Acórdão nº 473/09 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Setembro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução23 de Setembro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 473/2009

Processo n.º 771/09

2.ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional

Relatório

Marco – Confiante com Ferreira Torres, grupo de cidadãos eleitores, apresentou uma lista candidata às eleições autárquicas marcadas para o dia 11 de Outubro de 2009 à Câmara Municipal de Marco de Canaveses.

O primeiro candidato efectivo desta lista é Avelino Ferreira Torres.

Após convite ao mandatário da referida lista para suprir algumas irregularidades, em 27 de Agosto de 2009 foi proferido despacho que considerou regular aquela lista, apesar de por evidente lapso de escrita se ter trocado a sua identificação com a lista “LIS – Lista Independente de Soalhães”, candidata à Assembleia de Freguesia de Soalhães.

A lista apresentada por um grupo de cidadãos eleitores Marco – Confiante com Ferreira Torres foi afixada em 28 de Agosto de 2009 nos termos do artigo 28.º, da Lei n.º 1/2001 - Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL).

Em 31 de Agosto de 2009 o Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista, Artur Elísio de Braga de Melo e Castro apresentou no Tribunal Judicial de Marco de Canaveses um requerimento com o seguinte conteúdo:

“Presidente da Comissão Política Concelhia de Marco de Canaveses do Partido Socialista – Artur Elísio Braga Melo e Castro;

Vem apresentar reclamação da admissão da candidatura de Avelino Ferreira Torres pelo movimento independente Marco Confiante à Presidência da Câmara Municipal de Marco de Canaveses;

Nos termos e com os seguintes fundamentos:

Por acórdão proferido pelo tribunal da Relação do Porto nos autos n.º 7062/04.4 Tribunal Judicial do Marco de Canaveses foi o candidato Avelino Ferreira Torres condenado com a perda de mandato.

Do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional.

Nos autos nº 46/2009 o Tribunal Constitucional proferiu acórdão transitado em julgado e junto nos autos n.º 698/96TBMCN – 1º Juízo Tribunal Judicial de Marco de Canaveses, que julgou improcedente o recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.

Tendo transitado em julgado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação em data posterior ao término desse mandato, assiste legítimas dúvidas se o candidato Avelino Ferreira Torres pode concorrer às próximas eleições autárquicas, sob pena de o podendo fazer, o acórdão que o condenou na perda de mandato não ter produzido qualquer efeito útil.

Face ao exposto, e perante as legítimas dúvidas quanto à capacidade do candidato Avelino Ferreira Torres para ser eleito, o Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista vem requerer a V. Exª que se pronuncie quanto à admissibilidade da candidatura de Avelino Ferreira Torres à Presidência da Câmara Municipal de Marco de Canaveses.”

Após resposta do grupo de cidadãos eleitores Marco – Confiante com Ferreira Torres, foi proferida em 3-9-2009 a seguinte decisão:

Veio o Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista apresentar reclamação da admissão da candidatura de Avelino Ferreira Torres pelo movimento independente Marco Confiante à Presidência da Câmara Municipal de Marco de Canaveses.

Alega em resumo que por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, nos autos n.º 7062/04.4, foi o candidato Avelino Ferreira Torres condenado com a perda de mandato.

Notificado para, querendo, se pronunciar, veio o movimento de cidadãos Marco Confiante com Ferreira Torres pugnar pelo indeferimento do requerido.

Alega em síntese que o Tribunal já se pronunciou sobre tal questão, quando admitiu a candidatura.

Mais alega que, não tendo deduzida prévia impugnação contra a candidatura de Avelino Ferreira Torres, não pode depois reclamar contra a admissibilidade dessa mesma candidatura.

Alega ainda que não apresenta o reclamante qualquer fundamento legal para a sua pretensão.

Cumpre apreciar e decidir.

A propósito da reclamação apresentada pelo Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista, duas questões se suscitam:

  1. a admissibilidade da reclamação;

  2. em caso de resposta positiva à primeira questão, a condenação de perda de mandato torna o candidato Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres inelegível?

    Comecemos por analisar a questão da admissibilidade da reclamação.

    De acordo com o alegado pelo grupo de cidadãos Marco Confiante com Ferreira Torres, a reclamação não pode proceder dado que não houve prévia impugnação da candidatura apresentada pelo Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres.

    Sobre as reclamações, estatui o artigo 29.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14/9, «das decisões relativas à apresentação de candidaturas podem reclamar os candidatos, os seus mandatários, os partidos políticos, as coligações ou os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores concorrentes à eleição para o órgão da autarquia, até quarenta e oito horas após a notificação da decisão, para o juiz que tenha proferido a decisão».

    Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo dispõe que «tratando-se de reclamações apresentadas contra a admissão de qualquer candidatura, o juiz manda notificar imediatamente o mandatário e os representantes da respectiva lista para responder, querendo, no prazo de quarenta e oito horas».

    Do elemento literal de interpretação das normas decorre que a reclamação pode ser apresentada contra a admissão de qualquer candidatura, no prazo de quarenta e oito horas, sem dependência de qualquer prévia impugnação da admissão da candidatura – basta atentar na circunstância de um determinado facto que afecte a admissibilidade de uma candidatura só ter ocorrido ou só ser do conhecimento do reclamante já depois da possibilidade de impugnar a admissibilidade da candidatura. Nesse caso, mesmo que se verificasse uma situação de violação dos preceitos legais no que concerne à elegibilidade, o tribunal não se poderia pronunciar? Cremos que não pode ser esse o entendimento.

    Para reforçar este entendimento, pode ver-se Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, 1ª reedição, p. 41, que escrevem, em anotação ao artigo 25.º, da mencionada lei, «não obstante a verificação das candidaturas, é efectuado o sorteio das listas e afixado o respectivo edital. A admissão das listas e, nesta fase, considerada provisória».

    E a p. 46, em anotação ao artigo 31.º, escrevem que «O recurso deve ser sempre antecedido de reclamação nos termos do artigo 29º e o TC só dele conhecerá se o despacho recorrido for a decisão final relativa à apresentação de candidaturas (decisão final é, para o efeito, a que for proferida sobre urna reclamação – Acórdão do TC 696/97, DR II Série, n.º 10, de 13/01/1998)».

    Por conseguinte, a admissão de uma candidatura não preclude o direito de ser apresentada reclamação contra essa mesma admissibilidade da candidatura, sem prévia impugnação.

    Pelo exposto, considero que a reclamação apresentada pelo Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do Partido Socialista é legal, admissível e tempestiva.

    Analisemos agora a segunda questão - em caso de resposta positiva à primeira questão (o que foi o caso), a condenação de perda de mandato torna o candidato Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres inelegível?.

    O Presidente da Comissão Política Concelhia do Marco de Canaveses do o Partido Socialista alega que a condenação do Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres com perda do mandato, no âmbito do Proc. n.º 7062/04.4, o torna inelegível.

    No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 698/96.2 TBMCN, que correu os seus termos pelo 1º Juízo deste Tribunal Judicial da Comarca do Marco de Canaveses, o Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres foi condenado, por Acórdão proferido no dia 11 de Junho de 2004, pela prática de factos que consubstanciam um crime continuado de peculato, previsto e punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16/07, na pena de três anos de prisão e 50 dias de multa à taxa diária de € 75, e pela prática de factos que consubstanciam um crime continuado de peculato de uso, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87 de 16/07 na pena de 40 dias de multa à taxa diária de € 75.

    Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de três anos de prisão e 70 dias de multa à taxa diária de € 75, sendo a pena de prisão suspensa na sua execução pelo período de quatro anos.

    Mais foi condenado na pena acessória de perda do respectivo mandato de Presidente da Câmara, nos termos do artigo 29.º, alínea f), da Lei n.º 34/87, de 16/07.

    Deste Acórdão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que veio a ser parcialmente procedente.

    Com efeito, por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto tirado em 22 de Fevereiro de 2006, transitado em julgado, foi o Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres absolvido da prática do crime continuado de peculato, previsto punido pelo artigo 20.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16/07, sendo condenado em co-autoria material e na forma consumada de um crime continuado de abuso de poderes, previsto e punido pelo artigo 26.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16/07, na pena de dois anos de prisão e pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime continuado de peculato de uso, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, da Lei n.º 34/87, de 16/07, na pena de 10 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e três meses de prisão, mantendo-se em tudo o mais o decidido na primeira instância, designadamente no que concerne à suspensão da execução da pena de prisão e à perda de mandato.

    O Exmo. Sr. Avelino Ferreira Torres interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi indeferido, não tendo obtido provimento o recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional.

    A propósito da perda de mandato, o artigo 29.º, da Lei n.º 34/87, de 16/07, estatui que «implica a perda do respectivo mandato a condenação definitiva por crime de...

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