Acórdão nº 199/12 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução24 de Abril de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 199/2012

Processo n.º 45/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A., recorreu para a Relação do Porto do despacho proferido em 5 de março de 2010 no Tribunal Judicial de Espinho pelo qual, deferindo pedido formulado pelo exequente, o juiz ordenou a substituição da recorrente, enquanto agente de execução, pelo solicitador Rui Sá. A Relação do Porto negou provimento ao recurso, por acórdão de 18 de novembro de 2010, nos seguintes termos:

      “ No recurso interposto não vem posto em causa o exercício do direito que a lei confere ao exequente de substituir livremente o agente de execução – como refere expressamente a apelante na sua alegação de recurso –, mas tão-somente a inconstitucionalidade material da norma – nº 6 do Artº 808º – que, em sua opinião, interpretada literalmente como fez o Tribunal recorrido, viola os referidos preceitos constitucionais, “já que ofende os seus direitos pessoais de natureza profissional, assim como ofende a integridade de um sistema judicial de execução das decisões judiciais e de outros títulos executivos de que a própria Recorrente faz parte integrante” – (Sic).

      São as seguintes as normas (legais e constitucionais) em causa:

      Artº 808º nº 6 do CPC: - O agente de execução pode ser livremente substituído pelo exequente ou, com fundamento em atuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave de dever que lhe seja imposto pelo respetivo estatuto, destituído pelo órgão com competência disciplinar sobre os agentes de execução.

      Artº 20º nº 4 da CRP: - Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

      Artº 202º nº 2 da CRP: - Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

      Artº 203º da CRP: - Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.

      A questão é agora a de saber se a norma legal ínsita no CPC – nº 6 do Artº 808º –, viola algum ou alguns daqueles preceitos constitucionais.

      A nossa resposta é desde já que tal norma legal não está ferida de inconstitucionalidade.

      (…)

      Sendo verdade que a lei confere aos Agentes de execução uma função de Oficial Público, a verdade é que, ao contrário do que parece entender a recorrente, o Agente de execução não exerce uma função jurisdicional no processo executivo, pois não é “Tribunal” enquanto órgão de soberania.

      Tribunal, enquanto órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, é apenas e tão-somente os Juízes (de quaisquer Tribunais), e os Jurados — Artºs 202º, 203º e 207º da CREP.

      Todos os outros agentes e autoridades intervenientes (por qualquer forma) na administração da justiça, integrando ou podendo integrar a noção “lactu sensu” de Tribunal, não exercem qualquer função jurisdicional, a qual é reserva dos Juízes e Jurados.

      Daí que o Agente de execução não é na ação executiva uma primeira instância de decisão, nem a lei o tratou como tal, como diz a recorrente, nem tal se pode inferir de na alínea c) do nº 1 do Artº 809º do CPC o legislador ter atribuído competência ao Juiz da causa para julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, pelo simples facto de “as decisões do Agente de execução” não terem natureza jurisdicional, ou seja, não lhe caber “dizer o direito”, função que apenas cabe ao Tribunal/Juiz no interesse e defesa do cidadão.

      A função decisória relativamente a determinados atos ou requerimentos das partes no processo executivo (e que podem ser objeto de reclamação ou impugnação para o Juiz da causa), sendo da competência do Agente de execução, não constituem verdadeiros julgamentos das questões cujo conhecimento lhes é submetido, pois não têm natureza jurisdicional.

      Diz a recorrente, que os Agentes de execução devem, também eles, em primeira linha garantir a legalidade e o direito, em estrito cumprimento da lei, assegurando os direitos de uns em face dos direitos e interesses de outros.

      Pois devem.

      Mas, esse é um dever de todo e qualquer agente que exerça uma função de Oficial Público, e não do Agente de execução em particular, que nada tem a ver com a função jurisdicional do Tribunal.

      Atrevemo-nos até a dizer, que esse é um dever de todas as entidades, públicas e privadas, e de todos os cidadãos que verdadeiramente exercem a cidadania.

      Em conclusão, a reforma da ação executiva de 2008 operada pelo DL-226/2008 de 20 de novembro, aprofundou uma desjurisdicionalização do processo executivo em relação à reforma da ação executiva de 2003, mas nem desjudicializou a ação executiva, nem cometeu qualquer função jurisdicional ao Agente de execução.

      Onde radica então “in casu”, no dizer da recorrente, a inconstitucionalidade da dita norma legal?

      Alega a recorrente, que tal norma – nº 6 do Artº 808º do CPC –, ao permitir que o exequente possa livremente substituir o Agente de execução, e face a todos os poderes/deveres processuais do Agente de execução já acima enunciados e tratados, tal substituição colide com a independência necessária à boa prática da gestão dos processos, já que os Agentes de execução devem ser independentes e imparciais pela aplicação daqueles normativos constitucionais que impõem essa mesma independência e imparcialidade aos Tribunais.

      Essa independência e imparcialidade fica em causa, no dizer da recorrente, porque ao poder substituir livremente o Agente de execução, o exequente passa a ter o mais completo e amplo poder sobre o processo, poder do qual o Agente de execução é obrigado a abdicar, por decair perante a mais elementar dependência – a económica –, já que é um profissional liberal (embora depositário de funções públicas), e que fiscal e comercialmente agem no mercado como verdadeiras empresas ou comerciantes, em concorrência aberta.

      Essa limitação, como qualquer outra, na independência ou imparcialidade dos Agentes de execução, ofende a garantia do due process, e com isso ofende virtualmente os direitos de todos os executados.

      Acrescenta que “... a imparcialidade e independência de quem tem a seu cargo a gestão do processo é claramente condenada com a possibilidade constante daquela disposição do CPC, inviabilizando, em abstrato, o exercício de funções públicas com o necessário afastamento e serenidade, essenciais à boa tramitação processual e à garantia dos direitos de todas as partes envolvidas...

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