Acórdão nº 402/08 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução29 de Julho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 402/2008

Processo n.º 573/08

Plenário

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. O Presidente da República requereu, em 4 de Julho de 2008, ao abrigo do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), do n.º 1 do artigo 51.º e do n.º 1 do artigo 57.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade das seguintes normas do Decreto n.º 217/X, da Assembleia da República, de 27 de Junho de 2008, que “Aprova a terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores”, recebido na Presidência da República em 3 de Julho de 2007, para ser promulgado como lei:

    1) norma constante da primeira parte do n.º 5 do artigo 69.º, com fundamento na violação da reserva de lei orgânica decorrente da conjugação da alínea j) do artigo 164.º com o n.º 2 do artigo 166.º e com a alínea b) do artigo 133.º da Constituição;

    2) norma constante da segunda parte do n.º 5 do artigo 69.º, com fundamento em inconstitucionalidade consequente, derivada da sua relação instrumental com a norma prevista na primeira parte do mesmo preceito e, ainda, com fundamento em violação do n.º 2 do artigo 110.º da CRP;

    3) norma do n.º 3 do artigo 114.º, com fundamento em violação do princípio da reserva constitucional da definição das competências dos órgãos de soberania enunciado no n.º 2 do artigo 110.º da CRP e, subsidiariamente, caso não proceda a interpretação favorável à violação da reserva de Constituição, com fundamento em violação da reserva de lei orgânica, decorrente da conjugação da alínea e) do artigo 164.º com o n.º 2 do artigo 166.º da CRP;

    4) norma prevista no n.º 1 do artigo 45.º, com fundamento em violação do n.º 2 do artigo 232.º da CRP, bem como da mesma norma, a título subsidiário, e das normas constantes do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 46.º, com fundamento em violação da reserva de lei orgânica, nos termos da alínea b) do artigo 164.º, conjugada com o n.º 2 do artigo 166.º da CRP;

    5) norma da alínea c) do n.º 2 do artigo 49.º, com fundamento em violação do n.º 4 do artigo 112.º da CRP, que decorre da inobservância da reserva de competência dos órgãos de soberania, a qual incorpora a matéria da alínea r) do artigo 164.º da CRP;

    6) norma da alínea i) do n.º 2 do artigo 53.º, com fundamento em violação do n.º 4 do artigo 112.º da CRP, como consequência do desrespeito pela reserva de competência dos órgãos de soberania que abrange a matéria da alínea v) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP;

    7) normas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 61.º, com fundamento em violação do n.º 4 do artigo 112.º da CRP, como decorrência da sua incursão indevida na reserva de competência dos órgãos de soberania, a que respeitam as matérias previstas nas normas dos n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 56.º da CRP, conjugadas com a alínea b) do artigo 165.º da CRP;

    8) norma da alínea h) do n.º 2 do artigo 63.º, com fundamento em violação do n.º 4 do artigo 112.º da CRP, como decorrência da violação da reserva de competência dos órgãos de soberania e, ainda, da violação da alínea a) do n.º 6 do artigo 168.º da CRP, conjugada com o proémio do mesmo preceito;

    9) norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 66.º, com fundamento em violação do n.º 4 do artigo 112.º da CRP, em consequência da inobservância da reserva de competência dos órgãos de soberania que abrange a matéria da alínea u) do artigo 164.º da CRP e, ainda, com fundamento na sua desconformidade com o n.º 4 do artigo 272.º da CRP;

    10) norma do n.º 3 do artigo 47.º, por efeito da violação dos n.ºs 5 e 3 do artigo 112.º e do n.º 3 do artigo 116.º e, ainda, subsidiariamente, caso não procedam os fundamentos anteriores, a segunda parte da mesma norma, com fundamento em violação da reserva de lei orgânica, prevista no n.º 2 do artigo 166.º conjugado com a alínea j) do artigo 164.º da CRP;

    11) norma constante do n.º 2 do artigo 67.º, com fundamento em violação da regra de enumeração estatutária das matérias cometidas à competência legislativa comum das regiões autónomas prevista no n.º 4 do artigo 112.º e repetida na alínea a) do n.º 1 do artigo 227.º e no n.º 1 do artigo 228.º da CRP e, ainda, com fundamento em violação da dimensão material do conceito constitucional de “âmbito regional” prescrito no n.º 2 do artigo 114.º e do princípio da reserva constitucional das competências dos órgãos de soberania, enunciado no n.º 2 do artigo 110.º;

    12) norma prevista na última parte do n.º 1 do artigo 44.º, com fundamento na violação do n.º 7 do artigo 112.º da CRP, do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, na parte em que enuncia o principio da subordinação dos regulamentos administrativos à lei, e do n.º 5 do artigo 112.º

  2. Os fundamentos do pedido são os seguintes:

    As disposições normativas sindicadas constam do decreto da Assembleia da República que procedeu à terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, adiante designado por Estatuto, importando agrupá-las, por razões sistemáticas, em cinco ordens de questões que me suscitam dúvidas de constitucionalidade, a saber:

    i) Aprovação de normas estatutárias no domínio da reserva de Constituição e reserva de lei orgânica;

    ii) Definição de matérias de âmbito regional;

    iii) Submissão a uma votação por maioria de dois terços dos actos de iniciativa legislativa regional relativos a normas estatutárias e normas de lei orgânica relativa à eleição dos deputados à assembleia legislativa da Região;

    iv) Introdução de uma cláusula residual atributiva de competência legislativa regional em matérias não identificadas na Constituição e no Estatuto;

    v) Atribuição de forma legislativa a normas regionais que regulamentem as leis dos órgãos de soberania.

    I. Aprovação de normas estatutárias no domínio da reserva de Constituição e reserva de lei orgânica

    A definição das competências dos órgãos de soberania integra, nos termos do nº 2 do artº 110º da CRP, a reserva de Constituição, daqui resultando a regra de que apenas a Constituição pode determinar a competência dos mesmos órgãos, bem como os correspondentes limites, excepto se habilitar a lei ordinária a dispor, também, sobre esta matéria.

    Quanto às reservas de lei com valor reforçado, regista-se que assumem essa natureza legal, tanto os actos legislativos que aprovam os Estatutos Político - Administrativos das regiões autónomas, como as leis orgânicas.

    Os estatutos consistem numa categoria legislativa que assume valor reforçado, nos termos do critério enunciado na última parte do disposto no nº 3 do artº 112º da Constituição, atenta a relação passiva e activa de respeito que impõem a outras normas legais, por força das alíneas c) e d) do nº 1 do artº 281º da Constituição da República.

    O valor reforçado das leis orgânicas decorre, por seu lado, do respectivo processo especial e agravado de produção e revelação legislativa e encontra-se expressamente reconhecido pela primeira parte do disposto no nº 3 do artº 112º da CRP.

    A circunstância de os Estatutos deverem ser acatados por todos os restantes actos legislativos, nos termos das alíneas c) e d) do nº 1 do artº 281º da CRP não alarga essa relação de respeito à regulação, por norma estatutária, de matérias que excedam o conteúdo da reserva de estatuto, cujo objecto respeita à organização e funcionamento das instituições regionais.

    A delimitação do âmbito e do objecto da reserva de Estatuto encontra-se densificada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. Acs. nº 92/92, 635/95 e 283/2007) importando referir que:

    a) A mesma jurisprudência inclina-se pela não inconstitucionalidade formal dos chamados “cavaleiros estatutários” de direito comum (Ac. nº 1/91), ou seja, de normas constantes dos Estatutos, mas anódinas ao objecto estatutário;

    b) A orientação jurisprudencial acabada de referir não poderá deixar de ser diversa sempre que os referidos “cavaleiros estatutários” passem a incidir sobre a reserva de outras leis reforçadas pelo procedimento, como é o caso das leis orgânicas;

    c) Isto, porque violará a reserva de lei orgânica, toda a norma constante dos Estatutos que inove sobre matérias que a Constituição inscreva na reserva da primeira categoria legal, nos termos da conjugação do nº 2 do artº 166º com o artº 164º da CRP.

    A violação da reserva de lei orgânica por norma constante dos Estatutos fere esta última de inconstitucionalidade formal, na medida em que a mesma norma não é produzida, revelada e sujeita aos requisitos próprios do controlo de mérito e do controlo preventivo de constitucionalidade que a Constituição determina para as leis orgânicas, merecendo particular destaque o facto de:

    a) As normas constantes do Estatuto não assumirem o título formal de lei orgânica (legenda própria e numeração privativa) que o nº 2 do artº 166º da CRP impõe para as leis desta natureza;

    b) A maioria constitucionalmente estipulada para a aprovação das leis orgânicas em votação final global (nº 5 do artº 168º da CRP) ser mais exigente do que a prevista para a votação final global do Estatuto (nº 3 do artº 116º da CRP);

    c) A grande maioria das leis orgânicas se encontrar sujeita a uma reserva de votação na especialidade em Plenário, nos termos do nº 4 do artº 168º da CRP, imposição que não abrange as normas estatutárias;

    d) Em caso de veto político do Presidente da República, a maioria parlamentar de confirmação susceptível de o superar dever ser, de acordo com os nºs 2 e 3 do artº 136º da CRP, mais onerosa em relação aos decretos enviados para promulgação como leis orgânicas (maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados efectivos) do que para decretos destinados a ser promulgados como Estatutos Político-Administrativos (maioria absoluta dos...

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