Acórdão nº 398/08 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução29 de Julho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 398/2008

Processo nº 410/2007

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

AUTONUM 1. Em 8 de Janeiro de 2003, A., Lda., interpôs, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação do despacho do Secretário de Estado da Administração Educativa, de 17 de Julho de 2002, que aplicara à recorrente, a título de sanção disciplinar – e ao abrigo do disposto no artigo 99º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 553/80 (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo), bem como do disposto nos artigos 1º, alínea b) e 3º, alíneas c) e g) da Portaria nº 207/98, de 28 de Março – a pena de multa de oito salários mínimos nacionais, ordenando igualmente a reposição da importância de 75.972,18 euros.

Por Acórdão de 14 de Dezembro de 2005, o Supremo Tribunal Administrativo, considerando improcedentes todas as conclusões das alegações da recorrente, negou provimento ao recurso.

AUTONUM 2. Inconformada, a recorrente intentou recurso para o Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, entre o mais sustentando nas conclusões das alegações de recurso:

  1. O Dec.-Lei n° 553/80 de 21 de Novembro (Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo) é originariamente inconstitucional, na medida em que:

    i) sem credencial parlamentar, regulou aspectos essenciais de uma liberdade abrangida pelo regime de direitos, liberdades e garantias – a liberdade de criação de escolas, enquanto dimensão específica da liberdade de ensino e de educação (“liberdade de aprender e ensinar”) e como dimensão da liberdade de iniciativa económica privada – e, consequentemente, pela reserva de lei, dando assim corpo a uma inconstitucionalidade orgânica;

    ii) remeteu para Portaria do Governo a regulação de matérias que, na versão da CRP em vigor em 1980, já integravam a reserva relativa da Assembleia da República: o Governo não estava autorizado pela Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo (Lei n° 9/79) a legislar sobre matéria de instituição de ilícitos e sanções por infracções ao regime do ensino particular e cooperativo.

  2. Após a revisão constitucional de 1982, agudizou-se a inconstitucionalidade do Dec.-Lei n° 553/80, em matéria de sanções a aplicar às escolas particulares e cooperativas, em especial o seu Artigo 99°, passando então a existir também uma inconstitucionalidade superveniente (inconstitucionalidade material e orgânica), na medida em que, em violação do n° 5 do art. 115° da CRP (hoje n° 6 do art. 112° da CRP), passou a remeter em branco toda a matéria sancionatória para um acto normativo de natureza regulamentar, operando a deslegalização de uma matéria que, pela sua natureza, é de reserva legislativa;

  3. A Portaria n° 207/98, publicada já após a revisão constitucional de 1982, constitui um regulamento integrador de natureza substantiva e procedimental, em violação do citado n° 5 do art. 115° da CRP;

  4. A inconstitucionalidade do artigo 99°-4 do Decreto-Lei n° 553/80 provoca, por si só, a ilegalidade da Portaria n° 207/98 (inconstitucionalidade da lei habilitante);

  5. A Portaria n° 207/98 enferma de inconstitucionalidade orgânica, na medida em que se ocupa de matérias que, nos termos da CRP, são da competência exclusiva da Assembleia da República: regime de punição de infracções disciplinares e do respectivo processo.

  6. Tal Portaria já não podia sequer “legislar” sobre o regime de punição de infracções disciplinares e respectivo processo, por se tratar de matéria da competência exclusiva da Assembleia da República (art. 165°, n° 1, d) da CRP).

  7. Daí que a sanção disciplinar aplicada com fundamento no Dec.-Lei n° 553/80 e Portaria n° 207/98, bem como as consequências financeiras dela decorrentes, estão feridas de violação da lei (por ausência de suporte legal válido) e de inconstitucionalidade, material e orgânica, sendo inevitável a sua anulação.

    Por Acórdão de 23 de Janeiro de 2007, foi negado provimento ao recurso jurisdicional, tendo o Pleno da 1.ª Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo considerado, no ponto 5.1. da inerente fundamentação, o seguinte:

    No que respeita às questões apreciadas pelo acórdão recorrido, continua desde logo a recorrente a persistir na questão da inconstitucionalidade das normas que permitem a aplicação de sanções e ordem de devolução das quantias recebidas no âmbito do contrato que a recorrente celebrou com os serviços da entidade recorrida e cuja inconstitucionalidade configura, como se entendeu no Ac. recorrido, bem como no acórdão do Pleno de 22.06.2006, essencialmente em três dimensões:

    “– o Decreto-Lei n.° 553/80, de 21 de Novembro, é organicamente inconstitucional por não se basear em autorização legislativa, que a Recorrente entende necessária para legislar sobre a instituição de ilícitos contraordenacionais e respectivas sanções;

    – subsidiariamente, defende que, após a revisão constitucional de 1982, aquele Decreto-Lei n.º 553/80, em especial o seu art. 99.º, enferma de inconstitucionalidade superveniente, material e orgânica, por afrontar o n° 5 do art 115º da CRP, na redacção de 1982 (a que corresponde, actualmente, o n° 6 do art. 112º);

    – a Portaria n.° 207/98, de 28 de Março, emitida já depois da revisão constitucional da 1982, constitui um regulamento integrador de natureza substantiva e procedimental em violação do citado n° 5 do art 115º da CRP, na redacção de 1982 violando ainda o disposto no art. 165º, n° 1, alínea d), da CRP, por estabelecer normas sobre o regime de punição de infracções disciplinares e respectivo processo, que é matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.”.

    Perante a verificação das alegadas inconstitucionalidades a sanção disciplinar que lhe foi aplicada careceria, no entender da recorrente, de “suporte legal válido”.

    A alegada inconstitucionalidade foi decidida pelo acórdão recorrido (aderindo a anterior jurisprudência do STA, nomeadamente ao decidido no ac. de 11.05.04, rec. 2054 (posteriormente confirmado por unanimidade pelo Ac. do Pleno de 22.06.2006), nos seguintes termos:

    “O despacho recorrido contém dois comandos distintos (quanto ao conteúdo decisório, incluindo a natureza da matéria sobre que versam) ainda que funcionalmente ligados.

    Na primeira parte, o despacho aplica a sanção administrativa revista no art° 99° do DL n° 553/80, de 21.11 e no n° 1. al. b) da Portaria n° 207/98, de 28.3, com fundamento no não cumprimento do estipulado no contrato de associação celebrado entre o Estado e o Instituto Vasco da Gama: na segunda, ordena a reposição nos Cofres do Estado de determinada quantia e a devolução de outras (...), como obrigação que resultaria daquela aplicação indevida dos apoios financeiros.

    Ou seja, conforme se refere no citado acórdão de 11.05.04 (rec. 2054/02), «as duas decisões, ainda que partindo do mesmo facto de incumprimento do contrato de associação, retiram dele diferentes consequências, uma sancionatória e outra constitutiva de deveres de prestar.

    Os vícios que vêm apontados aos dois actos assentam em diferentes questões jurídicas: os apontados ao primeiro acto são atinentes a questões do direito sancionatório e os vícios apontados ao segundo assentam em questões da disciplina dos contratos administrativos de associação, pelo que teremos de os analisar em separado quanto a cada um dos pertinentes conteúdos decisórios».

    (…)

    As questões de inconstitucionalidade:

    Estas questões foram profusa e correctamente analisadas no aludido acórdão de 11.5.04, pelo que, merecendo a nossa concordância transcreve-se o que a tal respeito se ponderou no referido aresto:

    “As questões de inconstitucionalidade suscitadas respeitam à aplicação de uma sanção, pelo que é apenas nesta perspectiva que as passamos a analisar.

    A precedência desta questão em relação às demais resulta do facto de a sua eventual procedência deixar o acto sem suporte legal válido, pelo que uma anulação com esse fundamento esgotaria desde logo a utilidade do recurso, uma vez que o acto assim anulado seria irrepetível no enquadramento em que foi praticado ou noutro homólogo.

    (...)

    Vejamos se procedem os fundamentos acima condensados.

    A Lei 9/79 de 19 de Março estabeleceu as bases gerais do Ensino Particular e Cooperativo e previu o respectivo desenvolvimento de modo que o n.º 5 do artigo 8.º incumbiu o Governo de estabelecer a regulamentação dos contratos de concessão de apoios e subsídios e a respectiva fiscalização.

    O DL 553/80, de 21.11, veio definir, em desenvolvimento daquela Lei um quadro orientador, auto-denominado Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, maleável, sem a preocupação de exaustividade prescritiva, que remete para legislação complementar toda a matéria susceptível de regulamentação especial (referências retiradas do texto do respectivo preâmbulo).

    Este Decreto-Lei tal como a Lei que regulamenta assentam no princípio da liberdade de aprender e ensinar compreendendo a liberdade dos pais de escolher e orientar o processo educativo dos filhos – art. 2.º, n.º 1.

    Para assegurar estas liberdades e direitos o diploma reconhece o dever do Estado de apoiar a família nas despesas de educação dos filhos instituindo para o efeito subsídios.

    Uma das formas de subsidiar a educação que foi adoptada por este diploma é o apoio financeiro às escolas particulares através de diversos tipos de contratos, entre eles o contrato de associação que tem por fim possibilitar a frequência das escolas particulares nas mesmas condições de gratuitidade do ensino público.

    Estes contratos concedem às escolas além dos benefícios fiscais e financeiros gerais um subsídio por aluno igual ao custo de manutenção e funcionamento por aluno das escolas públicas de nível e grau equivalente (art. 15.º).

    Em contrapartida, os contratos de associação obrigam as escolas nos termos do artigo 16.º a efectivar o ensino em termos de custos de acordo com o orçamento anual de gestão a apresentar e para controle desta execução obriga à...

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