Acórdão nº 643/09 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelPresidente
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 643/2009

Processo n.º 12/CPP

Plenário

ACTA

Aos quinze dias do mês de Dezembro de dois mil e nove, achando-se presentes o Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos. Conselheiros Ana Maria Guerra Martins, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, Gil Manuel Gonçalves Gomes Galvão, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Maria Lúcia Amaral, José Manuel Cardoso Borges Soeiro, João Eduardo Cura Mariano Esteves, Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Maria João da Silva Baila Madeira Antunes e Benjamim Silva Rodrigues, foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciação.

Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o seguinte:

ACÓRDÃO N.º 643/2009

  1. Relatório.

    1. O Acórdão n.º 236/2008, deste Tribunal, aplicou aos partidos políticos coimas pelas infracções cometidas por estes em matéria de financiamento e organização contabilística, no ano de 2004, e determinou o prosseguimento do processo para o efeito de apurar a responsabilidade pessoal dos dirigentes dos partidos políticos pelas ditas infracções, em conformidade com o preceituado nos artigos 14.º, n.º 3, e 14.º- A, n.º 1, da Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto (com as alterações resultantes da Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto), e no artigo 103.º- A da Lei do Tribunal Constitucional.

    2. Na sequência dessa decisão, veio o Ministério Público, promover, em suma, o seguinte:

      1. A circunstância de os resultados da auditoria e diligências complementares promovidas, no ano de 2004, não serem inteiramente concludentes quanto à cabal imputação de todas as infracções e irregularidades financeiras cometidas – bem como a eventual insuficiência dos estatutos e regulamentos financeiros então em vigor nos partidos, quanto à precisa e categórica delimitação dos vários níveis de responsabilidade pelas infracções cometidas – não pode conduzir a uma sistemática e inaceitável “diluição” das possíveis e plausíveis responsabilidades dos dirigentes partidários nas infracções que motivaram a condenação dos partidos, já que tal implicaria a evidente frustração dos objectivos prosseguidos pela Lei n.º 23/2000, que visa, obviamente, com tal responsabilidade “complementar” dos dirigentes, pôr termo ao arrastamento, ao longo dos anos, de situações irregulares, reiteradamente verificadas pelo Tribunal Constitucional nas múltiplas auditorias que tiveram já lugar.

      2. Os elementos coligidos nos autos não permitem responsabilizar, a título de dolo, dirigentes partidários determinados, quanto às infracções ao dever genérico de os partidos possuírem contabilidade organizada (violado pelo facto de ocorrer falta de suficiente ou adequado suporte ou informação documental, justificativa de receitas, despesas e mapas contabilísticos) e quanto às infracções aos deveres específicos consistentes: (i) na não adopção do procedimento de depósito integral dos donativos de natureza pecuniária em contas exclusivamente destinadas a esse efeito; (ii) na não junção de extractos bancários dos movimentos das contas e dos extractos de conta de cartão de crédito; (iii) da deficiente discriminação das quotas e outras contribuições de filiados nos partidos; (iv) na situação em que a não apresentação de contas não radica na ausência de apresentação de documentação, mas sim no facto de esta ter sido considerada não auditável.

      3. O mesmo não ocorre, porém, com outras infracções que, por estarem inquestionavelmente ligadas a aspectos estruturais e essenciais da organização financeira e contabilística dos partidos, não poderiam, ao menos numa análise liminar e indiciária, ter escapado ao controlo dos titulares dos órgãos a quem estava cometido, segundo os estatutos e regulamentos financeiros em vigor, o “domínio” da gestão financeira dos partidos.

      4. Encontra-se nesta situação a ausência de contas abrangendo todo o universo partidário, o que foi verificado quanto ao PS, PPD/PSD e ao CDS-PP.

      5. Relativamente à não apresentação de contas abrangendo todo o universo partidário, imputada ao PS, verifica-se ser a Comissão Nacional de Fiscalização Económica e Financeira o órgão ao qual se encontra cometida uma função particularmente relevante no controlo da gestão financeira do partido, já que lhe compete defender o património do Partido e pugnar pela exactidão das suas contas, fiscalizar e assegurar a verdade e a actualização do inventário dos bens do Partido, fiscalizar a legalidade, o respeito pelos Estatutos, o rigor e a transparência da gestão administrativa e financeira do Partido, fiscalizar a fidedignidade das contas e dos respectivos documentos justificativos e emitir parecer sobre o relatório e a Conta Geral do Partido (artigo 85.º dos Estatutos) – exercendo tais competências após audição do Secretário Nacional que detiver o pelouro da Administração e das Finanças do Partido (cargo que, conforme informação prestada pelo próprio Partido, não havia no Partido no ano de 2004). A Conta Geral do Partido é apresentada pelo Secretário-Geral à Comissão Nacional, acompanhada do parecer da Comissão Nacional de Fiscalização Económica e Financeira (artigo 75º, n.º 2, al. c), dos Estatutos). Os membros deste órgão de controlo de gestão financeira do Partido foram, no exercício de 2004, Mário Neto Reis Lourenço, Ana Paula Noivo, Ana Paula Enes Morais, José Torres Campos, José Manuel Serra Andrade, Fernando Santos Carvalho e José Cabeças. Tais responsáveis pelo controlo da legalidade e exactidão das contas do Partido bem sabiam, face ao teor dos preceitos legais e das disposições estatutárias mencionadas e à reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o Partido estava vinculado à apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas partidárias, devendo ter adoptado as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido nas contas referentes ao exercício de 2004. Pelo que, ao não terem adoptado as providências adequadas para que a conta de 2004 abrangesse o universo do Partido, mostra-se indiciado que participaram, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 56/98, promovendo-se, consequentemente, a aplicação da coima prevista no artigo 14.º, n.º 3, da mesma Lei.

      6. Quanto ao PPD/PSD, compete ao Secretário-Geral elaborar e submeter à Comissão Política Nacional o orçamento e as contas do Partido, podendo ser coadjuvado por Secretários-Gerais Adjuntos [artigo 25.º, n.º 1, alíneas c) e e), dos Estatutos]. Também o Regulamento Financeiro do partido em vigor desde 2004 regula, nomeadamente, a apresentação de contas e a actualização do inventário pelas entidades a ele sujeitas (art. 2º), prevendo os respectivos artigos 11º a 13º a responsabilidade pessoal e funcional dos titulares de órgãos ou estruturas sujeitos à disciplina do referido Regulamento. Os responsáveis, em 2004, eram o Secretário-Geral, Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas (a partir de Maio de 2004) e o Secretário-Geral Adjunto para a área financeira, José Manuel de Matos Rosa. Tais responsáveis financeiros bem sabiam, face ao teor dos preceitos legais e das disposições estatutárias invocadas e à reiterada jurisprudência deste Tribunal Constitucional, que estavam vinculados à apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas partidárias, devendo ter adoptado tempestivamente as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido no exercício de 2004, pelo que, não o tendo feito, se mostra indiciado que participaram, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 4, promovendo-se a aplicação da coima prevista no artigo 14.º, n.º 3, da citada lei.

      7. Quanto ao CDS-PP, competia à Comissão Directiva dirigir a organização administrativa e financeira do partido e elaborar o seu Orçamento e Contas (artigo 50º, n.º 1, alíneas d) e f) dos Estatutos), sendo que com a alteração estatutária de 2004, tais competências passaram a caber à Comissão Executiva. No decurso do ano de 2004, o responsável pelo sector financeiro do CDS/PP foi Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro. Este membro da Comissão Directiva e responsável financeiro bem sabia face ao teor dos preceitos legais e das disposições estatutárias e à reiterada jurisprudência deste Tribunal Constitucional, que estava vinculado à apresentação de uma conta consolidada, que abrangesse o universo das estruturas partidárias, devendo ter adoptado tempestivamente as providências adequadas para que tal tivesse ocorrido no exercício de 2004, pelo que, não o tendo feito, se mostra indiciado que participou, com dolo, no cometimento da infracção prevista no artigo 10.º, n.º 4, promovendo-se a aplicação da coima prevista no artigo 14.º, n.º 3, da citada lei.

    3. Em resposta à promoção do Ministério Público, vieram pronunciar-se Mário Neto Reis Lourenço, Ana Paula Noivo, Ana Paula Enes Morais, José Torres Campos, José Manuel Serra Andrade, Fernando Santos Carvalho e José Cabeças (todos do PS), Miguel Fernando Cassola de Miranda Relvas e José Manuel de Matos Rosa (ambos do PPD/PSD) e Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro (do CDS-PP), alegando, em suma, o seguinte:

      1. Ana Paula Noivo, Ana Paula Enes Morais, José Torres Campos e José Manuel Serra Andrade afirmaram que o apuramento da responsabilidade pessoal dos dirigentes prevista no n.º 3 do artigo 14° da Lei n.º 56/98, de 18 de Agosto, implica um maior nível na concretização e densificação da matéria de facto (a auditoria realizada não abrangeu uma averiguação aprofundada das possíveis responsabilidades pessoais dos dirigentes) e que as irregularidades verificadas, prendendo-se com a própria organização do partido, ultrapassam o domínio da vontade dos dirigentes individuais, o que impossibilita a identificação das pessoas a quem as infracções podem ser pessoalmente imputadas. Referiram ainda que a CNFEF dispõe de natureza eminentemente fiscalizadora e não executiva, não tem competências ao nível da gestão e aprovação das contas do Partido (limita-se à emissão de parecer não...

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