Acórdão nº 421/99 de Tribunal Constitucional (Port, 30 de Junho de 1999
Magistrado Responsável | Cons. Mota Pinto |
Data da Resolução | 30 de Junho de 1999 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
ACÓRDÃO Nº 421/99 Processo n.º 93/98 2ª Secção
Relator ? Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
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Relatório 1. A Soc., Ldª, proprietária do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua ... ,n.º... , propôs em Setembro de 1993 no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa acção declarativa de preferência com processo sumário contra Man. e mulher, M., e contra J., por este ter adquirido, por cessão, a posição de arrendatário dos primeiros réus no escritório sito no 4º andar, lado frente, do mencionado imóvel, e pedindo, com fundamento no artigo 116º, n.º 1, do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aplicável por remissão do artigo 117º (agora 121º) do mesmo diploma, a ?substituição da ora A. na posição que o 3º R. assumiu quanto à metade indivisa do direito de arrendamento do escritório em causa?.
Em Fevereiro de 1995 a acção foi julgada improcedente e, em consequência, foram os réus absolvidos do pedido.
Inconformada, a ora recorrente apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa e, nas alegações que então produziu, sustentou que
?a ter feito a douta sentença correcta interpretação do direito de preferência em causa, seriam, além do mais, inconstitucionais os arts. 116º a 118º (actuais 116º a 121º) do RAU, por violação dos arts. 62º e 13º n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa?.
No seu Acórdão de 11 de Março de 1997, o Tribunal da Relação de Lisboa, ponderou que
?o artº 117º [do RAU] além de não excluir o artº 115º, manda aplicar aos arrendamentos para o exercício de profissões liberais ? nos quais admite o trespasse ? o artº 116º, entre outros.
Só que este artº 116º, ao conceder direito de preferência ao senhorio, refere apenas a hipótese de trespasse, e não a de cessão.
Donde, só se pode concluir que só havendo trespasse, mesmo em caso de arrendamento para exercício de profissões liberais, é que o senhorio tem direito de preferência; já não o tem, pois a lei não lhe concede, na hipótese de só haver cessão da posição de arrendatário, como é o caso dos autos.?
Acresce que, segundo esse aresto,
?exigindo a lei, para o que ora releva, ao cessionário, a continuidade da mesma actividade ? profissão ? no arrendado, não podendo a autora, a senhoria, dar continuidade à actividade de exercício de advocacia no locado [?] jamais gozaria a ?Soc., Ldª? do direito de preferência invocado na cessão da posição do co-arrendatário Man..?
Em consequência, o Tribunal da Relação negou provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida e negando que a interpretação perfilhada para o artigo 117º (actual artigo 121º) do RAU fosse inconstitucional.
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Deste Acórdão interpôs a Soc., Ldª recurso para o Tribunal Constitucional.
Como o requerimento de interposição do recurso não satisfazia os requisitos do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, foi a recorrente convidada a indicar os elementos previstos nesse preceito legal. Na resposta a tal convite, sustentou que
?a terem o alcance que lhes foi dado na douta sentença e acórdão recorridos, os artigos 122º e 120º do R.A.U., violam, nomeadamente, os arts. 62º e 13º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa?.
Nas alegações que apresentou junto deste Tribunal, a recorrente concluiu do seguinte modo:
?Conclusões
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A doutrina recusa a figura do trespasse do locado para exercício de profissão liberal.
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Um escritório de advocacia não se pode configurar como um estabelecimento susceptível de trespasse.
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O ?trespasse? de um escritório de advocacia implicaria a transmissão dos seus elementos tais como equipamentos, biblioteca, ficheiros e a assunção dos próprios contratos dos empregados (?teoria da empresa?).
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A Lei 42/90, de 10 de Agosto, não autorizou o Governo a criar a figura do trespasse em transmissão da posição de locatário de profissão liberal.
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A Lei apenas autorizou o Governo ? al j) ? a aperfeiçoar as regras aplicáveis aos trespasses de arrendamentos comerciais.
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O douto acordão recorrido considerou que o RAU introduziu a figura de trespasse em arrendamentos de profissão liberal.
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Por essa interpretação entendeu que só em caso de trespasse de arrendamento para o exercício de profissão liberal é que o RAU passou a admitir o direito de preferência do senhorio.
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Frisou-se que, no caso dos autos, não ocorreu um trespasse mas a declarada cessão (parcial) da posição de arrendatário.
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Recusou-se, assim, e com este primeiro argumento, o peticionado direito de preferência.
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Trata-se de uma interpretação dos arts. 117º (121º) e 118º (122º) do RAU que, para além de não enquadrável com a nossa ordem jurídica, dada a referida Lei de autorização, estava, além de mais, ferida de inconstitucionalidade orgânica.
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O douto acordão recorrido utilizou, como argumento suplente, para negar também o exercício, pela autora, do direito de preferência, o facto de esta ser uma sociedade comercial e a cessão só poder operar-se para ?o arrendatário? que, no local, continue a mesma actividade.
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Tratou-se de uma cessão parcial do direito ao arrendamento em que o recorrido, co-arrendatário de parte indivisa, adquiriu, por 400.000$00, a posição de arrendatário da parte restante do locado.
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Um senhorio, quando exerce o direito de preferência num trespasse, ou numa cessão, total ou parcial, nunca pode assumir a posição da trespassário ou de cessionário.
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O exercício, pelo senhorio, do direito de preferência, acarreta, do ponto de vista jurídico e em concreto, a correspondente e inapelável extinção do arrendamento em causa.
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Com o devido respeito não faz qualquer sentido pressupor-se que o senhorio, ao exercitar o direito de preferência tenha de continuar, no seu prédio, o negócio ou actividade anterior.
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Extinto o arrendamento pelo exercício do direito de preferência, o senhorio faz do prédio o que bem entender e for legal.
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O art. 116º do RAU, ao restaurar o direito de preferência do senhorio em caso de trespasse ou de cessão da posição de arrendatário, não exigiu, o que seria uma aberração jurídica, e nulidade directa, que o (preferente) senhorio tivesse de assegurar a continuação do mesmo ramo de negócio ou actividade.
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A legitimidade activa, para impedir um falso trespasse ou cessão, cabe apenas ao senhorio através da acção de resolução ou declaração de nulidade de tal negócio.
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Aos Tribunais não cabe, sequer, uma ?fiscalização preventiva? do que se poderá passar no locado após o exercício do direito de preferência do senhorio.
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Ainda que, por absurdo, oficiosamente, os Tribunais pudessem proceder a esse prévio ?expurgo?, isso constituía sempre uma violação do princípio de igualdade entre os cidadãos.
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Tem havido alguma resistência, de parte da jurisprudência, para admitir o exercício do direito de preferência por senhorio que não possa vir a ?exercer?, no local, o mesmo ramo de comércio, indústria ou de actividade.
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Com o maior respeito, para além do absurdo jurídico, que já se salientou, (?senhorio? ?trespassário? ou ?cessionário? do seu próprio contrato) isso correspondia a estabelecer distinção entre a classe dos senhorios.
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Extremamente reduzidas serão, aliás, as situações em que um senhorio tenha a profissão liberal ou que seja comerciante ou industrial como o seu arrendatário.
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A coincidência é, neste domínio, rara, e até pouco possível.
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No rigor de tal exigência, só um senhorio comerciante ou industrial podia ser ?trespassário? de uma loja ou fábrica.
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No sério, em sustentação de tal tese, só um senhorio advogado, médico ou arquitecto, podia exercer a preferência na cessão de um escritório ou gabinete se fosse ?oficial do mesmo ofício?.
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Está à vista que, mesmo admitindo essa espantosa tese de ?negócio do senhorio consigo mesmo?, tal interpretação representava, na prática, esvaziar, melhor, ?liquidar?, o restaurado direito de preferência.
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Demais, o RAU apenas exige, como requisito para o exercício de direito de preferência, a qualidade de senhorio, o exercício atempado de tal direito e o depósito do valor do trespasse ou cessão. Nada mais!
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A interpretação do douto acordão, mesmo adentro de tal inadmissível tese, vem introduzir uma clara distinção e discriminação entre a classe dos senhorios.
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Um senhorio que seja arquitecto não podia preferir na cessão de um escritório de advocacia instalado num seu prédio por não ter o grau académico de advogado ou vice-versa.
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Um senhorio, firma comercial, porque, social e economicamente, tem tal estatuto, não podia preferir na cessão de um escritório de advogados, porque não tem o grau académico de advocacia e não é sociedade de advogados.
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A discriminação, adentro da classe dos senhorios, mercê de tais atributos ou qualidades, constitui violação do n.º 2 do art. 13º da Constituição da República Portuguesa.
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A interpretação ?travão? do douto acórdão viola, além do mais, o próprio art. 62º n.º 1 da CRP.
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No rigor dos princípios jurídicos, o exercício do direito de preferência pelo senhorio acarreta a extinção total ou parcial desse arrendamento.
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A interpretação do acordão, ainda que douto, mesmo que fosse cogitável a figura de senhorio-trespassário ou senhorio-cessionário, impedia a recuperação pelo senhorio da propriedade arrendada.
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O direito de propriedade só pode ser limitado ou impedido no seu exercício pelas formas que a lei fixa taxativamente.
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O douto acordão negando, no caso, o direito e preferência, toma a iniciativa de ?não licenciar? a futura fruição do senhorio sobre a sua propriedade.
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O exercício da preferência pelo senhorio não prejudica o cedente ou o recorrido e a decisão em causa representa uma defesa oficiosa do negócio havido.
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No caso de proceder a preferência, o aqui recorrido continua a fruir metade indivisa do locado, continuando a laborar aí e é-lhe devolvida a quantia (simbólica) que declarou ter pago: 400 contos.
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A intenção do legislador, ao reintroduzir o direito de preferência, foi exactamente, como é expresso no preâmbulo do DL 321-B/90, de 15 de Outubro, a de evitar as fraudes em tais transmissões e permitir que o senhorio...
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