Acórdão nº 228/15 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Maria de Fátima Mata-Mouros
Data da Resolução28 de Abril de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 228/2015

Processo n.º 10/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Maria de Fátima Mata-Mouros

Acordam, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. O Ministério Público interpôs recurso ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a) [por lapso tendo sido indicada a alínea g)] da Lei do Tribunal Constitucional, da decisão proferida pelo Tribunal do Porto – Instância Central, 1.ª Secção de Trabalho, em 28 de novembro de 2014, no âmbito de uma ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho instaurado contra a ora recorrida A., S.A.

  2. Na decisão recorrida, e no que ora importa, decidiu-se:

    “….- julga-se inconstitucional e decide-se não aplicar as normas constantes dos artºs 26.º, n.º 1 al. i) e 6, 186.º-K a 186.º-R do C. Pr. Trabalho, por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, na sua vertente do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, da igualdade e da autonomia do M. Público e da separação de poderes.

    Consequentemente, absolve-se a ré da instância e declara-se a extinção da presente instância».

    Convidado a alegar, veio o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal, sustentar o provimento do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

    IX - Conclusões

    84. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor do douto despacho de fls. 561 a 573 dos presentes autos, proferido pela 1.ª Secção de Trabalho da Instância Central da Comarca do Porto, “(…) nos termos do art.º 70.º n.º 1 al- a) [embora por lapso tenha sido indicada a al. g)] da Lei do Tribunal Constitucional (…)”.

    85. O recurso tem por objeto a “(…) douta sentença de 03-11-2014, [que]decidiu não aplicar as normas constantes dos art.º 26.º, n.º 1 al- i) e 6, 186.ºK a 186.ªR do Código Processo do Trabalho (…)”.

    86. Os parâmetros constitucionais cuja constitucionalidade é invocada são os “princípios do Estado de Direito Democrático, na sua vertente do princípio da segurança jurídica e do princípio da confiança, da igualdade, da autonomia do Ministério Público e da separação de poderes”.

    87. A douta decisão judicial aqui impugnada, imputa às normas jurídicas plasmadas nos artigos 26.º, n.ºs 1, alínea i) e 6, e 186.º-K a 186.º-R do Código do Processo de Trabalho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, a violação do princípio constitucional da separação de poderes, plasmado, conjugadamente, nos artigos 2.º, e 111.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

    88. Todavia, conforme resulta, inequivocamente, do teor do n.º 1, do artigo 111.º, da Constituição da República Portuguesa, a norma constitucional que garante os princípios da separação e interdependência de poderes, reporta-se aos órgãos de soberania elencados pela mesma Constituição, entre os quais não se conta o Ministério Público.

    89. Ou seja, quaisquer relações que se estabeleçam entre entidades ou órgãos administrativos e o Ministério Público, ainda que violadoras do estatuto desta magistratura, não são analisáveis à luz do princípio constitucional da separação de poderes, razão pela qual, há que concluir que o bloco normativo desaplicado – as normas constantes dos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho –, não ofende o princípio constitucional da separação de poderes, plasmado, segundo o teor da douta decisão impugnada, conjugadamente, nos artigos 2.º, e 111.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

    90. Também no que toca à alegada violação, por parte das normas legais ínsitas nos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho, do princípio da autonomia do Ministério Público, com assento no artigo 219.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, relembrámos que tal princípio tem-se definido e densificado no exercício da ação penal, função que justifica a sua consagração, enquanto garante da legalidade e da objetividade na ação do Ministério Público e, indiretamente, da promoção dos direitos de defesa dos arguidos.

    91. Concluímos, assim, que atuando o Ministério Público fora do campo do processo criminal e do exercício da titularidade da ação penal, no âmbito da prossecução de interesses públicos de que, contudo, não é titular, não se verificam os motivos - ou, pelo menos, não se verificam com as mesmas acuidade e intensidade – que justificam a consagração constitucional do princípio da autonomia, quer na sua dimensão interna, quer, fundamentalmente, na sua dimensão externa.

    92. Isto é, mesmo que admitíssemos, como o faz o Mm.º Juiz “a quo”, que a atuação processual do Ministério Público, no caso vertente, se encontra absolutamente determinada pela ação da A.C.T. (premissa que, conforme já referimos, não aceitamos), ainda assim não poderíamos concluir, atenta a natureza dos interesses em confronto e o âmbito de intervenção do mesmo Ministério Público, em sede de jurisdição laboral, que o princípio da autonomia teria sido violado.

    93. Todavia, este axioma, no qual se fundamenta a conclusão extraída pelo Mm.º Juiz “a quo”, a saber, o de que a “entidade administrativa é quem, em bom rigor, determina a propositura de uma ação declarativa ao Ministério Público”, ao qual “está vedada qualquer margem de apreciação da viabilidade da ação”, não só não tem qualquer correspondência na letra e no espírito da lei como, para além disso, não teve aplicação no caso presente e, ainda que o tivesse tido, tal aplicação não seria imputável ao Mm.º decisor (cuja declaração sobre esta matéria constitui mero obter dictum) mas, exclusivamente, ao Ministério Público subscritor da petição inicial, pelo que nunca poderia constituir ratio decidendi da presente decisão.

    94. Em consequência, e apesar de defendermos que a douta decisão recorrida não teve oportunidade de aplicar qualquer das normas jurídicas contestadas na dimensão julgada lesante do princípio da autonomia do Ministério Público, plasmado no n.º 2, do artigo 219.º, da Constituição da República Portuguesa, não poderemos deixar de entender que, independentemente de tal consideração, não se verifica a violação do referido princípio constitucional por parte de qualquer das normas legais ínsitas nos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho.

    95. Mais defendemos, quanto à alegada violação do princípio do Estado de Direito Democrático, que a previsibilidade da atuação dos poderes públicos, ínsita nos princípios da segurança jurídica e da confiança, reporta-se a expectativas, legitimamente criadas pelos cidadãos, resultantes de comportamentos dos poderes públicos e não, conforme resulta do sustentado na douta decisão recorrida, do desejo privado de imutabilidade da ordem jurídica.

    96. Ora, conforme resulta, com evidente clareza, do caso sob escrutínio, nunca o Estado criou, bem pelo contrário, nos cidadãos – trabalhadores ou empregadores -, qualquer expectativa de imutabilidade da ordem jurídica no tocante a meios processuais de defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, que os levasse a prever, conformando, assim, as suas ações, que não seria criado um tipo processual que permitisse reconhecer se um contrato estabelecido entre privados, independentemente do seu nomen juris, era, ou não, um contrato de trabalho.

    97. Assim, não ocorreu, pois, qualquer alteração imprevisível da ordem jurídica nem qualquer frustração de expectativas legítimas objetivamente consolidadas e, consequentemente, não se verifica que o bloco normativo desaplicado ofenda o princípio constitucional do Estado de direito democrático, plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, quer na sua vertente de princípio da segurança jurídica, quer na do princípio da confiança.

    98. Sustentámos, por fim, que as normas legais mencionadas, também não violam o princípio constitucional da igualdade, o qual não é, sequer, convocável neste cenário de estrita contraposição entre regimes processuais distintos, marcados por diferenças insuscetíveis de se repercutirem significativamente nas esferas jurídicas dos cidadãos.

    99. Todavia, ainda que assim não fosse, a regulamentação da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho obedece aos requisitos constitucionais que alicerçam o princípio da igualdade, não o ofendendo, nomeadamente, na sua dimensão de proibição do arbítrio, contrariamente ao sustentado na douta sentença recorrida, tratando de forma proporcionalmente diferente, situações, também elas, diferentes.

    100. Relembrámos, ainda, complementarmente, que as normas legais questionadas foram já objeto de análise, sob o prisma, quer da sua compatibilidade com o princípio constitucional do Estado de direito democrático, quer da sua conformidade com o princípio da igualdade, pelo Acórdão n.º 94/2015, deste Tribunal Constitucional, tendo sido julgadas não inconstitucionais

    101. Em face do ora expendido, não deverá o Tribunal Constitucional julgar materialmente inconstitucionais as normas jurídicas contidas nos artigos 26.º, n.º 1, alínea i), e n.º 6; e 186.º-K a 186.º-R, do Código de Processo do Trabalho, por violação do princípio constitucional da separação de poderes, plasmado nos artigos 2.º e 111.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; do princípio da autonomia do Ministério Público, proclamado no n.º 2, do artigo 219.º, da Constituição da República Portuguesa; do princípio do Estado de Direito Democrático, embasado no artigo 2.º da C.R.P, nas suas vertentes dos princípios da segurança jurídica e da confiança; e, por fim, do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, da C.R.P.

    Em sentido contrário pronunciou-se a recorrida, apresentando, por sua vez, as seguintes conclusões:

    1.ª

    O presente recurso tem por objeto sentença que recusou aplicar as normas dos artigos 26.°/1, alínea i) e n.° 6, 186.°-K a 186.°-R, todos do Código de Processo do Trabalho, com fundamento na...

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