Acórdão nº 299/08 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução29 de Maio de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 299/2008

Processo n.º 153/08

  1. Secção

    Relator: Conselheiro João Cura Mariano

    Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

    Relatório

    No âmbito da acção de despejo que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Maia sob o n.º 8089/03.4 TBMAI, A. pediu, a título subsidiário, a denúncia de um determinado contrato de arrendamento urbano para habitação, com fundamento na respectiva caducidade.

    Após não ter sido sequer conhecida em primeira instância – por prejudicialidade decorrente da procedência do pedido principal – a referida pretensão veio a ser finalmente conhecida e julgada improcedente por acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 6-11-2007.

    Inconformado com a referida decisão, o Autor interpôs recurso da mesma para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), pedindo a fiscalização concreta da constitucionalidade da norma constante do art. 68.º, n.º 2, do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (RAU).

    Convidado a indicar qual a interpretação normativa daquele preceito do RAU cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada, o recorrente apresentou requerimento donde resulta que a interpretação questionada é a sustentada na decisão recorrida, segundo a qual o prazo máximo de trinta anos previsto no artigo 1025.º, do Código Civil, apenas vale para a constituição da relação contratual locatícia e não para a sua duração quando determinada pela renovação imposta ao senhorio, não assistindo, assim, a este o direito de denunciar um contrato de arrendamento urbano para habitação com fundamento no facto do mesmo durar há mais de trinta anos.

    Foi proferida decisão sumária a julgar improcedente o recurso interposto, com a seguinte fundamentação:

    “A constitucionalidade da referida interpretação normativa, ainda que por referência a outras disposições legais, já foi apreciada em diversas ocasiões pelo Tribunal Constitucional, o qual concluiu, invariavelmente, pela conformidade da referida interpretação normativa com as regras e princípios constitucionais vigentes.

    Contudo, não deixará de se equacionar sucintamente os dados da questão e relembrar a resposta dada pela justiça constitucional.

    O artigo 1025.º do Código Civil de 1966 apresenta a seguinte redacção:

    “A locação não pode celebrar-se por mais de trinta anos; quando estipulada por tempo superior, ou como contrato perpétuo, considera-se reduzida àquele limite”.

    Por seu turno, o n.º 2 do art. 68.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, prescreve que:

    “A denúncia do contrato pelo senhorio só é possível nos casos previstos na lei e pela forma estabelecida”.

    O tribunal a quo interpretou as referidas normas – louvando-se para esse efeito na posição doutrinária assumida pelos Professores Pires de Lima e Antunes Varela na anotação ao Código Civil – no sentido de que o prazo máximo de 30 anos previsto no art. 1025.º do Código Civil apenas vale para a constituição da relação contratual locatícia e não para a sua duração quando determinada pela renovação imposta ao senhorio nos termos do n.º 2 do art. 68.º do RAU, concluindo, assim, que não assiste ao senhorio o direito de denunciar um contrato de arrendamento urbano para habitação com fundamento no facto do mesmo durar há mais de trinta anos.

    Dispõe ainda o n.º 1 do art. 62.º da Constituição que:

    “A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida por morte, nos termos da Constituição”.

    O Recorrente entende que a referida interpretação normativa, que nega ao senhorio a possibilidade de denúncia do contrato de arrendamento urbano para habitação quando o mesmo já dura há mais de trinta anos e que impõe assim a sua prorrogação para além deste prazo, viola o direito constitucional à propriedade privada.

    A propósito da pretensa violação do direito de propriedade privada fundada na renovação automática de um contrato de arrendamento urbano para o comércio, para além do prazo de trinta anos e contra a vontade do locador, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/2005 (publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Junho de 2005, e também disponível em www.tribunalconstitucional.pt), considerou que:

    “(…) 11. Segundo o disposto no n.º 1 do respectivo artigo 62º, “A todos é garantido o direito de propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição”.

    Como o Tribunal Constitucional já por diversas vezes observou, não obstante não estar formalmente incluído entre os direitos, liberdades e garantias, o direito de propriedade privada inclui uma dimensão – pelo menos, o direito a não ser privado da propriedade, a não ser nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 62º – em que o respectivo regime, por força do disposto no artigo 17º da Constituição, lhe é aplicável (cfr., em especial, o acórdão n.º 491/2002 e a jurisprudência nele citada, in Diário da República, II série, de 22 de Janeiro de 2003).

    Ora, como se sabe, entre “os direitos” que integram o direito de propriedade (cfr. o artigo 1305º do Código Civil) inclui-se o poder de fruição do respectivo objecto, poder com base no qual, tratando-se de propriedade de imóveis, o proprietário pode dar de arrendamento o prédio correspondente.

    Igualmente se sabe que a celebração de contratos de arrendamento, permitindo o gozo do prédio por pessoa (singular ou colectiva) diferente do respectivo proprietário (artigos 1022º e 1023º do Código Civil), corresponde a uma forma socialmente útil de fruição do direito de propriedade. Em particular, o arrendamento comercial proporciona ao arrendatário um bem – o local de funcionamento – especialmente relevante no exercício da sua actividade económica, com peso frequentemente significativo no valor do respectivo estabelecimento, e cuja estabilidade pode ser, em si, de grande valia.

    Isso mesmo reconhece a lei ordinária, por exemplo, quando restringe os casos de denúncia pelo senhorio (artigos 68º, n.º 2 do Regime do Arrendamento Urbano), quando prevê a possibilidade de transmissão da posição de arrendatário, em caso de trespasse, independentemente de consentimento do senhorio (artigo 115º, n.º 1 do RAU), ou quando impõe a continuação do contrato aos sucessores do senhorio (artigo 112º, n.º 1 do RAU).

    12. A verdade, todavia, é que, reconhecer que nada na Constituição impede o senhorio de pretender manter um arrendamento por mais de 30 anos, afirmação da qual discorda a recorrente, pois que sustenta que, ainda que contra sua vontade, o arrendamento se extingue decorrido tal prazo, não é incompatível com o reconhecimento de que a manutenção do contrato de arrendamento por tal período de tempo, em virtude de sucessivas renovações, representa uma oneração séria do direito do proprietário.

    Seja como for, e, quer se entenda que a admissibilidade constitucional da limitação ao direito de propriedade implicada pela norma em análise deva ser analisada à luz do regime previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição, por estar em causa a dimensão em que aquele direito fundamental é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, quer se considere que estamos apenas perante uma limitação a um direito económico, cuja admissibilidade há-de também ser avaliada segundo critérios de proporcionalidade, exigidos pelo princípio do Estado de Direito (artigo 2º da Constituição), sempre se tem de concluir pela não existência de...

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