Acórdão nº 179/11 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução12 de Abril de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 179/2011[1]

Processo n.º 83/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público e Outros, foi proferida a Decisão Sumária n.º 178/2009 de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 1593/1596 dos autos):

    (…) 3 – Integrando-se o caso sub judicio no âmbito normativo delimitado pelo artigo 78.º-A, n.º1, da LTC, e atento igualmente o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos termos seguintes.

    4 – Como é consabido, o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, apenas pode traduzir-se em questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efectiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.

    Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) do recurso de constitucionalidade, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. José Manuel M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição revista, Coimbra, 2007, pp. 76 e segs., e, entre outros, os Acórdãos n.º 352/94, publicado no Diário da República II Série, de 6 de Setembro de 1994, n.º 560/94, publicado no mesmo jornal oficial, de 10 de Janeiro de 1995 e, ainda na mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000).

    Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade há-de poder, efectivamente, reflectir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas se afigura possível quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.

    Ora, resulta claramente da decisão recorrida, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Dezembro de 2007, que o Tribunal a quo não fez aplicação da norma sindicanda, por considerar existir “trânsito em julgado da decisão lavrada sobre o conflito pelo Tribunal da Relação de Guimarães”, adiantando, em função disso, que tal “impede que se conheça agora dessa tardia alegação de inconstitucionalidade, pois tal decisão não pode mais ser alterada por via de recurso ordinário”.

    Nessa medida, não vindo impugnada, sub species constitutionis, a(s) norma(s) que constituem ratio decidendi do Acórdão recorrido, subjacentes à decisão de existência de caso julgado quanto a tal questão, não pode este Tribunal, pelo motivo indicado, tomar conhecimento do objecto do recurso.

    5 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do recurso. (…)

  2. Após diversos incidentes processuais, de que agora não releva dar nota, foi a recorrente notificada desta decisão sumária, tendo, na sequência, apresentado reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:

    (…) A., agente da PSP, arguida nos autos em epígrafe, que lhe move o digno Magistrado do Ministério Público, notificada da decisão de fls., vem deduzir reclamação para o relator e, subsidiariamente, para a conferência, apresentando esta reclamação também subsidiariamente em relação ao questão da inexistência jurídica da decisão de 1.ª instância, que está já a ser discutida no processo — a qual é questão prévia e acarretará, se procedente, a inutilidade superveniente da presente reclamação — o que faz nos termos seguintes, arguindo a inexistência e, subsidiariamente, a nulidade da decisão ora reclamada.

    Da inexistência jurídica

    1-Quanto ao primeiro pretenso crime de burla

    A - Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado

    1.º

    Os presentes autos resultaram de uma queixa apresentada por três indivíduos, de nome Jorge Miguel Baptista Vieira, António Fernandes de Araújo e Manuel Agostinho Cruz Magalhães, os quais «tendo [...] aceitado] encontros “amorosos”» (facto 9 da matéria provada em julgamento)», desde o «início» quiseram ter e tiveram «namoro» (facto 18 da matéria provada em julgamento) e «relacionamento sexual», em «muitos encontros ocorridos» com as arguidas (facto 13 da matéria provada em julgamento).

    2.°

    Esses indivíduos instigaram mesmo à prática do crime de aborto, então previsto e punido pela lei portuguesa (facto 20 da matéria provada em julgamento).

    3.º

    O certo é que, ao cabo de cerca de um mês, o namoro e «relacionamento sexual», em «muitos encontros ocorridos» (facto 13 da matéria provada em julgamento) entre a Palmira e o queixoso Vieira teve problemas e a ora requerente foi solicitada a servir de «mediadora do conflito» entre esse par de namorados (queixa apresentada pelo Vieira e pelo Araújo em 12 de Agosto de 1999) e, honrando o compromisso que assumiu, a arguida ora requerente «sempre se comportou como líder» (facto 24 da matéria provada em julgamento) na solução desse conflito e teve, aliás que insistir para que o contrato que veio a ser celebrado fosse cumprido (facto 29 da matéria provada em julgamento).

    4.º

    O queixoso Vieira, dos «todos casados, com vida familiar estável, e homens de sólida condição sócio-económica» (facto 9 da matéria provada em julgamento), quis «sossegar a Palmira e evitar que revelasse o relacionamento sexual» que ele mantinha com essa namorada, também arguida.

    5.º

    Depois de passar por «muitas peripécias» (facto 25 da matéria provada em julgamento), mas a contento de todos, designadamente do queixoso Vieira e da Palmira, a requerente, «guarda Eduarda, na qualidade de mediadora do conflito, acordou com os três indivíduos que o Araújo depositaria a quantia de 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos) na conta da mesma» (queixa apresentada e assinada pelo Vieira e pelo Araújo, em 12 de Agosto de 1999).

    6.°

    Assim, houve um «acordo feito» (facto 34 da matéria provada em julgamento), celebrado no dia 2 de Agosto de 1999 (facto 22 da matéria provada em julgamento). Sublinhe-se «ACORDO feito».

    7.º

    Este «acordo feito» é um Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, que é um contrato de Direito Civil, permitido pelo artigo 405.° do Código Civil Português e com a forma legal prevista no artigo 2l9.° do mesmo diploma, celebrado entre a arguida Palmira e o queixoso Vieira, com a mediação da ora requerente.

    8.°

    Provadas na audiência de julgamento, as principais cláusulas desse Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado, de 2 de Agosto de 1999, celebrado ao abrigo do Direito Civil, são: Cláusula 1.ª - A Palmira compromete-se a não revelar «o relacionamento sexual mantido com o Jorge Vieira», com quem manteve um «namoro», prescindindo, nessa parte, do direito constitucional de informar a sua família e/ou a família do Vieira ou quaisquer terceiros acerca desse namoro e desse relacionamento sexual, e prescindindo também do direito constitucional de expressão sobre o mesmo namoro e o mesmo relacionamento sexual, nomeadamente não escrevendo crónica ou livro sobre o assunto (facto 25 da matéria provada em julgamento); Cláusula 2.ª - Em compensação por essa obrigação de silêncio perpétuo e supressão dessa eventual fonte de rendimento por direitos autorais para a Palmira, o Vieira compromete-se a pagar à Palmira, imediatamente e de uma só vez, a quantia de 30.000.000$00 (factos 25 e 26 das matéria provada em julgamento); Cláusula 3.ª - O pagamento é feito mediante depósito na conta da «guarda Eduarda, na qualidade de mediadora do conflito» (queixa apresentada e assinada pelo Vieira e pelo Araújo, em 12 de Agosto de 1999, e facto 29 da matéria provada em julgamento).

    B — Contrato de Mútuo

    9.º

    O queixoso Vieira não tinha o dinheiro necessário para fazer o pagamento imediato a que se comprometera pelo Contrato de Confidencialidade de Namoro e Relacionamento Sexual com Homem Casado e, por isso, pediu o dinheiro emprestado ao outro queixoso, o Araújo (facto 27 da matéria provada em julgamento).

    10.º

    A este pedido de empréstimo feito pelo queixoso Vieira o queixoso Araújo disse «que sim», tendo passado a existir entre ambos o contrato de mútuo (facto 27 da matéria de facto provada em julgamento).

    11.º

    Por isso, em 3 de Agosto de 1999, no âmbito das relações de contrato de mútuo entre os dois e sem a presença da requerente, o queixoso...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT