Acórdão nº 204/16 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Abril de 2016

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução13 de Abril de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 204/2016

Processo n.º 979/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I Relatório

  1. Por acórdão de 07/07/2014 do Tribunal Judicial de Mirandela, foi A. condenado pela prática, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alínea j), do Código Penal, um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artigo 254.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma legal, e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, em cúmulo jurídico, na pena única de dezanove anos de prisão. Inconformado com a decisão, recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 23/03/2015, julgou totalmente improcedente o recurso. De novo inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 08/10/2015, decidiu rejeitar o recurso quanto às questões relativas à medida da pena parcelar aplicada pela autoria do crime de detenção de arma proibida, e às alegadas nulidades da decisão recorrida, bem como julgar improcedente o recurso quanto às demais questões.

  2. Recorreu então o arguido para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, em requerimento em que pede a fiscalização da constitucionalidade das seguintes questões:

    (…)

    - artigo 127.º do Código de Processo Penal (i) na dimensão normativa segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para – na ausência de prova direta dos factos, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência – adquirir, por dedução natural ou por presunção, a prova dos factos em julgamento, (ii) quando deve ser exigido que na fixação de factos por prova indireta as presunções sejam graves, precisas e concordantes, permitindo-se apenas que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado.

    - o artigo 3.º da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, (i) na dimensão normativa segundo a qual pode ser dispensado o cumprimento expresso de formalidades legalmente consagradas em matéria de restrição dos direitos fundamentais, v.g. em caso de recurso a ações ou agentes encobertos e utilização de meios enganosos de obtenção de prova (ii) quando deve ser exigido o integral cumprimento das formalidades legais em caso de utilização de meios enganosos de obtenção de prova.

    - artigos 58.º, n.º 1, al. a), 126.º, n.º2 al, a) e 187.º, n.º 1, 4 e 6 do Código de Processo Penal, (i) na dimensão normativa segundo a qual a lei processual – pese a suspeita concretizada intraprocessualmente, consubstanciada na sujeição da testemunha suspeita a escutas telefónicas ao longo de 18 meses – não impõe o momento da constituição da testemunha como arguido, em interpretação também contra legem do conceito “suspeita fundada”, (ii) quando deve ser exigida a imediata constituição no estatuto pelo menos aquando da prestação de declarações perante autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal

    .

  3. Notificado pelo relator para aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso no que toca à segunda questão enunciada, o recorrente veio delimitar a mesma da seguinte forma: «é inconstitucional a norma do artigo 3.º, na dimensão interpretativa das instâncias – TRG e STJ – segundo as quais integram mera irregularidade ou nulidade sanável, que não proibição de prova, a preterição dos critérios substantivos e adjetivos consagrados pela Lei n.º 101/2001, atenta a natureza excecional deste regime».

  4. Foi então proferida a decisão sumária n.º 62/2016, com o seguinte teor:

    "(...)

  5. A primeira questão de constitucionalidade encontra-se delimitado pelo recorrente como referindo-se ao artigo 127.º do Código de Processo Penal «na dimensão normativa segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para – na ausência de prova direta dos factos, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência – adquirir, por dedução natural ou por presunção, a prova dos factos em julgamento, quando deve ser exigido que na fixação de factos por prova indireta as presunções sejam graves, precisas e concordantes, permitindo-se apenas que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado».

    6.1. Ora, em primeiro lugar, a questão, tal como se encontra delimitada, não foi afirmada como tal pelo acórdão recorrido. Em nenhum ponto o mesmo refere expressamente que a livre convicção do julgador é suficiente para – na ausência de prova direta dos factos, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência – adquirir, por dedução natural ou por presunção, a prova dos factos em julgamento. Essa corresponde a simples apreciação, feita pelo recorrente, relativa ao processo decisório que esteve na base do acórdão recorrido. Em nenhum momento qualquer das instâncias refere não ser necessária a indicação de factos base ou das regras de experiência ou de ciência. Saber se, de facto, foram tais elementos tidos em conta para a solução material do caso, implica já que o Tribunal Constitucional tenha de proceder a uma análise do mérito da decisão, analisando da sua suficiente fundamentação e formulando juízos sobre a forma como o tribunal a quo formou a sua convicção. Assim, a análise do objeto do presente recurso implicaria uma tomada de posição sobre a suficiência da prova, o que extravasa as competências do Tribunal Constitucional. De facto, há que relembrar a inexistência, no nosso ordenamento jurídico, da figura do “recurso de amparo” ou da ação constitucional para defesa de direitos fundamentais, na apreciação de alegadas inconstitucionalidades, diretamente imputadas pela recorrente às decisões judiciais proferidas. Assim resulta do disposto no artigo 280º da Constituição e no artigo 70º da LTC, e assim tem sido afirmado por este Tribunal em inúmeras ocasiões.

    6.2. E, ainda que se vislumbrasse alguma correspondência literal entre a questão primeiramente enunciada e a ratio decidendi expressamente adotada pelo tribunal a quo, ainda assim a questão de inconstitucionalidade não procederia. De facto, o Tribunal Constitucional já teve, em várias ocasiões, oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade do artigo 127.º do Código de Processo Penal afastando o juízo de inconstitucionalidade no que se refere ao sistema de livre apreciação da prova. Atente-se, em particular, ao que se escreveu logo no Acórdão n.º 1164/96:

    “(...)

    A regra da livre apreciação da prova em processo penal […] não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável.

    Já no que respeita ao conceito de presunções judiciais, não existe no Código de Processo Penal qualquer menção expressa ao mesmo. A referência legal ao conceito de presunções pode ser encontrada no Código Civil, cujo artigo 349.º as define como «ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».

    Vaz Serra (Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 108.º, n.º 3559, pág. 352), caracterizando esta figura, referiu que as presunções «pressupõem a existência de um facto conhecido (base das presunções), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; provado esse facto, intervém a lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência de vida».

    Na verdade, a utilização de presunção judicial permite que perante um ou mais factos conhecidos, por um procedimento lógico de indução, se adquira ou se admita a realidade de um facto não diretamente demonstrado, na convicção, apoiada nas regras da ciência, da experiência ou da normalidade da vida, de que certos factos são a consequência de outros. E é no valor da credibilidade do id quod e na consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta que está o fundamento racional da presunção, residindo na medida desse valor e dessa consistência a maior ou menor validade da inferência efetuada.

    No âmbito da apreciação da prova em processo penal, durante muito tempo, foram escassas na doutrina e jurisprudência portuguesas as referências à possibilidade de recurso a presunções judiciais, embora a sua utilização nos tribunais fosse uma prática comum. Nos tempos mais recentes registam-se algumas abordagens teóricas da prova denominada de “indireta”, “indiciária”, “circunstancial” ou “por presunções”, procurando-se definir os critérios que devem presidir à sua utilização de forma a que esta seja compatível com o princípio da presunção de inocência (cfr. Euclides Dâmaso Simões, em «Prova indiciária», na Revista Julgar, n.º 2, 2007, pág. 203 e ss., José Santos Cabral em «Prova indiciária e as novas formas de criminalidade», na Revista Julgar, n.º 17, 2012, pág. 13, Marta Sofia Neto Morais Pinto, em «A prova...

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