Acórdão nº 302/16 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelCons. João Pedro Caupers
Data da Resolução18 de Maio de 2016
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 302/2016

Processo n.º 807/15

1ª Secção

Relator: Conselheiro João Pedro Caupers

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

1. No âmbito do recurso de constitucionalidade a que respeita o presente processo, foi proferida a Decisão Sumária n.º 63/2016, no sentido do não conhecimento do recurso, que se transcreve (fls. 140 a 145):

«I. Relatório

1. Nos presentes autos o arguido A. foi condenado pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1, de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelo artigo 181.º e 184.º e de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, alínea c) e 132,º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. Não se conformando com esta decisão, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 16 de abril de 2015, confirmou a sentença (fls. 69-96).

3. O arguido interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 96-117). No entanto, este não foi admitido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por inadmissibilidade legal (fls. 119).

4. O arguido, ora recorrente, reclamou desta decisão, ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal (doravante, “CPP”), sustentando, designadamente, que o acórdão em causa é recorrível, por não se enquadrar no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP – segundo o recorrente a matéria objeto do recurso foi decidida “em primeira instância”. Termina pugnando pela admissibilidade do recurso, «sob pena de violação do direito ao recurso, em conjugação com a garantia de acesso aos tribunais, que a todos é assegurado “para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, nos termos dos artigos 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.

É o seguinte o segmento da reclamação em que o ora recorrente suscita a questão de constitucionalidade:

“Se não se admitiu o recurso para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça por se entender que são irrecorríveis as decisões proferidas, em recurso, pelas Relações que não conheçam, a final, do objeto do processo, conforme alínea c), do art. 400º, conjugado com o art. 432º., b), ambos do Código de Processo Penal,

cumpre referir que a nulidade invocada, isto é, a falta de notificação do arguido da data da realização do julgamento, apenas foi apreciada, pela primeira vez, pela Relação de Lisboa.

E assim, o acórdão proferido em 2ª instância, conheceu ex novo de questões processuais,

questões essas que só puderam ser invocadas em sede de recurso, porquanto até à notificação da sentença eram desconhecidas do reclamante.

Não pode, por isso, entender-se que o acórdão da Relação de Lisboa, que conheceu da invocada nulidade insanável consubstancia uma decisão de recurso.

Pelo contrário, é uma decisão de primeira instância, porquanto a questão suscitada não foi apreciada em momento anterior e, como tal, é recorrível, sob pena de supressão de um grau de jurisdição.

Assim, [e no exercício da adivinhação a que foi votado o ora reclamante] fez a 9ª. Secção do Venerando Tribunal da Relação uma errada interpretação da alínea c), do nº. 1 do art. 400º., do Código de Processo Penal.

Pelo que, deve ser admitido o recurso interposto para este Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de violação do direito ao recurso, em conjugação com a garantia de acesso aos tribunais, que a todos é assegurado para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nos termos dos arts. 32º., nº. 1 e 20º., nº 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.”

5. Por despacho de 8 de julho de 2015, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação. A invocada inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, foi afastada, invocando-se que o direito ao recurso não é absoluto, bastando-se com um segundo grau de jurisdição, o que foi concretizado no julgamento pela Relação.

6. É desta decisão que vem interposto o presente recurso, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), com fundamento na inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

7. O recurso de constitucionalidade foi interposto nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), da LTC.

Relativamente ao recurso perspetivado à luz da alínea b) do n.º 1 do mesmo preceito, o Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da respetiva admissibilidade, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da CRP; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

No âmbito do recurso de constitucionalidade só é possível apreciar a constitucionalidade de normas, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputadas a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas, designadamente o modo como o tribunal recorrido interpretou o direito infraconstitucional.

Muito embora no requerimento de recurso o recorrente não indique a norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada - incumprindo, desta forma, o disposto no n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC -, sendo possível suprir tal omissão recorrendo à enunciação do objeto do recurso no requerimento de reclamação, por razões de economia processual, dispensamo-nos de efetuar o convite ao aperfeiçoamento.

Atentando no segmento da reclamação em que a questão de constitucionalidade foi enunciada, acima transcrita no ponto 4., dir-se-á, preliminarmente, que, com tal formulação, mais do que questionar determinada interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal, o recorrente aparenta querer colocar em causa a decisão recorrida em si mesma considerada e a operação de subsunção das circunstâncias do caso concreto à norma em causa, e não uma certa interpretação da referida norma (isto é, o que o recorrente questiona verdadeiramente é o entendimento da decisão recorrida no sentido de, nas circunstâncias do caso em apreço, considerar que a decisão objeto do recurso para o STJ não conheceu, a final, do objeto do processo). Questiona, pois, a conformidade constitucional da própria decisão recorrida e não de uma qualquer norma, sendo certo que ao Tribunal Constitucional cabe a apreciação de normas e não de decisões judiciais.

Ora, a circunstância de o recurso, interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, não ter por objeto uma questão de constitucionalidade normativa basta para obstar ao seu conhecimento.

8. Analisemos agora o recurso à luz da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos do qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem «norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional».

A admissibilidade do recurso, nestas circunstâncias, fica dependente do facto de existir coincidência entre o critério normativo efetivamente aplicado pela decisão recorrida e aquele que foi precedentemente julgado ilegal ou inconstitucional.

Torna-se ainda necessário, face ao carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, que o julgamento da questão seja suscetível de se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT