Decisões Sumárias nº 165/15 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Fevereiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 165/2015

Processo n.º 152/15

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos da COMARCA DO PORTO – INSTÂNCIA CENTRAL – 1.ª SECCÇÃO DO TRABALHO - J1, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrida

    A., S.A., o primeiro vem interpor recurso obrigatório (cfr. fls. 664) ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão proferida por aquela Instância Central – 1.ª Secção do Trabalho – J1 de fls. 653 a 662, que decidiu recusar, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação das normas dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6, e 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho (cfr. fls. 662).

  2. O recorrente Ministério Público interpôs recurso obrigatório nos termos seguintes (cfr. fls. 664):

    (…) O Ministério Público vem, ao abrigo do disposto nos arts. 70º n.º 1 a), 71º nº 1. 72º nº 1 e 3, 73º, 74º, 75º nº 1, 75º-A e 76º nº 1, todos da Lei nº 28/82 de 15-11, que aprova a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional;

    interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da douta decisão que,

    ao abrigo do disposto no art. 204º da Constituição da República Portuguesa, recusou a aplicação das normas constantes dos art. 26º nº 1 i) e 6, 186ºK a 186ºR do Código do Processo do Trabalho, com as alterações introduzidas pelados Lei nº 63/2013 de 27-08, por violação dos princípios do Estado do Direito, da Liberdade de escolha do género do trabalho, da Igualdade, da Autonomia do Ministério Público e do Direito a um processo equitativo, recurso esse a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. (…)

    .

  3. O recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho do Tribunal recorrido de fls. 665.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II – Fundamentação

  4. A decisão recorrida, proferida em acção declarativa de reconhecimento de existência de contrato de trabalho contra a ora recorrida, decidiu (cfr. Decisão, fls. 662):

    (…) DECISÃO

    Pelo exposto, e ao abrigo do artigo 204.° da CRP, decide-se recusar a aplicação das normas constantes dos arts. 26°/1, al. i) e 6, 186°K a 186°R do C.P:trabalho, introduzidas pela Lei n.º 63/2013 de 27 de Agosto por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, da Liberdade, da Iniciativa Privada, da Liberdade de Escolha do Género de Trabalho, da Igualdade, da Autonomia do Ministério Público e do Direito a um Processo

    Equitativo, e em consequência, absolve-se a Ré da instância.

    Sem custas atenta a isenção do Autor.

  5. A questão de constitucionalidade que constitui objeto do presente recurso, relativa às normas dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i) e n.º 6, 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho, introduzidas pela Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, foi já apreciada pelo Acórdão n.º 94/2015, de 3 de fevereiro de 2015, da 2ª Secção deste Tribunal (disponível, bem como os adiante citados, em http://www.tribunalconstitucional.pt), o qual decidiu «não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 26.º, n.º 1, al. i), e n.º 6, e 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho (cfr. III – Decisão, a)) - decisão reiterada pela Decisão Sumária n.º 104/2015, de 10 de fevereiro de 2015, igualmente da 2.ª Secção deste Tribunal.

    Considerou-se, para concluir por um juízo de não inconstitucionalidade, no referido Acórdão n.º 94/2015, o seguinte (cfr. Fundamentação, 2. Do mérito do recurso):

    (…)

    O tribunal a quo recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, das normas dos artigos 26.º, n.º 1, al. i), e n.º 6, e 186.º-K a 186.º-R, todos do CPT.

    Na sua fundamentação, a decisão recorrida começou por referir que o legislador, sem proceder a qualquer alteração legislativa ao nível do ordenamento jurídico substantivo e com o objetivo de instituir «mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado», alterou o Código de Processo de Trabalho através da Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, consagrando uma nova forma de processo especial, a «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho», regulada nos referidos artigos 186.º-K a 186.º-R e igualmente prevista no artigo 26.º, n.º 1, al. i), do referido Código, que visa a declaração da existência ou não de relação jurídica laboral, bem como a fixação da data do seu início, salientando que esta declaração ocorre em relação a duas pessoas que não correspondem à entidade que faz a participação prevista no artigo 186.º-K, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, nem ao Ministério Público que intenta a ação.

    Entendeu, por isso, a decisão recorrida que se colocava no caso concreto a questão de saber se o Estado, através de uma entidade administrativa (Autoridade para as Condições de Trabalho - ACT) e do Ministério Público, poderia intrometer-se numa relação jurídica de natureza privada estabelecida entre duas pessoas, em relação à qual as partes não haviam suscitado qualquer conflito de interesses, nem estavam em litígio.

    Seguidamente, depois de apontar diversas deficiências técnicas e “incoerências” ao referido regime legal, a decisão recorrida considerou que a «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho» não corresponde à efetivação de qualquer concreto direito material/substantivo, designadamente, de um direito ou interesse de ordem pública, consubstanciando uma intervenção e intromissão do Estado numa relação jurídica de natureza absolutamente privada, estabelecida entre duas pessoas ao abrigo dos princípios da liberdade contratual e da autonomia privada, não tendo em vista tal intervenção solucionar um qualquer litígio existente entre elas, mas sim sujeitá-las a uma declaração judicial da qualificação do contrato que tal relação jurídica consubstancia, obrigando-as a um litígio judicial que as mesmas não querem e que efetivamente não é por elas suscitado, podendo mesmo obrigá-las à modificação da relação jurídica que constituíram entre si.

    Feitas estas considerações, a decisão recorrida concluiu que o regime legal da «ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho» era desconforme com a Constituição, tendo recusado a aplicação das mencionadas normas dos artigos 26.º, n.º 1, al. i) e n.º 6, e 186.º-K a 186.º-R, todos do Código do Processo de Trabalho, com fundamento na violação do “Princípio Fundamental do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2º da C.R.P, na sua vertente do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança”, do “Princípio Fundamental da Liberdade de Escolha do Género de Trabalho, consagrado no art. 47º/1 da C.R.P.” e do “Princípio Fundamental da Igualdade, consagrado no art. 13º da C.R.P.”

    Antes de apreciar se o referido regime normativo viola os referidos parâmetros constitucionais, importa, para melhor análise das questões suscitadas, proceder a um enquadramento das alterações legislativas introduzidas pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

    Esta lei, conforme consta do seu artigo 1.º, teve como propósito instituir «mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado». Tendo em vista esse objetivo, criou um procedimento administrativo da competência da Autoridade para as Condições do Trabalho (previsto no 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, aditado pelo artigo 4.º da referida Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto), bem como uma nova ação judicial (a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho), que passou a integrar o conjunto das ações enumeradas no artigo 26.º, estando a sua tramitação prevista nos artigos 186.º-K a 186.º-R do Código de Processo do Trabalho, aditados pelo artigo 5.º da referida Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

    Este último diploma teve a sua origem no Projeto de Lei n.º 142/XII, resultante de iniciativa legislativa de cidadãos, em cuja exposição de motivos constava o seguinte:

    A precariedade atinge hoje cerca de 2 milhões de trabalhadores em Portugal e o seu crescimento ameaça todos os outros. Com a situação atual, defrauda-se o presente, insulta-se o passado e hipoteca-se a futuro. Desperdiçam-se as aspirações de toda uma geração de novos trabalhadores, que não pode prosperar. Desperdiçam-se décadas de esforço, investimento e dedicação das gerações anteriores, também elas cada vez mais afetadas pelo desemprego e pela precariedade. Desperdiçam-se os recursos e competências, retiram-se esperanças e direitos e, portanto, uma perspetiva de futuro.

    É necessário desencadear uma mudança qualitativa do país. É urgente terminar com a situação precária para a qual estão a ser arrastados os trabalhadores, que legitimamente aspiram a um futuro digno com direitos em todas as áreas da vida.

    Assim, a presente "Lei Contra a Precariedade" introduz mecanismos legais de modo a evitar a perpetuação das formas atípicas e injustas de trabalho, incidindo sobre três vetores fundamentais da degradação das relações laborais com prejuízo claro para o lado do trabalhador: os falsos recibos verdes, a contratação a prazo e a trabalho temporário.

    No decurso do processo legislativo, o referido Projeto de Lei n.º 142/XII baixou à Comissão de Segurança Social e Trabalho, sem votação, por um prazo de 30 dias, após o que esta Comissão apresentou um texto de substituição que, tendo merecido aprovação, veio dar origem à Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

    Este diploma legislativo deve ser enquadrado num âmbito mais vasto, inserindo-se num conjunto de outras intervenções legislativas anteriores orientadas no sentido de combater a utilização indevida da figura do contrato de prestação de serviços em relação de trabalho subordinado e a consequente precaridade laboral daí decorrente.

    Importa, por isso, proceder a uma breve análise desta problemática.

    Como é sabido, a qualificação de determinada relação jurídica como sendo um contrato de trabalho implica a aplicação a essa relação de um determinado regime jurídico, não só no...

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