Acórdão nº 581/12 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução05 de Dezembro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 581/2012

Processo n.º 204/12

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A., S.A., recorrida nos presentes autos juntamente com o Município de Sintra, impugnou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra as notas de liquidação de taxas do ano de 2009 devidas por equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos. Invocou, para o efeito, a inconstitucionalidade orgânica e formal do artigo 70.º, n.º 1, ponto 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas Licenças do Município de Sintra, então aplicável.

      Por decisão de 9 de novembro de 2010, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a impugnação totalmente improcedente, com os seguintes fundamentos:

      Sendo vasta a jurisprudência constitucional e dos Tribunais Superiores relativamente à matéria controvertida nos autos – cfr. a esse propósito a Jurisprudência do T.C. e do TCA-Sul mencionada no douto Parecer do M.P. que aqui se reproduz, importa retirar que no presente caso o posto de combustível se situa em terreno do domínio privado, sendo no entanto de acolher a mais recente jurisprudência do T.C. no sentido de que sempre se verificaria o sinalagma da sua utilização por um particular, sendo que não resulta qualquer violação do princípio da proporcionalidade ou do excesso na fixação daquelas taxas atento “... a especificidade da contrapartida outorgada ao beneficiário ... inconfundível com qualquer outra e autónoma em relação a causas de prestação com ela eventualmente cumuláveis ...”, nas palavras dos ilustres autores e obra citados no Ac. nº 177/2010, do T.C, proferido no Proc. nº 742/09, de 05.05.10, que realça a orientação mais recente daquele Tribunal no sentido de que “... a entidade administrativa assume uma particular obrigação - a duradora obrigação de suportar uma atividade que interfere permanentemente com a conformação de um bem público..”, pelo que se entende que as taxas cobradas pela instalação daqueles equipamentos consubstancia a remoção de um obstáculo jurídico, não fazendo sentido distinguir o licenciamento em relação á sua renovação porquanto nesta última também se renova a remoção da proibição da atividade de depósito e comercialização de combustíveis, pelo que devem ser qualificadas como taxas considerando-se que aqueles regulamentos se conformam com o preceituado nos artºs 103º e 165º, nº1, alínea i), da C.R.P., decisão a que se procede na parte dispositiva da presente sentença.

    2. Não se conformando com tal decisão, a ora recorrida interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, que lhe veio a dar razão, desaplicando, com fundamento em inconstitucionalidade, a mencionada norma da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra:

      Questão fulcral, que se discute neste processo, consiste em saber se viola os arts. 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 al. i) CRP a previsão do art. 70.º n.º 1.1 da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, aprovada no ano de 2008 e aplicável ao ano de 2009, quando estão em causa postos de abastecimento de combustíveis líquidos, situados, inteiramente, em propriedade privada.

      Sobre esta temática, o TCAS pronunciou-se, já, no pretérito, como, por exemplo, em aresto datado de 30.10.2007, proferido no recurso n.º 432/05, de cuja fundamentação, por pertinente e expressiva do entendimento sufragado, retiramos o seguinte: «(...). De facto, como têm vindo a decidir maioritariamente o Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal Administrativo e este Tribunal Central Administrativo, nos casos em que as bombas de abastecimento de combustível, de ar e de água se encontrarem totalmente implantadas em domínio privado, como é o caso, onde também o abastecimento tinha lugar, ainda que com acesso por vias públicas, as quantias liquidadas pelo Município de Sintra aos titulares desses estabelecimentos, não podem ser qualificadas de verdadeiras taxas, por lhes faltar a natureza e estrutura sinalagmática, pois o respetivo montante não era contraprestação de nada, tendo por isso de ser qualificadas como impostos. O Tribunal Constitucional decidiu em sentido diverso no acórdão com o n.º 329/2003, de 7 de julho, proferido no processo com o n.º 537/2002, mas este veio a ser revogado pelo Plenário daquele Tribunal, por acórdão proferido nos mesmos autos em l7 de fevereiro de 2004 e ao qual foi atribuído o n.º 113/2004, assim retomando a posição anteriormente defendida, designadamente no acórdão n.º 515/2000, de 29 de novembro, onde se escreveu:

      7. – No caso em apreço, a Câmara Municipal de Sintra liquidou ao recorrido, proprietário de um posto de abastecimento de carburante, a taxa de Instalações Abastecedoras de Carburantes Líquidos, Ar e Água, de acordo com o nº 5 do artigo 42º da Tabela de Taxas da Câmara Municipal, nos termos do qual são taxadas as bombas de carburantes líquidos “instaladas inteiramente em propriedade particular com abastecimento no interior da propriedade”.

      Ora, através de uma taxa como a que vem identificada nos autos, o obrigado ao pagamento não beneficia da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa. Assim, a imposição da taxa em apreciação apenas poderia fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública.

      Porém, é manifesto que este tipo de contrapartida não pode concretizar-se na situação dos autos: de facto, estando o posto de abastecimento instalado inteiramente em terreno privado e decorrendo também na propriedade privada todos os atos relativos ao abastecimento e atividades complementares (como vem provado nos autos – ponto 3), a atividade de abastecimento das viaturas não implica qualquer utilização de bens semipúblicos, inexistindo qualquer conexão da taxa exigida com a ocupação de bens públicos, não sendo sequer possível ligá-la a uma eventual renovação de licença ou a quaisquer diligências que o município deva realizar para a conceder, como bem refere o Ministério Público nas suas alegações.

      Não tem assim a referida taxa de instalações abastecedoras de combustíveis nem natureza nem estrutura sinalagmática, pois o respetivo montante não é contraprestação ou contrapartida de nada.

      Não existindo qualquer contrapartida para a exigência do encargo em causa, que represente a utilidade recebida pelo particular, o pagamento da quantia imposta no caso não constitui uma taxa, mas antes um imposto. E tendo sido criado através de simples edital camarário foi violado o artigo 168º, nº1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (versão de 1989).

      Em causa no supra referido estava a norma do nº 5 do art. 42 da Tabela de Taxas e Licenças aprovada em 20.10.89 pela Assembleia Municipal de Sintra. Na situação em apreço a norma que permitiu a liquidação em causa foi a do art. 67º nº l. ponto 1.1, da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada em 22.12.99 e alterada em 18.12.2000 que, muito embora não seja literalmente idêntica à anterior destina-se a tributar a mesma realidade e daí ser aqui plenamente aplicável a jurisprudência supra referida como se entendeu na decisão sumária do Tribunal Constitucional de 19.4.2004 proferida no rec. 941/03, em que se decidiu julgar inconstitucional a norma do art. 67, nº l. ponto 1.1 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, enquanto aplicável a instalações abastecedoras de combustíveis funcionando integralmente em propriedade privada, por violação do art. 165, nº 1 al. i) da CRP. Assim, seguindo a orientação jurisprudencial já referida e com cuja fundamentação concordamos, temos que o pagamento da quantia imposta no caso não constitui uma taxa, mas antes um imposto, como se entendeu na decisão recorrida, em clara violação do disposto no art. 165 nº 1 al. i) da CRP, donde a inconstitucionalidade da norma que prevê a prestação em causa.»

      Posto isto, realçando, sobretudo, o julgamento produzido, em Plenário, pelo Tribunal Constitucional/TC, no identificado acórdão n.º 113/2004 de 17.2.2004, acrescendo a circunstância de a redação do versado, nestes autos, art. 70.º n.º 1.1 da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra reproduzir, quase ipsis verbis, a do art. 67.º n.º 1, ponto 1.1 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra, aprovada em 22.12.99 e alterada em 18.12.2000, só podemos, na mesma esteira, reputá-lo, igualmente, inconstitucional, por violação do estatuído nos apontados arts. 103.º n.º 2 e 165.º n.º 1 al. i) CRP, pelo que, a sentença recorrida, tendo judiciado em sentido contrário, não pode manter-se.

      Antes de retirar consequências desta forma de entender a questão julganda, importa efetuar um ligeiro debruce sobre o sentido do julgado no Ac. TC (Plenário) 177/2010 de 5.5.2010, enquanto paladino de uma noção mais ampla de taxa, em que, acolhendo-se o critério fixado, sobretudo, no art. 4.º n.º 2 LGT, a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, “pressuposto autosuficiente” daquela, adquire um “espaço de operatividade autónoma”, uma vez que deixa de estar funcionalizada à utilização de um bem público.

      Respeitando diverso entendimento, a doutrina desta decisão colegial parece não poder ser transposta para a situação sub judice, onde, como resulta da avaliação efetuada pelo TC e acima transcrita, o obrigado ao pagamento da disputada taxa não beneficia da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa, somente podendo a imposição da mesma fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública. Casuisticamente, o Ac. 177/2010 versou situação referente a taxa por emissão, camarária, de licença para afixação ou inscrição de publicidade em propriedade privada, quando é certo que, para explorar os visados postos de abastecimento de combustíveis, a impugnante teve de obter licença junto de entidade oficial, com nenhuma ligação ao Município de Sintra; que, aliás...

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