Acórdão nº 25/11 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução12 de Janeiro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 25/2011

Processo n.º 120/10

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é recorrente o Ministério Público e recorridos A. e o Município de Lisboa, foi interposto recurso obrigatório de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal na parte em que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição (e não do artigo 218.º, n.º 3, como por lapso se refere no requerimento de interposição do recurso), das normas dos artigos 9.º, n.º 1, alínea e), e 25.º do “Regulamento Municipal do Licenciamento do Exercício e da Fiscalização da Actividade de Guarda-Nocturno” (aprovado pela Deliberação n.º 65/AM/2005, publicado no Boletim Municipal da Câmara Municipal de Lisboa, 2.º Suplemento ao Boletim Municipal n.º 589, de Junho de 2005), quando interpretadas no sentido de que «a condenação pela prática de crime doloso determina automaticamente a revogação das licenças para o exercício da actividade profissional de guarda-nocturno».

  2. O representante do recorrente Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou alegações onde conclui o seguinte:

    1. É exigência constitucional, por força do n.º 4 do artigo 30.º da Constituição, que da aplicação de uma pena ou de condenação por um crime, não pode resultar como consequência automática e imediata, a perda de direitos, à revelia da culpa do agente infractor e das necessidades de prevenção.

    2. Apesar do vínculo laboral altamente precário que, nos termos do Regulamento Municipal do Licenciamento do Exercício e de Fiscalização de Actividade de Guarda-Nocturno, do Município de Lisboa, os guardas–nocturnos detêm, essa actividade não pode deixar de se considerar um “direito profissional” para efeitos da sua inclusão no âmbito da protecção daquela norma constitucional.

    3. Assim, as normas do artigo 9.º, n.º 1, alínea e), e 25.º do referido Regulamento, quando interpretadas no sentido de que a condenação pela prática de um crime doloso determina automaticamente a revogação das licenças para o exercício da actividade profissional de Guarda-Nocturno, são inconstitucionais por violação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.

    4. Termos em que deve confirmar-se a decisão recorrida.

  3. O recorrido A. não contra-alegou.

  4. Na sequência do despacho de fls. 285 e pelas razões nele constantes, foi notificado o Município de Lisboa para contra-alegar, tendo este apresentado contra-alegações, onde conclui o seguinte:

    1. Estabelece o artigo 9.°, n.° 1, alínea e), do Regulamento Municipal do Licenciamento do Exercício e da Fiscalização da Actividade de Guarda-Nocturno, que são requisitos de admissão a Concurso para atribuição de licença de exercício da actividade de guarda-nocturno não ter sido condenado, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso.

    2. Conforme preceituado no artigo 25.°, do mesmo Regulamento, as licenças concedidas podem ser revogadas pela Câmara Municipal, a qualquer momento, com fundamento no incumprimento das regras estabelecidas para a respectiva actividade e na inaptidão do seu titular para o respectivo exercício.

    3. O artigo 9.° do Regulamento Municipal do Licenciamento do Exercício e da Fiscalização da Actividade de Guarda-Nocturno, nomeadamente a sua alínea e), estabelece como um dos requisitos de admissão “Não ter sido condenado, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime doloso”.

    4. Através de sentença proferida em 17 de Outubro de 2007, pelo 1.° Juízo Criminal de Lisboa, 2. Secção, no âmbito do Processo Judicial n.° 330/05.5PGAMD foi a acusação imputada ao Requerente/Recorrido, de crime de dano previsto e punido pelo artigo 212.°, n.°1, do Código Penal, julgada totalmente procedente, por provada, e nessa medida condenou-o numa pena de 90 dias de multa, ou, em alternativa, a 60 dias de prisão, tendo a mesma transitado em julgado no dia 14 de Julho de 2008.

    5. Os requisitos de admissão, isto é, a aptidão do titular da licença, são verificados no momento do concurso para atribuição da licença e em qualquer momento da validade desta, pois não faria sentido que, em qualquer momento do seu período de validade o seu titular deixasse de reunir os requisitos de admissão e pudesse continuar a exercê-la.

    6. A Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, que veio estabelecer o novo regime das armas e suas munições, estabelece no seu artigo 14.°, n.°1, que a licença B1 [que habilita o seu portador ao uso e porte das armas da classe B1 e E] só pode ser concedida a quem seja maior de 18 anos e preencha ainda, cumulativamente, os requisitos ali previstos, dos quais decorre “(...) c) Sejam idóneos; (...)”.

    7. Para efeitos de apreciação do requisito idoneidade estabelecido naquela alínea c), refere o artigo 14.º, n.° 2, da mesma Lei que, “ 2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 30.º da Constituição e do número seguinte, para efeitos da apreciação do requisito constante na alínea c) do número anterior, é susceptível de indiciar falta de idoneidade para efeitos de concessão da licença o facto de ao requerente ter sido aplicada medida de segurança ou condenação judicial pela prática de crime”.

    8. A remissão que o sobredito normativo faz para o artigo 30.°, da Constituição da República Portuguesa está relacionada com os «chamados efeitos da condenação» enquanto efeitos legalmente determinados derivados de uma condenação, invocados na douta sentença sob recurso, e que se traduz na proibição de que à condenação em certas penas se acrescente, de forma automática e mecânica, apenas por força da lei, a perda de quaisquer direitos civis, profissionais e políticos, tal como preceituado no artigo 30.°, n.° 4, da Lei Fundamental.

    9. Este princípio jurídico-constitucional que decorre da ideia político-criminal de retirar às penas qualquer efeito infamante ou estigmatizante, e do dever do Estado de favorecer a socialização do condenado, não invalida, porém, que, por força de lei formal, à condenação por um crime e à imposição de pena respectiva, não acresçam outros efeitos.

    10. A questão que aqui se coloca não colide, como recentemente se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 243/2007, de 30 de Março, com a exigência constitucional (de proibição de efeitos necessários das penas) enunciado naquele artigo 30.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa.

    11. Tendo-se em tal aresto julgado não inconstitucional a norma constante do artigo 1.º, n.° 2, alínea c), da Lei n.° 22/97 de 27 de Junho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 93-A197, de 22 de Agosto, entretanto revogada pela Lei n.° 5/2006 de 23 de Fevereiro.

    12. Neste Acórdão o Tribunal Constitucional debruçou-se, especificamente. sobre a exigência da obtenção (ou renovação) das licenças de uso e porte de armas ficar condicionada à verificação cumulativa, entre outros, de o requerente não ter sido alvo de medidas de segurança ou condenado judicialmente por qualquer dos crimes nem por quaisquer infracções ali elencados.

    13. O Tribunal Constitucional, no aludido Acórdão, considerou que “(...) o uso de e porte de arma ... não constitui um «direito», tratando-se, antes, de uma actividade cujo exercício é condicionado à prévia titularidade de uma licença” não se verificava qualquer violação daqueles princípios constitucionais.

    14. Explicitando-se, ainda, no mesmo Acórdão, que “(...) não...

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