Acórdão nº 15/19 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução09 de Janeiro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 15/2019

Processo n.º 848/2018

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e outros, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 26 de junho de 2018.

2. Pela Decisão Sumária n.º 771/2018, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade de quatro normas, com o seguinte conteúdo:

i. «Norma constante no artigo 119.º alíneas a) e e) do CPP, materialmente, inconstitucional, por violar o artigo 32.º n.º 9 da Constituição (juiz legal) aplicado no sentido de que a violação das regras e modos de distribuição (realização de modo diverso e falta de comprovação no processo da realização do sorteio) não constitui nulidade insanável»;

ii. «Norma constante no artigo 288.º n.º 2 do CPP, inconstitucional, por violação do artigo 32.º n.º 9 da Constituição (juiz legal), interpretada no sentido de que a competência do juiz de instrução para a prática de atos de tutela jurisdicional no inquérito se estende à fase de instrução e que a falta ou invalidade do ato de distribuição, por realização de modo diverso e falta de comprovação no processo da realização do sorteio, para esta fase (instrução) não integra a nulidade prevista no artigo 119.º alíneas a) e e) do CPP»;

iii. «Norma extraída da conjugação do artigo 119.º alínea d) e artigo 272.º n.º 1 do CPP, inconstitucional, por violar o artigo 32.º n.º 1 da Constituição (estrutura acusatória e garantias de defesa), na interpretação de que não é obrigatório o prévio interrogatório do arguido no inquérito quanto a um novo e diverso crime constante na acusação, bastando que o mesmo preveja a possibilidade de lhe vir a ser imputado» e

iv. «Norma extraída do artigo 120.º n.º 2, alínea d), 122.º n.º 1 e 308º, n.º 3 do CPP, inconstitucional, por violar o artigo 32.º n.º 1 da Constituição (estrutura acusatória e garantias de defesa), na interpretação de que a falta de inquirição ou interrogatório do arguido quanto a um novo e diverso crime não constitui nulidade e permite a submissão a julgamento por tal crime».

Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

No caso vertente, é manifesto que tal requisito não se mostra preenchido relativamente a qualquer uma das normas enunciadas.

5. Vejamos, em primeiro lugar, a norma (i).

Para indeferir a arguição de nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alíneas a) e e), do Código de Processo Penal, referente ao modo como foi (ou não) realizada a distribuição do inquérito para a fase da instrução, o Tribunal a quo entendeu que, de facto, terá existido uma distribuição manual, a qual terá obedecido ao procedimento em vigor à data, tal como se encontraria exarado num dado provimento e assente numa dada classificação do processo como complexo. E, pese embora não exista nos autos qualquer ata ou análogo suporte que documente tal distribuição, nem tenha o Tribunal a quo invocado qualquer norma legal que fundamente tal procedimento, o certo é que – bem ou mal, é juízo que, por não respeitar à constitucionalidade de normas legais, não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar – entendeu que não se verificou qualquer ilegalidade e que não foi violado o princípio do juiz natural. Vale isto por dizer que não aplicou, como ratio decidendi, qualquer norma cujo sentido pressuponha precisamente a violação das regras e modos de distribuição, ainda que não subsumível a qualquer modalidade de nulidade prevista no artigo 119.º do Código de Processo Penal.

Ora, ao incluir na norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada um pressuposto que não foi efetivamente acolhido na decisão recorrida, qual seja, o de que a distribuição foi efetuada com violação das suas regras próprias, o recorrente afastou-se irremediavelmente daquele que foi o critério normativo efetivamente aplicado pelo Tribunal recorrido como ratio decidendi. O que o recorrente faz é enunciar como norma o comportamento judicial que entende consubstanciar a violação dessa mesma norma – in casu, a que regula a distribuição.

6. O mesmo problema se coloca a respeito da segunda parte da norma (ii) [norma do artigo 288.º, n.º 2 do CPP (…) interpretada no sentido de que (…) a falta ou invalidade do ato de distribuição, por realização de modo diverso e falta de comprovação no processo da realização do sorteio, para esta fase (instrução) não integra a nulidade prevista no artigo 119.º alíneas a) e e) do CPP], na medida em que, pese embora reportada a diverso preceito legal, possui o mesmo alcance que a norma (i.e.), isto é, incorpora um pressuposto não acolhido pelo Tribunal a quo, o de que ocorreu «a falta ou a invalidade do ato de distribuição».

A norma compreende ainda outro segmento: «norma do artigo 288.º, n.º 2 do CPP interpretada no sentido de que a competência do juiz de instrução para a prática de atos de tutela jurisdicional no inquérito se estende à fase de instrução». Ora, mais uma vez, o recorrente incorpora na norma um pressuposto não acolhido pelo Tribunal a quo no critério decisório que aplicou. Com efeito, o Tribunal da Relação não efetuou qualquer leitura do artigo 288.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com o sentido de que a competência do juiz de instrução que intervém na fase de inquérito para a prática dos atos jurisdicionais previstos na lei se estende também para a fase de instrução, sem necessidade de prévia redistribuição. Ao invés, entendeu que existiu essa redistribuição («tendo efetivamente existido uma distribuição do processo, para a fase de instrução, no caso, ao Juiz 3»), e mais, que a mesma foi legal e regular.

Assim, é de concluir que nenhuma destas normas foi aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi, o que justifica a prolação da presente decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

7. Vejamos agora as normas (iii) e (iv).

Ambas se reportam a supostas nulidades ocorridas na fase de inquérito, decorrentes da não audição do arguido sobre determinadas imputações criminais, em momento prévio à dedução de acusação pública que as formalizou.

Porém, também aqui se deve concluir que nenhuma das normas em apreço foi aplicada na decisão recorrida, como ratio decidendi, embora por razões diversas das referidas a propósito das normas (i) e (ii). Nesta matéria, o Tribunal a quo entendeu que a decisão de pronúncia era insindicável, mesmo na parte em que apreciava nulidades ou outras questões prévias ou incidentais, por via do disposto no artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Por essa razão, não conheceu das arguidas nulidades, o que vale por dizer que não aplicou qualquer das normas identificadas como ratio decidendi.

É certo que o Tribunal a quo, pese embora adotando tal entendimento, veio a apreciar a questão. Mas haverá que tratar a pronúncia subsidiária como mero obiter dictum. Nessa medida, será de considerar que, na decisão recorrida, o Tribunal a quo não aplicou, como ratio decidendi, qualquer norma reportada aos artigos 119.º, alínea d), 120.º, n.º 2, alínea d), 122.º, n.º 1, 272.º, n.º 1 e 308.º, n.º 3, todos, do Código de Processo Penal, mas tão-só a norma do artigo 310.º, n.º 1, do mesmo diploma. Razão pela qual se justifica, também nesta parte, a prolação da presente decisão sumária, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

3. De tal decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, apresentando a seguinte argumentação:

«Egrégios juízes conselheiros

1. Indiscutível é que as questões de inconstitucionalidade das normas foram concretamente colocadas, no momento próprio, i. e., a tempo do tribunal a quo sobre ela ponderar e decidir aplicar ou desaplicar as normas reputadas por inconstitucionais.

2. Considerou-se na decisão reclamada que efetivamente as questões de inconstitucionalidade normativas foram colocadas, mas não constituíram o fundamento da decisão proferida no tribunal a quo e, como tal, não é de conhecer do recurso.

3. Ora, salvo o devido respeito, cumpre assinalar que tem sido jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional que para o conhecimento das normas inconstitucionais o critério decisivo é a utilidade da intervenção do tribunal, medida pela repercussão que a aplicação ou desaplicação da norma reputada por inconstitucional possa ter na decisão proferida no tribunal recorrido.

4. Com efeito, “No que respeita aos pressupostos gerais de todos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade, o Tribunal Constitucional tem entendido, de forma reiterada, que tais recursos têm sempre caráter ou natureza instrumental, devendo a solução da questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade normativa submetida à apreciação poder repercutir-se, de forma útil e efetiva, na decisão proferida pelo tribunal recorrido acerca do caso concreto a dirimir. Ou seja, só haverá interesse processual em apreciar a questão de constitucionalidade suscitada quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade for suscetível de se poder projetar ou repercutir, de forma útil e eficaz, na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se...

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