Acórdão nº 622/09 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução02 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 622/2009

Processo n.º 603/09

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

    Acordam em conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

    A – Relatório

    1 – A. e mulher B., com os demais sinais dos autos, reclamam para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator na parte em que não tomou conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade.

    2 – A decisão reclamada tem o seguinte teor:

    “1 – A. e mulher B., com os demais sinais dos autos, recorrem para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), tendo feito constar do requerimento de recurso as seguintes indicações quanto ao seu objecto:

    “(...)

    1. Arts. 23º/5 e 26º/4 e 5 do CE 99 – o douto aresto recorrido interpretou e aplicou os referidos preceitos legais considerando que “a lei fala em custo de construção e não em valor de construção. (…) Calcular a indemnização com base no valor de mercado da construção seria violar o princípio da igualdade no âmbito da relação interna da expropriação, porquanto a ampla subjectividade, que encerra, permitiria tratamentos diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação que o legislador quis evitar” (v. fls. 21 e 22 do acórdão recorrido).

      A dimensão normativa atribuída aos dispositivos em causa, marginalizando o valor de mercado do bem expropriado e da construção que nele seria possível efectuar, viola as normas e princípios constitucionais consagrados nos arts. 2º, 13º e 62º da CRP, impedindo a fixação de uma justa indemnização;

    2. Arts. 28º/3 e 30º/1 do CE - o douto aresto recorrido interpretou e aplicou os referidos preceitos legais considerando que “o arrendamento é inequivocamente um encargo autónomo para efeito de indemnização do arrendatário, mas isso não impede que o custo dos desalojamentos dos inquilinos deva reflectir-se na indemnização ao proprietário, através da sua dedução ao valor do solo, como o impõe o n.º 3 do artigo 28º CE [pelo que] não poderia a sentença (…) deixar de deduzir os custos das demolições e dos desalojamentos necessários para o aproveitamento económico da parcela” (v. fls. 27 do acórdão recorrido).

      A dimensão normativa atribuída aos dispositivos em causa, admitindo a dedução da indemnização paga aos arrendatários, viola a norma e princípios constitucionais consagrados no art. 62º da CRP, impedindo a fixação de uma justa indemnização.

    3. Art. 23º/4 do CE 99 – o douto aresto recorrido aplicou o normativo referido, considerando expressamente que “a sentença limitou-se a aplicar a disposição imperativa contida no n.º 4 do artigo 23º CE, aplicável, pelo que a dedução efectuada não é ilegal, devendo, consequentemente, ser mantida” (v. fls. 29 do acórdão recorrido).

      A referida norma foi revogada pelo art. 3º da Lei 56/2008, de 4 de Setembro, sendo assim manifestamente inaplicável in casu, e foi “julga(da) inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da justa indemnização, consagrado no artigo 62.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, incluindo o da igualdade tributária, enquanto expressão específica do princípio geral da igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa” (v. Acs. TC n.º 112/2008, de 2008.02.20 e n.º 11/2008, de 2008.01.14, www.tribunalconstitucional.pt; cfr. arts. 2º, 13º, 62º e 103º/3 da CRP).

      2 – Em cumprimento do determinado ao abrigo do disposto no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, os recorrentes concretizaram, entre o mais, que as questões de constitucionalidade invocadas nas alíneas a) e b) do seu requerimento foram suscitadas com base no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, e que a questão invocada na alínea c) do requerimento de interposição do recurso fora igualmente suscitada no âmbito e para os efeitos do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

      3 – Encontrando-se verificadas as condições normativas elencadas no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, passa a decidir-se imediatamente o recurso nos termos seguintes.

      4.1 – Constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a questão de inconstitucionalidade da norma tenha sido suscitada durante o processo.

      A razão de ser de tal exigência é explicada por José Manuel M. Cardoso da Costa (A Jurisdição Constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e actualizada, 2007, pp. 31 e segs): “quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da constitucionalidade (…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a aplicação das que considerarem inconstitucionais (…). Este allgemeinen richterlichen Prüfungs und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado expressamente (…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece fiel ao princípio, tradicional e característico do direito constitucional português, do “acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém, se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum (depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero expediente processual dilatório)”.

      Daí resulta que a questão de constitucionalidade tenha de ser suscitada perante o tribunal a quo, em termos deste ficar vinculado ao seu conhecimento, o que, por sua vez, apenas, ocorre quando esse problema integra a delimitação do objecto da pronúncia judicial, configurando, assim, uma questão que o tribunal tem de considerar e dirimir antes de aplicar o critério normativo cuja constitucionalidade se controverte.

      Por outras palavras, pode dizer-se que a suscitação de um problema de inconstitucionalidade, apenas, poderá considerar-se adequada, quando a mesma configure, entre o mais, uma quaestio decidendi de conhecimento imperativo para o tribunal a quo.

      Nestes termos, exigir-se-á que, em sede de recurso, a questão de constitucionalidade seja objectivada de modo claro, directo e objectivo (cf. Acórdão n.º 1210/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt) nas conclusões da motivação do recurso uma vez que são estas que delimitam o âmbito e o objecto do recurso e, concretizando o sentido dessa exigência, tem este Tribunal estabelecido que «“suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” Impugnar a constitucionalidade de uma norma implica, pois, imputar a desconformidade com a Constituição não ao acto de aplicação do Direito – concretizado num acto de administração ou numa decisão dos tribunais – mas à própria norma, ou, quando muito, à norma numa determinada interpretação que enformou tal acto ou decisão (cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 618/96, este publicado no Diário da República II Série, de 15-05-1996). [§] É certo que não existem fórmulas sacramentais para formulação dos pedidos, nem sequer para suscitação da questão de constitucionalidade. [§] Esta tem, porém, de ocorrer de forma que deixe claro que se põe em causa a conformidade à Constituição de uma norma (...)” – cf. o referido Acórdão n.º 618/98 e os acórdãos para os quais aí se remete. O que, por sua vez, encontra justificação no facto deste Tribunal, por mor das suas particulares competências cognitivas e dos poderes que lhe estão consignados ex constitutionis, não poder assumir-se como uma instância de amparo ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol.

      4.2 Por esse motivo, não se encontram preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso quanto às normas supra...

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