Acórdão nº 508/99 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Setembro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução21 de Setembro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 508/99

Processo nº 205/98

  1. Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Pelo despacho de 22 de Abril de 1996 do 10º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, de fls. 11, foram liminarmente indeferidos os embargos de terceiro deduzidos por T... no processo de execução, devidamente identificado nos autos, movido contra o marido, V... e outros pelo Banco N..., S.A., baseado numa letra aceite por aquele, no qual fora penhorada a casa de morada de família, bem comum do casal.

    No essencial, a embargante alegou que, não sendo o bem penhorado exclusivamente do executado, deveria ser também parte no processo de execução ou, então, haveria de ser citada para requerer a separação de bens, nos termos no nº 2 do artigo 825º do Código de Processo Civil, na redacção então vigente, "o que não foi feito".

    A rejeição baseou-se, fundamentalmente, na falta de alegação e prova da data em que a embargante teve conhecimento da realização da penhora, uma vez que os embargos foram deduzidos mais de vinte dias volvidos sobre essa realização (artigo 1039º do Código de Processo Civil, em vigor na altura); mas, acrescenta o despacho, sempre improcederiam, por um lado, por não haver lugar à moratória prevista no nº 1 do artigo 1696º do Código Civil, na versão vigente na altura, porque "nos termos do art. 17º da Lei Uniforme de Letras e Livranças(...)não pode o executado(...) vir a alegar que a letra dada à execução é uma letra de favor(...), assim como não pode a aqui embargante vir invocar esse facto para afastar o proveito comum do casal" e, por outro, porque ainda não tinha chegado o momento de a embargante ser citada para pedir a separação de bens.

    Inconformada, a embargante recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, pelo despacho de fls. 54, confirmado pelo acórdão de fls. 61, de 5 de Junho de 1997, embora pronunciando-se no sentido de os embargos terem sido deduzidos em tempo, julgou "findo o recurso, pelo não conhecimento do seu objecto, nos termos do art. 700º nº 1 al. e) do CPC, por força dos arts. 4º e 27º do DL 329-A/95 de 12/12", que mandam aplicar às causas pendentes a nova redacção dada por este diploma ao artigo 1696º do Código Civil, que eliminou a moratória forçada invocada pela embargante.

    Para o efeito, o Tribunal da Relação de Lisboa desatendeu a alegação de inconstitucionalidade do citado artigo 27º do Decreto-Lei 329-A/95, constante da resposta de fls. 46, por violação "do princípio do duplo grau de jurisdição que enforma a Constituição da República" e do "artº 20º da Constituição da República, na justa medida em que impede à ora embargante o acesso ao direito e aos tribunais", por não ter tomado "em conta as dimensões inerentes ao princípio da não retroactividade".

    De novo recorreu a embargante, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, que julgou procedente o recurso. Considerando inconstitucional "o disposto no artº 27º do Dec.-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, aditado pelo Dec.-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro (...) seja enquanto legislou em matéria de reserva relativa da Assembleia da República sem a necessária autorização (artº 168º, nº 1, al. b), com referência ao artº 67º, nº 1, al. a), seja enquanto veio diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial de um direito social (artº 18º, nº 3, terceiro segmento, com referência ao artº 67º, nºs 1 e 2, al. a), seja enquanto atribuiu efeito retroactivo a uma lei restritiva de um direito social [artº 18º, nº 3, segundo segmento, com referência ao artº 67º, nºs 1 e 2, al. a)], tudo com ofensa dos princípios do Estado de direito democrático e da confiança dos cidadãos face ao poder legislativo, ínsitos no artº 2º, todos estes artigos da Constituição da República".

    Assim recusou a aplicação do artigo 27º do Decreto-Lei nº 329-A/95 e concedeu provimento ao recurso, determinando que o Tribunal da Relação de Lisboa, "se possível, conheça do objecto do agravo que deixou de conhecer".

  2. Recorreu então o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, "na justa medida em que (o acórdão recorrido) julgou ferido de inconstitucionalidade orgânica e material o artigo 27º., do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro (aditado pelo artigo 6º., do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro), cuja aplicação, consequentemente, recusou".

    O recurso foi admitido no Supremo Tribunal de Justiça.

    Notificado para alegar, o Ministério Público veio, em síntese, sustentar que estava fundamentalmente em causa uma questão de aplicação no tempo de uma lei processual, uma vez que o objecto do recurso se circunscreve à questão da eventual inconstitucionalidade "da norma de direito transitório especial constante do artigo 27º do Decreto-Lei 329-A/95, de 12 de Dezembro (na redacção emergente do Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro), decorrente da nova redacção dada ao artigo 1696º, é imediatamente aplicável, mesmo no âmbito das execuções já pendentes à data da entrada em vigor da reforma do processo Civil, operada por aqueles diplomas legais".

    Dubitativamente, coloca a hipótese de se ter de considerar restrito o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Supremo Tribunal de Justiça " se e enquanto o bem comum penhorado fosse a própria casa de morada de família". Parece optar pela solução afirmativa, embora refira que, na decisão, não figura "tal especificação ou concretização", atendendo à justificação apresentada ao longo do acórdão.

    Assim delimitado o objecto, o Ministério Público afasta, quer a inconstitucionalidade orgânica, quer a inconstitucionalidade material.

    Quanto à primeira, não ocorre "já que uma norma com a estrutura da desaplicada neste processo – de natureza estritamente procedimental e assumindo-se como disposição de direito transitório especial, vigente apenas no domínio do direito adjectivo – nunca poderia situar-se no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia da República. (...) a regulação do processo civil executivo situa-se inteiramente no âmbito da competência legislativa concorrente da Assembleia da República e do Governo".

    Quanto à segunda, resumindo, o Ministério Público contesta a aplicabilidade do regime...

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