Acórdão nº 86/16 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 86/2016

Processo n.º 776/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

O Ministério Público instaurou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Instância Central – Secção do Trabalho de Penafiel ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra A., S.A., pedindo que fosse reconhecido que o contrato celebrado a 19 de março de 2014 entre a Ré e B. é um contrato de trabalho e que a relação laboral se iniciou naquela data.

Na audiência de partes, ocorrida a 8 de janeiro de 2015, B. e a Ré declararam «estar conciliados nos termos e para os efeitos do art.º 186.º-O do C. P. Trabalho porquanto ambas as partes quiseram celebrar um contrato de prestação de serviços e foi nesses precisos termos que se desenvolveu a relação contratual que mantiveram, estando portanto de acordo em que a relação contratual em causa não era um contrato de trabalho mas sim um contrato de prestação de serviços e que tal aconteceu desde o seu início até à sua cessação», requerendo a homologação deste acordo.

O Ministério Público entendeu que o referido acordo não deveria ser homologado, sustentando que na presente ação age a título principal no âmbito da defesa de um interesse público coletivo que lhe é conferido legalmente, e que teve por base a participação da Autoridade para as Condições de Trabalho, após prévia inspeção, pelo que o trabalhador carece de legitimidade para desistir em posição contrária ao que consta da petição inicial.

Nessa sequência, foi proferida sentença, exarada em ata, nos termos da qual, entendendo-se que a matéria em causa não tem natureza indisponível, se julgou válido o mencionado acordo quanto à capacidade das partes intervenientes no mesmo, quer quanto à legalidade do resultado da conciliação, se homologou o acordo alcançado.

Inconformado, o Ministério Público recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 15 de junho de 2015, concedeu provimento ao recurso e revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos.

Recorreu então a Ré para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

A., S.A., Recorrida nos autos acima referenciados e neles melhor identificada, tendo sido notificada do Acórdão deste Tribunal, de 15.06.2015, o qual decidiu procedente o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, assim revogando a decisão de homologação de transação efetuada em sede de audiência de partes e ordenando o prosseguimento dos autos, não se conformando com o mesmo, vem, ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, 72.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, 75.º e 75.º-A da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), interpor

RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.06.2015

o qual deve subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, de acordo com o disposto no artigo 78.º, n.º 3, da LTC, sendo que se vier a subir em separado deverão acompanhá-lo as seguintes peças processuais: a) petição inicial; b) contestação; c) ata da audiência de partes; d) alegações de recurso de apelação e e) contra-alegações de recurso de apelação,

nos termos e com os seguintes fundamentos:

Normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie

1. O presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade é interposto ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, por entender a Recorrente que o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão proferido nestes autos a 15.06.2015, interpretou e aplicou preceito legal em sentido desconforme à Constituição.

2. O preceito legal onde se encontra vertida a norma jurídica, cuja conformidade constitucional a Recorrente pretende ver apreciada, é o artigo 186.º-O, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), introduzido pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que aprovou a ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

3. A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do aludido preceito no sentido de o putativo trabalhador não pode dispor do direito que o Ministério Público prossegue na presente ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho, por não estar alegadamente em causa nessa ação interesse privado daquele trabalhador.

4. E, consequentemente, não ser permitido aos alegados trabalhador e empregador acordar, em de audiência de partes, no sentido de que a relação que existiu entre ambos era de prestação de serviços, pondo, assim, termo ao processo por transação, quando a tal se oponha o Ministério Público.

5. Daí resultando que o Ministério Público tem direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração do contrato sujeito a qualificação, bem como à posição assumida pelas partes da relação material controvertida na referida audiência de partes.

6. É inequívoco que o Acórdão recorrido aplicou a norma extraída da disposição legal citada no sentido assinalado, enfrentando diretamente a questão de (in)constitucionalidade em termos que se reputam incorretos.

7. Fê-lo ao decidir que na tentativa de conciliação prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT não é permitido ao putativo trabalhador dispor do objeto do litígio, por estarem alegadamente em causa na ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, a que se reporta a Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, interesses públicos prosseguidos pelo Ministério Público e não interesses privados daquele trabalhador.

8. Decidindo, por isso, que no âmbito da referida ação especial não é passível de homologação a transação efetuada pelos putativos trabalhador e empregador no sentido da existência entre ambos de contrato de prestação de serviços,

9. Donde resulta que o Ministério Público pode prosseguir ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho (ação de simples apreciação positiva que se limita a declarar a existência de direito ou facto jurídico), em oposição à vontade e interesse livremente manifestada pelos alegados empregador e trabalhador, na audiência de partes prevista no artigo 186.º-O, n.º 1 do CPT.

Normas e princípios constitucionais que se considera terem sido violados

10.A norma jurídica constante do artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, interpretada e aplicada no sentido explicitado nos pontos 3 a 5 supra, adotado pelo Acórdão recorrido, viola os princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação, previstos, respetivamente, nos artigos 47.º/1 e 20.º/1 e 4 da Constituição da República e, bem assim, os princípios da igualdade e do direito a processo equitativo, previstos respetivamente nos artigos 13.º/1 e 20.º/4 da Constituição, porquanto tal interpretação determina que (i) no âmbito da ação especial de reconhecimento ao putativo trabalhador – parte da relação material controvertida – o direito de dispor livremente do objeto da ação e, em concreto, o direito de acordar com o putativo empregador, em sede de audiência de partes, no sentido de que a relação que existiu entre ambos era de prestação de serviços, pondo, assim, termo ao processo por transação, e que (ii) ao Ministério Público seja reconhecido direito autónomo de prosseguimento da ação, alheio e contrário aos interesses privados que estão na origem da celebração contrato sujeito a qualificação, e à posição assumida pelos putativos trabalhador e empregador em sede de audiência de partes (infringindo os valores da autonomia privada e da liberdade contratual, acolhidos no artigo 405.º do Código Civil), donde resulta que pode ser declarada a existência de contrato de trabalho sem vontade de nenhum dos contraentes, interpretação que não respeita o sentido do texto legislativo, sendo incoerente com as soluções previstas pelo sistema jurídico para situações semelhantes e conduzindo a resultados distintos para pretensões iguais, sem justificação adequada.

Peças processuais em que foi suscitada a questão de (in)constitucionalidade

11.A questão de (in)constitucionalidade referida supra foi suscitada na contestação apresentada pela ora Recorrente, enquanto exceção inominada de inconstitucionalidade (pontos 1 a 3 da matéria de Direito), bem como nas contra-alegações do recurso de apelação nas pp. 11 e 24, e ainda nas Conclusões 10.ª e 19.ª dessa peça processual.

Nestes termos, por estar em tempo e ser parte legítima, requer a V. Ex.ª se dignem admitir o presente recurso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15.06.2015, tendo o mesmo por objeto as questões de inconstitucionalidade acima mencionadas, seguindo-se os demais termos com as devidas consequências legais.

.

A Recorrente apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

1.º

O presente recurso tem por objeto o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de junho de 2015, que interpretou e aplicou a norma jurídica contida no artigo 186.º-O, n.º 1, do CPT, em violação dos princípios da liberdade de escolha do género de trabalho e do direito de ação e, bem assim, dos princípios da igualdade e do direito a processo equitativo.

2.º

A dimensão normativa extraída do referido preceito legal, cuja conformidade constitucional se pretende ver apreciada, é aquela que resulta da interpretação do mesmo no sentido de o putativo trabalhador não poder dispor do direito que o Ministério Público prossegue na presente ação especial de reconhecimento de contrato de trabalho, por não estar alegadamente em causa nessa ação interesse privado daquele trabalhador e, consequentemente, não ser permitido aos alegados trabalhador e empregador...

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