Acórdão nº 44/08 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução23 de Janeiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 44/2008

Processo n.º 775/07

2ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

  1. requereu, em 13/05/2005, ao Instituto de Segurança Social, I.P., que lhe fosse concedido apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo e de nomeação de patrono, para se constituir assistente em processo crime.

Em 17-06-2005 foi proferida decisão pelo I.S.S. que indeferiu aquele requerimento.

O requerente impugnou esta decisão para o Tribunal onde pendia o processo crime, tendo o juiz do 1º Juízo Criminal, do Tribunal Judicial de Loures, por decisão de 12-12-2005, julgado improcedente a impugnação e mantido a decisão do I.S.S..

O requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual não foi admitido pelo tribunal recorrido, por despacho proferido em 19-1-2006.

O Requerente reclamou deste despacho para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a Vice-Presidente deste Tribunal, por decisão proferida em 11-10-2006, revogado a decisão reclamada, determinando que o recurso fosse admitido.

Cumprindo esta decisão, o juiz do 1º Juízo Criminal de Loures proferiu decisão de admissão do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho proferido em 2-2-2007.

Em 5-6-2007 o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão que rejeitou o recurso interposto, com os seguintes fundamentos:

“A regra geral no âmbito do Direito Penal Português é da recorribilidade das decisões judiciais – art.º 339 do C.P.P. – sendo certo que tal regra declinará quando a irrecorribilidade decorra expressamente da lei.

No caso em apreciação, como é referido no despacho de fls. 187, dita o artº 20º, nº 1 da Lei 34/2004, de 29-07, que a decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente.

De acordo com o nº 2 do artº 26º do mesmo diploma legal, a decisão sobre o pedido de protecção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo susceptível de impugnação judicial nos termos dos artºs 27º e 28º.

Nos termos do artº 28º, nº 1, é competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sediado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da acção, o tribunal em que esta se encontra pendente.

A Lei nº 30-E/2000, de 20-12, anterior lei do apoio judiciário e revogada pela Lei 34/2004, de 20-07, e que veio alterar o regime de acesso ao direito e aos tribunais, atribuiu aos serviços de segurança social a apreciação dos pedidos de concessão de apoio judiciário, competência que até à entrada em vigor dessa lei cabia aos tribunais, sendo os tribunais de comarca ou o tribunal onde a acção está pendente, caso o pedido tenha sido formulado na pendência de uma acção, competentes para conhecer, em última instância o recurso da decisão da segurança social – v. artºs 21º e 29º da Lei 30-E/2000.

Ora, tendo, assim, sido eliminado o segmento normativo relativo à competência do Tribunal de 1ª Instância para decidir, em última instância, do recurso da decisão da segurança social sobre o pedido de apoio judiciário, fará sentido que, não permitindo a lei anterior o recurso para o Tribunal da Relação, o legislador da Lei nº 34/2004 tivesse o propósito de retomar o modelo da impugnação para esta instância, sem que a tanto fizesse expressa alusão?

A doutrina e a jurisprudência vem-se debruçando sobre a questão de forma que não tem sido pacífica.

(…)

Perfilhamos a posição dos que entendem não ser admissível o recurso, para o Tribunal da Relação, da decisão da Segurança Social sobre o pedido de apoio judiciário.

Afigura-se-me que o modelo de impugnação judicial da decisão da Segurança Social, quanto a apoio judiciário, permaneceu intocável e, não obstante a eliminação da referência a «última instância», continua a ser inadmissível o recurso para o Tribunal da Relação.

Se outro fosse o propósito legislativo, designadamente o retomar do anterior modelo impugnativo, com recurso para o Tribunal da Relação, o legislador não deixaria de o dizer.

Na verdade, e como se refere no Acórdão da Relação do Porto de 21.02.07, acima mencionado “(...) sendo as decisões judiciais impugnáveis por meio de recurso, está no entanto a sua admissibilidade condicionada em função de limites objectivos, designadamente pela natureza, dos interesses envolvidos, da menor relevância das causas ou da repercussão económica para a parte vencida (art. 678.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), e a garantia do acesso ao direito e aos tribunais (art. 20º n.º 1 da CRP) não implica a generalização do duplo grau de jurisdição, dispondo o legislador ordinário de ampla liberdade de conformação no estabelecimento de requisitos de admissibilidade dos recursos, como tem decidido o Tribunal Constitucional, que, distinguindo o duplo grau de jurisdição ao duplo grau de recurso, diz que aquele (o duplo grau de jurisdição) traduz-se na existência de um único recurso, enquanto o duplo grau de recurso implica a consagração de dois recursos, o que se traduz na intervenção de três instâncias decisórias (para concluir que o direito ao recurso postula meramente o duplo grau de jurisdição (cfr Acs TC n.º 49/2003, DR 2.ª Série de 16 de Abril de 2003, pp. 5929 e 5930; Ac n.º 390/2004, DR 2ª série, de 7 de Julho de 2004, pp. 10215-10221)

Os termos da impugnação são, tão só, os indicados nos art.ºs 27.º e 28.º da Lei 34/04, de 29 de Julho, que prevêem apenas a intervenção do tribunal da comarca e a referência a «decisão final» constante do art.º 29º desta mesma Lei 34/04 até reforça esta ideia de que o tribunal da comarca continua a ser a última instância em matéria de apoio judiciário, a menos que se suscite alguma inconstitucionalidade.

Perante o que cede a argumentação do Recorrente de que o recurso é admissível porque a sua irrecorribilidade não está prevista no art.º 28º, n.º 1 da Lei 34/04, e, não estando prevista em tal preceito aplica-se a lei geral ou seja o disposto nos arts.º 399.º e 400.º do CPP..

Termos em que, não se conhecerá do presente recurso, por ser irrecorrível a decisão posta em crise.

E o facto de o recurso ter sido admitido não invalida tal decisão pois, o despacho de admissão do recurso só vincula o Tribunal que o proferiu só aí constituindo caso julgado formal, não podendo, por isso, o mesmo Tribunal, em segundo despacho posterior, rejeitar tal recurso, mas já o tribunal superior pode ainda reapreciar a legalidade, tempestividade e admissibilidade do recurso.

Assim sendo, como na realidade é, tendo embora o recurso sido admitido (em obediência ao decidido, em 11.10.06, nos Autos de reclamação nº 1634/06-5, certo é que, conforme estatuído no n.º 3 do art. 414º de C.P.P., tal despacho não se impõe nem vincula o Tribunal superior, pelo que, tendo presentes os fundamentos acima expostos, deverá, o recurso ser rejeitado, nos termos dos arts 417.º, n.º 3, al. e), 419.º, n.º 4, al. a), 414.º n.º 2 e 420.º, n.º 1 do CPP..”

Desta decisão recorreu o requerente para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

“Para apreciação da inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas nos artigo 399.º do Código de Processo Penal, e no n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugada concomitantemente com os seus artigos 27.º e 29.º e ainda com o artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil, na interpretação emergente do doutíssimo acórdão recorrido no sentido de que não é admissível recurso da decisão judicial tirada sobre impugnação da decisão administrativa que indefere o requerimento de Protecção Jurídica, porquanto configura um segundo grau de jurisdição não consagrado, com carácter obrigatório, em sede constitucional, e sustentando esta tese em arestos, que são contrariados por outros tantos, como ali é expressamente reconhecido, mormente jurisprudência da mesma Relação de Lisboa, e ainda em acórdãos deste Tribunal Constitucional cuja matéria não incide directamente sobre a questão em apreço, logo inaplicáveis ao caso presente na essência e especificidade da sua matéria.

Uma tal interpretação dessas conjugadas normas legais viola capitalmente os princípios do acesso ao direito e aos tribunais e do direito ao recurso, imperativos dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20.º, n.ºs 1 e 7 do artigo 32.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 202.º, artigo 203.º, e artigo 204.º, todos da Constituição da República Portuguesa.”

O Recorrente apresentou posteriormente alegações, culminando as mesmas com a formulação das seguintes conclusões:

  1. A apreciação de petição do instituto de Protecção Jurídica não configura bagatela jurídica, antes se apresenta como questão essencial por, a montante da questão principal trazida a juízo, poder cercear ou impedir o acesso ao direito e aos tribunais pelo cidadão economicamente carenciado.

  2. O recurso da decisão judicial tirada sobre a impugnação do acto administrativo que tenha indeferido a concessão desse instituto é, na realidade, o primeiro e único recurso jurisdicional.

  3. A sua admissibilidade não está vedada por lei, nem nas excepções previstas no art.º 400.º do Código de Processo Penal, nem no n.º 1 do art.º 28.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, não podendo existir qualquer razão para interpretar esta norma de modo diverso do que a sua letra expressa, por absoluta omissão.

  4. Sendo a regra geral, a do artº 399.º da aludida lei adjectiva penal, a aplicável pois que a irrecorribilidade tem que estar expressa taxativamente.

  5. Sem que sequer se possam esgrimir quaisquer outros motivos, designadamente de índole histórico ou de celeridade, que obstem a esta interpretação.

  6. Muito menos a expressão...

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