Acórdão nº 368/00 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Julho de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Paulo Mota Pinto
Data da Resolução11 de Julho de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 368/00

Processo n.º 243/00

Plenário

Relator – Paulo Mota Pinto

Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. Em 31 de Março de 2000, o Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal veio requerer, como representante do Ministério Público e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 281º da Constituição e do artigo 82º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que fosse declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, "na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo", uma vez que tal norma, nessa interpretação, já fora julgada inconstitucional por três vezes, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 683/99, do Plenário, 73/2000, da 3ª Secção e 82/2000, da 1ª Secção.

    Notificado o Primeiro-Ministro para os efeitos do disposto no artigo 54º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, veio este oferecer merecimento dos autos.

    Concluída a discussão e firmada a orientação do Tribunal, cumpre, nos termos do artigo 65º da Lei do Tribunal Constitucional, explicitar a respectiva decisão.

  2. Fundamentos

    1. Delimitação do objecto do presente processo

      1. A questão de constitucionalidade em apreço no presente processo corresponde à precedentemente decidida no Acórdão n.º 683/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2000) e nos Acórdãos n.ºs 73/2000 e 82/2000 – trata-se da apreciação da conformidade constitucional da norma do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, mas apenas "na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo".

        É a seguinte a redacção da norma em apreço:

        "Artigo 14º

        Modalidades e efeitos

        […]

      2. O contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo, com as especificidades constantes do presente diploma."

        O Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Junho, introduziu uma dessas especificidades ao acrescentar um novo n.º 4 ao artigo 18º do Decreto-Lei 427/89, nos termos do qual

        "O contrato de trabalho a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato de trabalho sem termo."

        Porém, antes dessa intervenção legislativa entendia alguma jurisprudência que a remissão para a "lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo" envolvia a aplicação do disposto no artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

        Esta última norma, sob a epígrafe "conversão do contrato", determinava que

        "o contrato converte-se em contrato de trabalho sem termo se forem excedidos os prazos de duração fixados de acordo com o disposto no artigo 44º [em regra, três anos consecutivos; no caso da alínea e) do n.º 1 do artigo 41º dois anos consecutivos], somando-se a antiguidade do trabalhador desde o início da prestação de trabalho."

        Como se escreveu no Acórdão n.º 683/99, no presente processo:

        "[...] está, pois, em causa a norma que contém a remissão definidora do regime jurídico do contrato de trabalho a termo certo celebrado pelo Estado, para a lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, contida no citado artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, interpretada no sentido de se permitir a conversão do contrato de trabalho a termo certo, celebrado com o Estado, em contrato de trabalho sem termo (por tempo indeterminado) – por aplicação, por virtude dessa remissão, do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro –, quando ultrapassados os respectivos limites máximos de duração total."

    2. Apreciação da questão de constitucionalidade

      1. Como se salientou nesse Acórdão n.º 683/99:

        "[...] a possibilidade de celebração de contratos de trabalho a termo, prevista na lei geral do trabalho, não é por si só violadora do direito à segurança no emprego, uma vez que se encontra vinculada a um conjunto de circunstâncias enumeradas pelo legislador (artigo 41º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), que, conjuntamente com outros traços do regime do contrato de trabalho a termo, exprimem a ideia de excepcionalidade desta forma de contratação (v., por exemplo, J. J. Abrantes, 'Breve apontamento sobre o regime jurídico do contrato de trabalho a prazo', in idem, Direito do trabalho – ensaios, Lisboa, 1996, págs. 96 e 99, e Bernardo Lobo Xavier, Curso de direito do trabalho, Lisboa, 1992, pág. 468, que, embora referindo que 'a questão não é linear', salienta que a lei exige uma 'justificação substantiva adequada e típica para o contrato de trabalho a termo, que quase se poderia dizer que se transforma assim num contrato especial de trabalho')."

        Todavia, perante o regime jurídico dos contratos de trabalho a termo de direito privado – que inclui a conversão, obrigatória para o empregador, de tais contratos em contratos de trabalho sem termo, como sanção para a ultrapassagem dos limites à sua renovação fixados legalmente –, suscitou-se a questão de apurar se tal disciplina, mesmo no domínio privatístico, se afigurava como decorrência indispensável, no regime dos contratos de trabalho a termo certo, da garantia constitucional da segurança no emprego.

        A conclusão a que se chegou nessa decisão foi a de que

        "[...] tal 'conversão' não se apresenta como o único meio, ou, sequer, como disciplina indispensável, para o cumprimento pelo Estado do seu dever de proteger a segurança no emprego. Aliás, a necessidade de tal regime tende a diminuir quanto mais se acentuar a excepcionalidade do recurso à contratação a termo certo. E, mesmo para os contratos deste tipo que se celebrem, podem prever-se soluções legislativas sucedâneas desta conversão, dirigidas à protecção da segurança no emprego.

        Pode, assim, entender-se que a segurança no emprego deve levar à proibição ou à restrição apertada da celebração de contratos a termo certo, com uma regulamentação mais estrita dos pressupostos para a contratação a termo de trabalhadores, bem como a fixação de prazos de duração máxima destes contratos (que no caso de contratos a termo certo com o Estado são até menores do que os previstos na lei geral do trabalho), ou de um seu regime especial de renovação. Por outro lado, poderá o legislador, por exemplo, prever a existência de um regime de indemnização dos trabalhadores com contrato a termo certo que ultrapasse os limites temporais legalmente estabelecidos, caso sofram danos pela dificuldade em encontrar trabalho subsequentemente.

        Todas estas regulamentações se destinam a assegurar ao trabalhador segurança no emprego, sem passar necessariamente pela conversão do seu contrato em contrato de trabalho sem termo."

        Aliás, notou-se que uma tal sanção – a conversão legal do contrato em contrato de trabalho sem termo –, no domínio do direito privado,

        "[...] apenas limitará interesses privados do empregador que violou a proibição legal de recurso a contratos de trabalho a termo para além do respectivo limite legal de duração total. Se o empregador está a utilizar contratos de trabalho a termo certo para além da duração máxima legalmente permitida – e, portanto, provavelmente para satisfação de necessidades permanentes de trabalho –, a sanção de tal possível tentativa de fraude à lei com a conversão em contratos de trabalho sem termo afigura-se razoável."

        Concluiu-se, pois, que

        "o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição, não imporá, pois, necessariamente, mesmo para os trabalhadores com contrato a termo certo regulado pelo direito privado, a previsão de uma sanção da conversão destes contratos em contratos de trabalho sem termo, como único meio de garantir tal segurança. E, portanto, não poderá reconhecer-se uma imposição constitucional de um regime de conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como forma de cumprimento do dever de protecção da segurança no emprego, a cargo do Estado".

      2. Considerou-se, depois, que, ainda que se entendesse que "na Constituição da República se funda uma imposição de conversão ope legis dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, após a ultrapassagem dos respectivos limites temporais máximos, como regime indispensável para assegurar a segurança no emprego", todavia, no domínio da relação jurídica de emprego público, a conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo não é constitucionalmente imposta.

        Em primeiro lugar,

        "quer pelas diferenças gerais que há que reconhecer entre a relação jurídica de emprego público e a relação jurídica laboral de direito privado, quer, designadamente, pela necessidade de compatibilizar o regime da primeira com exigências constitucionais relativas especificamente ao acesso aos empregos públicos, como a resultante do artigo 47º, n.º 2, da Constituição."

        Depois de apontar, a título exemplificativo, algumas diferenças de regime jurídico entre a relação jurídica de emprego público e a relação jurídica de emprego privado, o Acórdão n.º 683/99 deu conta da jurisprudência constitucional que abordou a especificidade daquela primeira e que reconheceu expressamente a possibilidade de a Administração Pública recorrer à celebração de contratos a prazo não convertíveis em contratos sem prazo, transcrevendo extractos do Acórdão n.º 340/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Novembro de 1992)

        ["(...) se existem funções e tarefas administrativas cujo desempenho pressupõe um carácter profissional e permanente no seu exercício outras há que se compatibilizam com um estatuto precário e de duração limitada"],

        do Acórdão n.º 345/93...

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