Acórdão nº 99/10 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Março de 2010

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução03 de Março de 2010
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 99/2010

Processo n.º 629/09

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

No âmbito da acção declarativa de condenação proposta por A. contra o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (anteriormente denominado Instituto Nacional de Habitação), que correu seus termos na 1.ª Secção da 14.ª Vara Cível de Lisboa, sob o n.º 429/07.3 TVLSB, a demandante pediu inter alia que o demandado fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 51.802.49, a título de indemnização pelos danos causados pela cessação antecipada das funções que vinha exercendo como vogal no conselho directivo do segundo, em virtude de exoneração por mera conveniência de serviço.

Foi proferido despacho saneador, datado de 21 de Novembro de 2007, que conheceu logo do mérito da acção e julgou a aludida pretensão parcialmente procedente.

Na sequência de recursos sucessivamente interpostos pela Autora, tal decisão viria a ser integralmente confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça, mediantes acórdãos proferidos, respectivamente, em 8 de Julho de 2008 e em 4 de Junho de 2009, apresentando este último, na parte que ora releva, a seguinte fundamentação:

[...]

1 A primeira questão colocada pela recorrente é a do cálculo da indemnização devida pelo réu à autora, atendendo à sua exoneração, por mera conveniência de serviço.

A questão é contemplada nos nºs 2 e 6 do artº 6º do DL 464/82 de 09.12.

No nº 2 estabelece-se que o gestor exonerado nos casos como o da autora tem direito a uma indemnização correspondente aos ordenados vincendos, até o limite do vencimento anual.

No nº 6 ressalva-se que essa mesma indemnização será reduzida ao montante da diferença do vencimento como gestor e do vencimento do lugar de origem, se o gestor, como no caso da autora, exerceu as funções em comissão de serviço, ou em requisição.

As instâncias determinaram os vencimentos anuais da autora no lugar de origem e como gestora, estabelecendo que a respectiva diferença constitui a sua indemnização.

A recorrente, porém, entende que deve ser calculado a totalidade dos vencimentos de gestor durante a comissão ou requisição e a totalidade dos vencimentos no lugar de origem no mesmo período e será sobre a diferença desses montantes que deve ser estabelecido o limite do vencimento anual.

Quid juris?

A intenção do legislador é clara. O gestor exonerado por mera conveniência de serviços tem direito a uma indemnização calculada com base nas remunerações vincendas até ao limite máximo de um vencimento anual.

Só que, no caso de comissão de serviço ou requisição, em que existe um lugar de origem, onde, durante o período anual das referidas remunerações vincendas, o gestor exonerado vai receber ordenados, há que descontar estes mesmos ordenados, por forma a tornar iguais para todos os gestores exonerados o cálculo da indemnização. E a única forma de conseguir a finalidade da lei é calcular a indemnização nos termos em que o fizeram as instâncias.

A não se entender assim, como se assinala na decisão em apreço, poder-se-ia até neutralizar o efeito pretendido no aludido nº 6 e “que é o de evitar a acumulação de rendimentos.”

No presente caso, como a diferença dos vencimentos é superior ao vencimento anual da recorrente como gestora é este último que seria, no seu entendimento, o montante da indemnização. O que a não impediria de receber os ordenados no lugar de origem após o termo da comissão ou da requisição. Significaria isto que ia receber realmente mais de que quem não tivesse um lugar de origem e tivesse sido exonerado na mesma altura em que o foi a recorrente, pois este último apenas tinha garantido o vencimento anual de gestor.

Por isso, não se diga, como o faz a recorrente que esta forma de calcular a indemnizar afecta o princípio constitucional da igualdade de tratamento. E precisamente ao contrário.

A igualdade obtém-se tratando de forma desigual o que é desigual. E só fazendo o desconto a quem tem um lugar de origem é que se assegura que este não é beneficiado em relação a quem não o tem.

[...]

O recorrente interpôs então recurso da referida decisão do Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), onde, na sequência de convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, arguiu a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, na interpretação segundo a qual a indemnização devida ao gestor público, que exerça as suas funções em regime de requisição, não pode ser superior à diferença existente entre as remunerações vincendas como gestor público e as processadas no seu lugar de origem, durante o período de um ano.

A recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:

“O princípio da igualdade, enquanto princípio basilar da Constituição da República, desdobra-se em dois comandos: impor um tratamento igual a indivíduos que se encontrem, nomeadamente, em situações económicas tendencialmente iguais e desigual, quando aquelas situações económicas também o forem.

Aplicando este princípio da igualdade, na parte em que ele manda tratar desigualmente o que desigual for, o n.º 6 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82, de 9 de Dezembro, postula que a indemnização devida a um gestor público, cujo mandato antecipadamente cessou por conveniência de serviço, varia consoante este exerça ou não aquelas funções em regime de comissão de serviço ou de requisição.

A situação económica de quem, exercendo funções de gestor público em regime de comissão de serviço ou de requisição, as vê antecipadamente cessar é uma: regressa ao lugar e ao vencimento de origem, ao passo que nos restantes casos é outra: eventualmente passará a uma situação de desempregado.

Em termos de remunerações auferidas, o dano, no primeiro caso, limita-se às diferenças salariais entre o vencimento auferido como gestor público e o devido pelo lugar de origem a que regressa. E pode mesmo nem sequer se verificar um qualquer dano, bastando que a remuneração abonada no lugar de origem seja superior à auferida pelo exercício das funções de gestor público.

Já, no segundo caso, o dano corresponde à totalidade da remuneração que o gestor deixou de auferir, quando o seu mandato é feito antecipadamente cessar por conveniência de serviço.

O teor do n.º 6 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 corresponde, assim, à concretização desse princípio constitucional da igualdade e também reflecte a mera aplicação de um dos princípios básicos do instituto da indemnização por danos, que associa o cálculo do montante da indemnização à determinação dos danos sofridos pelo indemnizado.

Já, porém, o n.º 2 do art. 6 do mesmo Decreto-Lei n.º 464/82 não tem por vocação concretizar o princípio da igualdade, antes sim o de limitar a responsabilidade indemnizatória por cessação antecipada e por conveniência de serviço do mandato de um gestor público.

O n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 estabelece um limite indemnizatório que se poderia sintetizar do seguinte modo: em circunstância alguma, o montante da indemnização devida pode ultrapassar uma verba correspondente às remunerações de um ano de vencimentos do gestor público exonerado.

Este limite à responsabilidade indemnizatória, pode até nunca operar: será o caso em que a cessação antecipada do mandato ocorre no decurso do último ano deste. E poderá ter uma aplicação bem mais gravosa: será o caso do gestor público, que vê cessado o seu mandato pouco depois de o ter iniciado.

O n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 estabelece um limite – o do montante máximo da indemnização devida – que é aplicado, ou não, depois do valor desta ter sido determinado.

O dano pela cessação antecipada do mandato há-de sempre ser balizado pelo tempo em que o gestor público, por conveniência de serviço, deixou de exercer aquelas funções.

Este tempo é convertido nas remunerações vincendas perdidas, caso o gestor público exonerado não exercesse as suas funções em regime de comissão de serviço ou requisição, ou nas diferenças remuneratórias entre os vencimentos abonados ao gestor público e os devidos pelo seu lugar de origem, no caso do exercício de funções se fazer naqueles regimes de comissão de serviço ou requisição.

Este é o dano efectivamente sofrido por quem vê cessar antecipadamente as suas funções de gestor público. O n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 estabelece que, independentemente do valor deste dano, o montante máximo da indemnização não pode ultrapassar um determinado montante: o correspondente ao vencimento auferido ao longo de um ano pelo gestor exonerado.

O n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 funciona, assim, de modo em tudo idêntico ao das cláusulas de limitação de responsabilidade.

Sucede, porém que esta norma do n.º 2 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82 foi indevidamente interpretada como fixando um duplo limite na responsabilidade indemnizatória: se o gestor público, cujo mandato foi antecipadamente cessado, o exercia em regime de comissão de serviço ou requisição, a responsabilidade indemnizatória limita-se às diferenças remuneratórias apuradas ao longo de um ano, nos restantes casos, esse limite corresponde ao do valor do vencimento anual do gestor público exonerado.

Esta interpretação legal é indevida, pois não encontra qualquer sustentação na letra da Lei, violando assim uma das regras basilares de interpretação estatuídas no Código Civil.

Mas esta interpretação, e é isso que interessa a esse Venerando Tribunal Constitucional, representa uma violação frontal do princípio constitucional da igualdade.

É que este princípio constitucional da igualdade já surge aplicado no n.º 6 do art. 6 do Decreto-Lei n.º 464/82.

Ora, nada justifica fixar, aliás ao arrepio da letra da Lei, também um duplo limite indemnizatório aos que exercem as funções de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT