Acórdão nº 275/09 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução27 de Maio de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 275/2009

Processo 647/08

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

  1. Nos presentes autos, foi interposto recurso pelo Ministério Público, com natureza obrigatória, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea a), e n.º 3 da CRP e dos artigos 70º, n.º 1, alínea a), e 72º, n.º 3, ambos da LTC, da sentença do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, proferida em 27 de Maio de 2008 (fls. 40 a 47) que determinou a desaplicação da norma extraída a partir da conjugação do artigo 348º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e dos artigos 152º, n.º 3 e 153º, n.º 8, ambos do Código da Estrada, de acordo com a redacção fixada pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por versar sobre matéria da competência legislativa reservada da Assembleia da República, sem que o Governo estivesse dotado da necessária autorização legislativa, bem como na sua inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade e da restrição mínima da liberdade pessoal, previsto no n.º 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa.

  2. Notificado para tal pela Relatora, o recorrente produziu alegações, das quais constam as seguintes conclusões:

    1. Como na versão do Código da Estrada saída da alteração legislativa introduzida pelo Decreto-Lei nº 265-A/2001, de 28 de Setembro, a conduta do recorrente já era punível como crime de desobediência, as alterações introduzidas naquele Código pelo Decreto-Lei nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, nada inovaram.

    2. Por isso, as normas dos artigos 152º, nº 3 e 153º, nº 8, do Código da Estrada, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 44/2005, em conjugação com o artigo 348º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na interpretação segundo a qual constitui crime de desobediência a recusa injustificada a ser-se submetido a colheita de sangue para análise, nos casos em que, para apurar a taxa de alcoolemia de condutor de veículo automóvel, não for possível a realização de prova por pesquisa no ar expirado, não são organicamente inconstitucionais.

    3. A norma também não é materialmente inconstitucional, não violando qualquer princípio ou preceito constitucional, designadamente os artigos 18º, nº 2, e 32º, nº 8, da Constituição.

    4. Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o julgamento de não inconstitucionalidade da norma desaplicada na sentença recorrida.

    (fls. 67 e 68)

  3. Notificado para tal, o recorrido contra-alegou, podendo extrair-se as seguintes conclusões:

    “1. O recorrido foi julgado pela prática de um crime de desobediência por ter recusado submeter-se a colheita de sangue para avaliar o estado de influenciado pelo álcool, e, veio a ser absolvido pelo facto de o Ex.mo Senhor juiz a quo ter entendido que as disposições conjugadas dos artigos 348° n.º 1, alínea a) do Código Penal por referência aos artigos 152º nº 3 e 153º nº 8 do Código da Estrada, violam a Reserva Relativa da Assembleia da República sendo por isso, organicamente inconstitucionais.

  4. Além disso, as normas em questão violam também o principio da proporcionalidade, previsto no artigo 18° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e ainda o artigo 32° n.º 8, também da CRP, pois a recolha de prova para procedimento criminal mediante colheita de sangue é ofensiva do direito à integridade física do recorrido, na medida em que o mesmo não autorizou essa colheita e vai, por isso, ser sancionado criminalmente.

  5. De facto, o entendimento do recorrido vai também nesse sentido, aliás, nem poderia o entendimento ser outro.

  6. Senão vejamos,

  7. Quanto à inconstitucionalidade orgânica referida, convém referir que a criminalização da recusa a submissão a provas para detecção do estado de influenciado pelo álcool remonta ao Dec. Lei 2/98 de 3 de Janeiro que introduziu alterações ao Código da estrada.

  8. O Dec. Lei 2/98 foi precedido de Lei de Autorização (Lei 97/97 de 23 de Agosto) que concedeu autorização ao Governo para proceder à alteração do Código da Estrada.

  9. Porém, necessário se torna referir que a criminalização da recusa efectivada pelo Dec. Lei 2/98 não abrangeu o exame por colheita de sangue, ou seja, a recusa apenas constituía crime de desobediência nos casos em que o examinado se recusasse a realizar os exames por ar expirado ou o exame médico, pois para o exame por colheita de sangue era necessário o consentimento do examinado.

  10. Referia o artigo 158º nº 3 à altura o seguinte, “Quem recusar submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas, para as quais não seja necessário o seu consentimento nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 159º, é punido por desobediência”.

  11. Compulsado o artigo 59°, à data a que nos estamos a reportar, conclui-se que o exame por análise de sangue não era obrigatório, pois apenas era realizado para efeito de contraprova e a requerimento do examinado, sendo que por isso a recusa de fazer exame de sangue não constituía crime de desobediência.

  12. As únicas provas de detecção do estado de influenciado pelo álcool obrigatórias, eram o exame por ar expirado e o exame médico.

  13. O Código da Estrada foi entretanto novamente alterado pelo Decreto-Lei n 265 – A/2001, de 28 de Setembro.

  14. Esta alteração não foi precedida de qualquer lei de autorização.

  15. O artigo 158º n.º 3 do Código da Estrada passa então a referir o seguinte: “quem recusar submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias legalmente consideradas como estupefacientes ou psicotrópicas é punido por desobediência.”

  16. Parece que desta última alteração podemos retirar uma criminalização da recusa à submissão a colheita de sangue para avaliação do estado de influenciado pelo álcool.

  17. No entanto, da análise do artigo 159º n.º 7 do C.E. concluímos que o exame por colheita de sangue continua a funcionar como contraprova, e a requerimento do examinado.

  18. Logo não podemos concluir que quando o examinado, tendo-se submetido a pesquisa de álcool no ar expirado, se recusar a ser submetido a colheita de sangue para análise, o mesmo perpetre o crime de desobediência previsto no artigo 348° n.º 1, alínea a) do Código Penal.

  19. Até porque, o artigo 159° n.º 7 do Código da Estrada confere ao examinado a possibilidade de recusa de submissão a colheita de sangue para análise.

  20. Posteriormente, deparamo-nos ainda com a a1teração do DL 44/2005 de 23 de Fevereiro.

  21. Esta alteração, foi, por sua vez, autorizada pela Lei 53/2004 de 4 de Novembro.

  22. Desde já se refere que a mencionada lei de autorização não contempla qualquer tipo de criminalização da conduta do examinado que recuse submeter-se a colheita de sangue para ava1iação do estado de influenciado pelo álcool.

  23. Desta última alteração ao código da Estrada, não resulta qualquer alteração ao artigo 158º nº 2 (cuja previsão passa agora para o artigo 152° n. 3 do C. E.).

  24. Porém, o artigo 159° nº 7, foi alterado e transposto para o actual 153º n.º 8 do C.E., passando então a referir o seguinte: “Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinado deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool.”

  25. Da leitura da norma referida, retira-se que a alteração que o DL. 44/2005, de 23 de Fevereiro fez ao Código da Estrada, e concretamente ao actual artigo 153º nº 8, criminalizou efectivamente e pela primeira vez, a recusa da realização de colheita de sangue.

  26. Não podemos, no entanto, esquecer que esta última alteração ao Código da Estrada, tendo sido precedida de Lei de autorização (Lei 53/2004 de 4 de Novembro), essa Lei de Autorização não contempla uma criminalização da recusa de submissão a colheita de sangue para avaliação do estado de influenciado pelo álcool.

  27. E, assim sendo, deparamo-nos com uma violação da Reserva Relativa de Competência da Assembleia da República, concretamente do artigo 165º n.º 1, alínea c) da Constituição da República Portuguesa.

  28. Em consequência da violação da reserva relativa de competência da Assembleia da República, verifica-se inconstitucionalidade orgânica dos artigos 348° n.º 1, alínea a) do Código Penal, bem como dos artigos 152 nº 3 e 153° n.º 8 do Código da Estrada.

  29. Por outro lado, e no que respeita à inconstitucionalidade material...

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