porto, manteve a decisão recorrida, julgando improcedente o recurso (cfr. fls. 97 a 101).

Deste acórdão recorreu a embargante para o Supremo Tribunal de Justiça, mantendo a invocação da aludida inconstitucionalidade, mas aquele Tribunal negou provimento ao recurso.

De novo inconformada, a embargante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional "por entender que a interpretação dada ao disposto do art. 27º. do D.L. 329/95 e a consequente aplicação imediata, aos processos pendentes da alteração da redacção do nº. 1 do art. 1696 do Cód. Civil, viola entre outros os princípios constitucionais da Proporcionalidade, da Equidade, da Igualdade, da Protecção que o Estado deve à Família e da Afectação dos bens comuns do casal à satisfação das necessidades do próprio casal, contidos entre outros nºs. arts. 2, 3, 9º, 13º, 20º, 36º e 67º da Constituição ..."

Neste Tribunal, a embargante/recorrente apresentou alegações, tendo concluído da seguinte forma:

"1. A valoração e interpretação dada pelo Tribunal "a quo" à norma do art. 27º do DL nº. 329-A/95, introduzida inesperadamente pelo DL 180/96, o qual foi publicado na sequência da Lei de autorização legislativa nº. 28/96 de 2 de Agosto, extravasa e vai contra o sentido de revisão do dito DL 329-A/95 disposto e apontado nessa lei de autorização. O que, nessa medida, faz padecer de inconstitucionalidade orgânica aquela norma do art. 27º introduzida no DL 329-A/95.

Por outro lado,

  1. E é também inconstitucional aquela norma do art. 27º do DL 329-A/95 na medida em que legislou em matéria de reserva relativa da Assembleia da República sem a necessária autorização expressa, enquanto veio diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial de um direito social, e enquanto atribuiu efeito retroactivo a uma lei restritiva de um direito social, com ofensa dos princípios do Estado de Direito Democrático e da confiança dos cidadãos face ao poder legislativo.

    Por outro lado,

  2. A interpretação dada pelo Tribunal "a quo" à norma do art. 27º do dito DL 329-A/95, na sequência da qual se veio aplicar a inesperada e surpreendente nova redacção do nº. 1 do art. 1696º do Cód. Civil ao caso em discussão nesta acção declarativa deixa totalmente desprotegido e prejudicado o direito de Posse e Propriedade da Recorrente sobre o seu imóvel penhorado em razão de dívidas de outrém.

  3. E, por isso, como supra se demonstrou, viola frontalmente os princípios da segurança jurídica e da confiança do cidadão na estabilidade dos direitos adquiridos, decorrentes da ideia de Estado de direito democrático, consagrados no art. 2º da Constituição, quando conjugado com o disposto no art. 62º da nossa Lei Fundamental.

  4. Da mesma forma aquela interpretação da citada norma do art. 27º do DL 329-A/95 e consequente aplicação imediata e com efeitos largamente retroactivos da nova e inesperada redacção do nº. 1 do art. 1696º do Código Civil, ao caso dos autos e na sua actual e terminal fase processual, na medida em que trata de forma igual, situações de facto que são substancialmente desiguais, viola princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, tanto quanto o direito à propriedade privada da Recorrente.

  5. O princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei, implica do mesmo passo a aplicação igual de direito igual, o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da "diferença", de modo que recebem tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.

    Acresce que,

  6. Os efeitos retroactivos decorrentes da aplicação da nova redacção agora dada ao nº. 1 do art. 1696º do Cód. Civil, à presente acção declaratória, em fase de produção de prova e julgamento, representam um sacrifício desmesurado e iníquo dos legítimos interesses da Recorrente na defesa do seu património, tal como, na defesa da afectação dos bens comuns do casal à satisfação das necessidades comuns desse mesmo casal, e ainda, na defesa da estabilidade económica da sociedade conjugal.

  7. Daí que, também a interpretação dada pelo Tribunal "a quo" à norma do art. 27º do citado DL 329-A/95 e consequente aplicação com efeitos retroactivos ao caso dos autos da nova redacção introduzida no nº. 1 do art. 1696º do Cód. Civil, viola ainda os princípios constitucionais da proporcionalidade, da estabilidade económica da sociedade conjugal e da protecção que o Estado deve à Família.

  8. Salvo o devido e merecido respeito e mais douta opinião, a interpretação dada pelo Tribunal "a quo" à norma do art. 27º do DL 329-A/95, introduzida neste Decreto-Lei, pelo DL 180/96, e consequente aplicação imediata e com efeitos retroactivos do disposto na nova redacção dada ao nº. 1 do art. 1696º do Cód. Civil à presente demanda, viola os princípios constitucionais contidos nos arts. 2º, 3º nº. 3, 9, 13º, 18º nºs. 2 e 3, 36º, 62º e 67º da Constituição, os quais devem ser objecto de aplicação directa, imediata e conjugadamente, tal como padece aquele douto Acórdão do vício cominado e sancionado no art. 668º nº. 1 al. d) do C.P.Civil e art. 205º nº. 1 da Constituição."

    Cumpre decidir.

    2 - Antes do mais, importa delimitar o objecto do recurso, tendo em conta que a embargante/recorrente, no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, pretende que se declare a inconstitucionalidade das normas quer do art. 4º quer do art. 27º do DL. 329-A/95.

    A admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea b) da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro – espécie e via utilizada pela recorrente – está dependente da verificação, como pressuposto processual, de a questão de inconstitucionalidade ter sido suscitada durante o processo.

    Ora, relativamente à norma do artigo 4º do Decreto-Lei nº. 329-A/95, de 12 de Dezembro...

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