Acórdão nº 311/12 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Junho de 2012

Data20 Junho 2012
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º311/2012

Processo n.º 858/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foram interpostos dois recursos de constitucionalidade, ambos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores, adiante designada LTC).

    O primeiro recurso (admitido no tribunal recorrido por despacho de fls. 950), foi apresentado nos seguintes termos:

    (…) A., arguido nos presentes autos, não se conformando com o acórdão de 25/10/2011, que julgou improcedente a exceção de caso julgado non bis in idem, dele pretende interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

    O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro.

    O recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 498.º do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal (caso julgado non bis in idem) com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida.

    Tal norma viola o artigo 29.º, n.º 5 da Constituição da República.

    A questão da inconstitucionalidade fora suscitada no processo, concretamente, em requerimento autónomo apresentado pelo arguido no Tribunal da Relação de Lisboa.

    O recurso sobe imediatamente, nos próprios autos com efeito suspensivos — art.º 78.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional (…)

    .

    O segundo recurso (admitido no tribunal recorrido por despacho de fls. 959) tem o seguinte teor:

    (…) A., arguido nos presentes autos, não se conformando com o douto acórdão de 28/06/2011, que julgou o recurso procedente apenas parcialmente, dele vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

    O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro.

    O recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 07/07/1989; alínea a) do n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 13 de março; artigos 97.º, n.º 1 alínea a); 374.º n.º 2 e 379.º, n.º l alínea a) do Código de Processo Penal, com a interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida.

    Tal interpretação viola os artigos 18.º, n.º 2; 47.°, n.º 1; 58.°, n.º 1; 30.º, n.º 4 e 32.º, n.º 1 e 5.º e 165.º, n.º 1 alínea b) da Constituição.

    As questões da inconstitucionalidade foram suscitadas no processo, designadamente, na contestação apresentada pelo arguido em 1.ª Instância e nas alegações de recurso endereçadas ao Tribunal da Relação de Lisboa. (…)

  2. Por despacho de fls. 964 foram as partes notificadas para alegações, bem como para se pronunciarem sobre a eventualidade de não conhecimento do objeto dos recursos na parte aí identificada.

  3. O recorrente apresentou alegações no primeiro recurso acima referido (interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.6.2011), pugnando pelo conhecimento do seu objeto e concluindo que «o acórdão recorrido violou o artigo 498.º do Código de Processo Civil e o artigo 29.º, n.º 5, da Constituição».

    E apresentou alegações no segundo recurso acima referido (interposto do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.6.2011), onde conclui o seguinte:

  4. O artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de março, no seu n.º 1, alínea a), estabelece “Não podem ser inscritos, os que não possuam idoneidade moral para o exercido da profissão e, em especial tenham sido condenados por qualquer crime desonroso”.

  5. Por sua vez, o artigo 165.º da CRP sobre a epigrafe Reserva relativa de competência legislativa, no seu n.º1 alínea b) estabelece “é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: b) Direitos, liberdades e garantias

  6. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3.ª Edição, Coimbra Editora, ano 1993, p. 261 e 262, “A liberdade de escolha de profissão é um direito fundamental complexo, comportando vários componentes. Enquanto direito de defesa a liberdade de profissão significa duas coisas: (a) não ser forçado a escolher (e a exercer) uma determinada profissão; (b) não ser impedido de escolher (e exercer) qualquer profissão para a qual se tenha os necessários requisitos, bem como a obter estes requisitos.

  7. A liberdade de profissão continuam aqueles autores, é uma componente da liberdade de trabalho que embora sem estar explicitamente consagrada de forma autónoma na Constituição, decorre indiscutivelmente do princípio do Estado de direito democrático. A liberdade de trabalho inclui obviamente a liberdade de escolha do género de trabalho, não se esgotando todavia ai (liberdade de não trabalhar, proibição de trabalho forçado, etc.)”.

  8. E, como salientam Jorge Miranda e Rui Medeiros in Constituição da República Portuguesa, Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, ano 2005, pág. 475, “A liberdade de trabalho é, qualificadamente, liberdade de profissão ou liberdade dirigida a uma atividade com relevância económica identificada por fatores objetivos sociais e jurídicos. E revele-se tanto liberdade de escolha quanto liberdade de exercido de qualquer profissão, visto que uma pressupõe a outra (embora a primeira tenha um alcance bem maior que a segunda)”.

  9. Dada a sua inserção sistemática, no Capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), do Titulo II (Direitos, liberdades e garantias), da Parte I da Constituição (Direitos e deveres fundamentais), não há dúvida de que o art.º 47.º é um preceito que diz respeito aos direitos, liberdades e garantias e, portanto, um preceito que é diretamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas, por força do disposto n.º 1 do art.º 18.º da CRP.

  10. E, como é sabido, os direitos, liberdades e garantias fundamentais só podem ser restringidos por lei nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art.º 18.º, n.º 2 da CRP).

  11. Assim sendo, a norma do artigo 156.º, n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 844, de 16 de março, na medida que versa sobre matéria de direitos, liberdade e garantias (estabelece restrições ao direito de inscrição na Ordem dos advogados - não podem ser inscritos os que não possuam idoneidade moral para o exercido da profissão e, em especial, os que tenham sido condenados por qualquer crime gravemente desonroso), situa-se na área de reserva parlamentar, prevista no artigo 165.º, n.º 1 alínea b) da CRP.

  12. Tratando a norma do artigo l56.º, n.º l alínea a) do Decreto-Lei n.º 84/84 de matéria que se insere no campo da competência reservada da Assembleia da República, tal norma poderia ser editada pelo Governo ao abrigo de uma autorização legislativa válida.

  13. A autorização legislativa foi concedida ao Governo pela Lei n.º 1/84, de 15 de fevereiro, ao abrigo da qual foi emitido o Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de março – aprovado e promulgado, respetivamente em 21 de fevereiro e 9 de março tem a redação seguinte:

    Artigo 1.º

    É concedida autorização ao Governo para proceder à revisão da matéria constante do capítulo V do Estatuto Judiciário «Do mandato judicial»

    Artigo 2.º

    O sentido essencial da legislação a criar, ao abrigo da presente lei, será o de:

    1. Reestruturar o exercido da advocacia, de modo à completa satisfação das disposições constitucionais, nomeadamente para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos;

    2. Consolidar o sistema democrático para as eleições dos corpos diretivos da Ordem dos Advogados, com base no caráter direto das mesmas;

    3. Implantar regras de deontologia profissional que assegurem a função social do advogado como pleno servidor da justiça e do direito, com a consequente garantia da sua aplicação, através da revisão do mecanismo disciplinar e do elenco de medidas disciplinares ap1icáveis;

    4. Redefinir o âmbito das incompatibilidades e impedimentos, com o objetivo de assegurar a maior independência no exercido da advocacia;

    5. Rever o sistema de estágio, com o propósito de preparar o advogado estagiário para a indispensável técnica profissional e para a assunção, pelo mesmo, da consciência dos deveres, direitos e responsabilidades inerentes ao bom exercido da profissão, nomeadamente, através da criação de cursos teórico-práticos e de uma formação deontológica adequada;

    6. Reforçar os mecanismos de participação da Ordem nas formas de elaboração do direito e, bem assim, da intervenção institucional da mesma na administração da justiça.

    Artigo 3.º

    A autorização legislativa concedida pela presente lei caduca decorridos 6 meses sobre a data da sua entrada em vigor.

  14. Da leitura dos 3 (três) artigos e das 6 (seis) alíneas que compõe a autorização legislativa Lei n.º 1/84, de 15 de fevereiro, não se vislumbra um só parágrafo em que a Assembleia da República tenha autorizado o Governo a legislar sobre matéria de direitos, liberdades e garantias.

  15. Assim sendo, o Governo, ao editar no Decreto Lei n.º 84/84 de 13 de março o artigo 156.º, n.º 1 alínea a) que versa sobre matéria de direitos, liberdades e garantias (estabelece restrições ao direito de inscrição na Ordem dos Advogados — não podem ser inscritos os que não possuam idoneidade moral para o exercido da profissão e, em especial tenham sido condenados por qualquer crime desonroso), excedeu a autorização legislativa de que estava munido.

  16. Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República...

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