Acórdão nº 102/15 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 102/2015

Processo n.º 197/2014

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. No Juízo de Instrução Criminal de Águeda, após o Ministério Público ter considerado suficientemente indiciada a prática pelo arguido A. de um crime de pesca ilegal, previsto e punido pelos artigos 40.º§ 1.º e 65.º, do Regulamento da Lei n.º 2 097, aprovado pelo Decreto n.º 44 623, de 10 de outubro de 1962, e de ter proposto a suspensão provisória do processo, foi proferido o seguinte despacho:

    Foram recolhidos indícios da prática pela arguida de um crime de exercício de pesca ilegal, p.p. art.º 40.º parágrafo 1.º e 65.º do D.L. n.º 44623 de 10-10-1962.

    A pena aplicável ao crime em causa é, nos termos do artigo 65.º do referido diploma legal de prisão de 10 a 30 dias e multa de €2,99 a €74,82.

    O D.L. 400/82 de 23-9, diploma que aprovou o CP de 1982, estabelece no seu artigo 3.º n.º 1 que «ficam alterados para os limites mínimos e máximos resultantes do artigo 46.ºdo Código Penal todas as penas de prisão que tenham a duração inferior ou superior aos limites aí estabelecidos».

    A consequência prática, no que ao crime em causa nestes autos respeita, é que a pena de prisão aplicável teria limites mínimo e máximo coincidentes (30 dias) importando, por esta razão, uma inaceitável e inconstitucional limitação dos poderes do Juiz na determinação concreta da pena, em violação dos princípios da culpa, da igualdade, da necessidade e da proporcionalidade.

    Neste mesmo sentido – da inconstitucionalidade do referido artigo 3.º n.º 1 do D.L. 400/82 de 23-9, quando interpretada num sentido conducente à aplicação de pena de prisão com limite mínimo e máximo coincidentes, se pronunciou já o TC nos Ac. n.os 22/2003 e 163/04 (www.tribunalconstitucional.pt) e, ainda na decisão Sumária n.º 386/2009 de 24-9 referente a recurso (obrigatório) N.º 633/09 da 3.ª secção interposto pelo MP sobre nosso despacho proferido nos autos 4/09.8GAAND, remetendo-se para os fundamentos desta última, por absoluta concordância.

    Recusa-se, assim, a aplicação do convocado artigo 3.º n.º 1 do D.L. 400/82, por inconstitucionalidade do mesmo.

    Notifique o MP.

    *

    A aplicação da moldura da pena de prisão prevista no Decreto n.º 44623 não é uma solução viável, pois que representaria uma violação do princípio da aplicação do regime penal mais favorável – art.º 2.º do CPenal. Basta a este propósito – para demonstrar o desacerto de tal solução – pensar em hipotético crime que segundo o regime anterior ao CP de 82 fosse punível com pena de prisão com limites mínimo e máximos superiores a 25 anos, hipótese em que certamente não se ousaria (em face da inconstitucionalidade do art.º 3.º n.º 1 do D.L. 400/82) aplicar a pena antes em vigor.

    A solução que restaria seria fixionar uma «nova» pena reduzida à moldura da pena de multa, solução que não aceitamos porquanto se entende como violadora do princípio da legalidade.

    Assim sendo, face aos limites fixados no artigo 46.º do CP de 1982 e à inconstitucionalidade do artigo 3.º n.º 1 do D.L. 400/82, a consequência será considerar como não punível a conduta do arguido.

    Face ao exposto, NÃO SE CONCORDA com a promovida suspensão do processo.

  2. Deste despacho o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional: LTC. O requerimento de interposição tem o seguinte teor:

    Vem o presente recurso interposto do despacho proferido a fls. 57 a 58 dos autos à margem referenciados:

    Nos termos dos artigos 70.º, al. a), e 72.º, n.ºs 1, al. a) e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro;

    Porquanto tal despacho recusou a aplicação da norma contida no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, conjugada com o artigo 40.º do Código Penal aprovado por tal diploma legal e com os artigos 40.º § °, e 65.º do Decreto n.º 44623, de 10 de outubro de 1962 (sendo de notar que tal despacho, com certeza por lapso de escrita e uma vez que se refere a pena de prisão, se refere ao artigo 46.º do Código Penal de l982);

    Recusa essa que tem como fundamento a inconstitucionalidade de tal noma legal, por violação dos princípios constitucionalmente consagrados da culpa, da igualdade, de necessidade e da proporcionalidade (invocados em tal despacho);

    Considerando, em consequência, não punível a conduta que naqueles autos é imputada ao arguido e, portanto, recusando a sua concordância com a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo.

    Tal juízo de inconstitucionalidade constituiu o fundamento normativo da decisão contida no sobredito despacho.

    Traz-se, assim, à apreciação do Tribunal Constitucional a norma desaplicada pelo tribunal a quo: a norma contida no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, quando conjugada com o artigo 40.º do Código Penal aprovado por tal diploma legal e com os artigos 40.º, § 10, e 65.º do Decreto n.º 44623, de 10 de outubro de 1962;

    Requerendo-se seja apreciada a sua constitucionalidade.

  3. Recebido o...

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