Acórdão nº 175/13 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução20 de Março de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 175/2013

Processo n.º 653/12

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, em que é recorrido o Ministério Público, veio o assistente A. interpor, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida simplesmente como “LTC”), recurso de constitucionalidade do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de junho de 2012, que negou provimento ao recurso da decisão de rejeição de abertura de instrução por si anteriormente requerida.

    Com efeito, o ora recorrente apresentou queixa-crime contra alguns elementos do corpo da guarda prisional do Estabelecimento Prisional de Monsanto, sendo que a factualidade denunciada, considerada em abstrato, poderia consubstanciar os crimes de abuso de poder e de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelos artigos 382.º e 145.º, n.º 1, alínea a), com referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea m), todos do Código Penal (adiante referido simplesmente como “CP”). Realizado o inquérito, o Ministério Público, no final, determinou o arquivamento dos autos por considerar não haver indícios suficientes da prática dos crimes e não se lhe afigurar serem úteis ou possíveis mais diligências para além das já realizadas.

    Notificado dessa decisão, o ora recorrente apresentou requerimento para abertura da instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal (adiante referido simplesmente como “CPP”), o qual, todavia, foi rejeitado por o juiz ter considerado não haver lugar a instrução nos termos em que a mesma foi requerida. Com efeito, a decisão em apreço fundou-se no entendimento de que do requerimento para a abertura da instrução não constava a descrição dos factos que o assistente pretendia imputar aos arguidos, nem existia a descrição dos elementos subjetivos do tipo, nem vinham indicadas, quanto ao crime de ofensas à integridade física, as respetivas disposições legais, não cumprindo, assim, o mesmo requerimento as exigências constantes do artigo 283.º, n.º 3, alíneas b) e c), do CPP, aplicável por força do disposto no artigo 287.º, n.º 2, do mesmo Código.

  2. Inconformado, recorreu o assistente, ora recorrente, para o Tribunal da Relação de Lisboa. Na motivação do seu recurso, o recorrente suscitou, entre o mais, a seguinte questão de inconstitucionalidade:

    Se assim não se entender o disposto no artigo 287.º, n.º 2, do CPP, deverá ser declarado inconstitucional, por violação do art. 20.º, n.º 1 e n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, se lhe for dada a interpretação de que não é possível ao assistente aperfeiçoar o requerimento para abertura de instrução, quando não se dê cumprimento ao disposto no art. 283.º, n.º 3, al. b) e c), uma vez que, por uma questão meramente formal o assistente lhe vê denegada a justiça a que tem direito.

    A Relação negou provimento ao recurso entendendo, em concordância com a decisão então recorrida, designadamente (cfr. o acórdão de fls. 479 e ss.):

    (…) o referido requerimento não contém uma descrição de factos concretos, imputados a pessoa concreta (o que é essencial pois são quatro os arguidos) e claramente demarcados, situados no tempo e no espaço, que possa constituir a suficiente narração, mesmo sucinta, de factos que materializem a prática de qualquer desses crimes, narração que é nos termos expostos, exigível

    .

    De tal acórdão interpôs o assistente o presente recurso, identificando no respetivo requerimento a seguinte questão de inconstitucionalidade (fls. 506 e 507):

    (…a) norma constante do art. 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por violação do art. 20.º, n.º 1 e n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, se lhe for dada a interpretação de que não é possível ao assistente aperfeiçoar o requerimento para abertura de instrução, quando não se dê cumprimento ao disposto no art. 283.º, n.º 3, al. b) e c), uma vez que, por uma questão meramente formal o assistente lhe vê denegada a justiça a que tem direito, a qual já foi suscitada no recurso para esta Veneranda Relação.

  3. Nas alegações que produziu no Tribunal Constitucional (fls. 519 e ss.), o recorrente apresentou as seguintes conclusões:

    1. A nulidade que deve ferir a acusação e o requerimento instrutório em caso de arquivamento do inquérito pela falta de especificação dos factos imputados a cada um dos arguidos, não pode estender-se à situação na qual o ofendido – na sua apresentação de queixa – deixou claramente formulado cada facto e cada interveniente a quem o imputa, com a respetiva data e hora, por ser manifesto que o vício substancial da peça não é imputável à parte (ou ofendido) mas a concreto ato da sua assistência por advogado, a qual, justamente, visa garantir que uma conduta desconforme com a disciplina do processo não possa prejudicar o titular do direito de acesso à Justiça e aos Tribunais e seria chocante admitir sem mais – e sequer uma vez - que o efeito possa ser patentemente o inverso;

    2. Assim,

    3. Tal como o direito de acesso à justiça e aos tribunais comporta o direito a uma decisão em prazo razoável e tecnicamente suficiente à solução do caso, assim o direito à assistência por advogado supõe uma assessoria tecnicamente suficiente a qual se mostra patentemente em falta – ocorra o que tenha ocorrido e explique-se tal circunstância como se explicar – quando o patrocínio forense se mostra, num ato concreto como o do requerimento de abertura de instrução - incapaz de obedecer às exigências formais e substanciais da disciplina do processo apesar do patrocinado ter fornecido todos os elementos necessários ao cumprimento das exigências de uma devida formulação técnica, como, no caso, se nota até pela enunciação clara dos factos e das imputações no próprio despacho do Ministério Público que decide pelo arquivamento por não ter logrado reunir prova bastante;

    4. Interpretar a omissão dos requisitos formais previstos no art. 283/3/b/c CPP nas descritas circunstâncias como vício a imputar ao ofendido e cujas consequências processuais deveriam ser suportadas por ele, quando dos autos resulta que este forneceu todos os elementos necessários à correção das imputações acusatórias que não foram usados por erro no patrocínio forense, traduz uma omissão de tutela efetiva seja no plano da materialidade e eficácia do patrocínio forense, no plano do acesso ao Direito e aos tribunais, consubstanciando, sim, uma violação do art.º 20, 4 CRP por ser manifesto o desrespeito pela equidade na situação processual que assim se gera, com o alcance de objetiva anulação do acesso ao Direito e tribunais tal como o configuram as exigências do art.º 20º/1 CRP pela frustração radical do direito acolhido no art.º 20º/2 CRP que não pode entender-se como uma exigência formal de presença do mero estatuto profissional de advogado sem que se mostre a aptidão técnica da intervenção exigível, traduzindo objetiva frustração da tutela efetiva contra ameaças e violações dos direitos do patrocinado, sendo evidente nestas circunstancias – eventualmente raras, ao menos à luz da esperança – que a primeira nulidade a considerar não é a do requerimento instrutório, mas a da anulação e apagamento de todos os direitos do ofendido em processo.

  4. O Ministério Público contra-alegou (fls. 529 e ss.), tendo concluído o seguinte:

    1. Diferentemente do que afirmou o recorrente quando, no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional definiu o seu objeto, a decisão recorrida entendeu que as insuficiências do requerimento de interposição do recurso não eram meramente formais.

    2. Assim, não havendo correspondência entre a interpretação normativa questionada e a aplicada, falta um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, não devendo, consequentemente, conhecer-se do objeto do recurso.

    3. O direito do ofendido intervir no processo penal, nos termos da lei, consagrado no artigo 32.º, n.º 7, da Constituição, tem de ser conjugado com as garantias de defesa em processo penal, com tutela constitucional acrescida.

    4. A obrigatoriedade do requerimento de instrução do assistente conter expressamente a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação de uma sanção penal e a indicação das disposições legais aplicáveis, não configura exigência excessiva, nem torna constitucionalmente censurável, que, pela não observância destes requisitos, a instrução não venha a ser aberta, por legalmente inadmissível, no quadro de um processo penal de estrutura acusatória.

    5. A norma constante dos artigos 287.º, nº 2 e 283.º, nº 3, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal, interpretada em termos de não impor a formulação de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento para abertura da instrução, apresentado pelo assistente e que não contenha o essencial...

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