Acórdão nº 426/18 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução20 de Setembro de 2018
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 426/2018

Processo n.º 372/2018

Plenário

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. O Primeiro-Ministro veio, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 281.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), requerer a apreciação e declaração da inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º da Lei n.º 17/2018, de 19 de abril, na parte em que adita, em sede de apreciação parlamentar, um novo n.º 6 ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março, que aprova o regime específico de seleção e recrutamento de docentes do ensino artístico especializado da música e da dança, o concurso extraordinário de vinculação do pessoal docente da componente técnico-artística do ensino artístico especializado, o concurso interno antecipado e o concurso externo extraordinário do pessoal docente, a realizar em 2018.

A norma objeto do pedido dispõe o seguinte:

Os artigos 1.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março, que aprova o regime específico de seleção e recrutamento de docentes do ensino artístico especializado da música e da dança, passam a ter a seguinte redação: [...]

Artigo 5.º

Concurso interno antecipado

[...]

6 - No âmbito do concurso de mobilidade interna são considerados todos os horários completos e incompletos, recolhidos pela DGAE, mediante proposta do órgão de direção do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada.»

Como fundamento do pedido, alega o Requerente que tal norma viola (i) o disposto no n.º 2 do artigo 167.º da CRP; (ii) o princípio do direito à retribuição segundo a quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado ("para trabalho igual, salário igual"), enunciado na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP, corolário do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP; (iii) e invade o núcleo da reserva de Administração do Governo, respeitante aos seus poderes de direção e de superintendência sobre a Administração direta, contido na alínea d) do artigo 199.º da mesma Constituição.

2. Os fundamentos apresentados no pedido para sustentar a inconstitucionalidade da norma sindicada são, em síntese, os seguintes:

a) O Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março, aprovou um regime específico de seleção e recrutamento de docentes do ensino artístico especializado da música e da dança, assim como o concurso extraordinário de vinculação do pessoal docente das componentes técnico-artísticas do ensino artístico especializado para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, nos estabelecimentos públicos de ensino.

b) O mesmo diploma aprovou, ainda, um concurso interno antecipado e um concurso externo extraordinário destinados a educadores de infância e professores do ensino básico e secundário (e não do ensino artístico especializado da música e da dança), com vista ao suprimento de necessidades permanentes, mediante o preenchimento de vagas existentes nos quadros de agrupamento de escolas e escolas não agrupadas e nos quadros de zona pedagógica do Ministério da Educação.

c) No que respeitava ao artigo 5.º (que estabelecia as regras especiais do concurso interno antecipado destinado a educadores de infância e professores dos ensinos básico e secundário), o seu n.º 2 dispunha na respetiva versão originária que: "São candidatos à mobilidade interna os docentes de carreira opositores ao concurso interno, bem como aqueles que não pretendam manter a plurianualidade da colocação obtida no último concurso de mobilidade interna.".

d) Já a norma do n.º 3 do artigo 5.º, na mesma versão, determinava que: " Para os docentes que não forem candidatos ao abrigo dos números anteriores, mantém-se a plurianualidade da colocação obtida no último concurso de mobilidade interna, afastando-se o disposto no n.º 3 do artigo 6.º e no n.º 4 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, na sua redação atual".

e) Por seu turno, a norma do n.º 4 do artigo 5.º prescrevia que: "A colocação de docentes de carreira no âmbito da mobilidade interna, decorrente do concurso interno do pessoal docente previsto no presente decreto-lei, mantém-se até ao limite de três anos, de modo a garantir a continuidade pedagógica".

f) Finalmente, a norma do n.º 5 do artigo 5.º do diploma excecionava dos números precedentes "os (. . .) docentes a quem não seja possível atribuir pelo menos seis horas de componente letiva, sendo neste caso necessariamente candidatos à mobilidade interna nos termos gerais."

g) No dia 6 de abril foram votadas na especialidade na Assembleia da República propostas de emenda ao Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março,, do qual resultou a aprovação da Lei n.º 17/2018, de 19 de abril, que entrou em vigor a 20 de abril e que determinou:

a. No seu artigo 2.º, a revogação dos n.ºs 2 a 5 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março, bem como, no seu artigo 3.º, a revogação dos artigos 6.º (com a epígrafe "Renovação dos contratos a termo resolutivo”) e 7.º (com a epígrafe "Concurso externo extraordinário”) do Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março;

b. No mesmo artigo 2.º, uma alteração à alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º, com ablação da sua parte final, não sendo alterado o proémio do mesmo n.º 2;

c. Ainda no sobredito artigo 2.º, o aditamento de um n.º 6 ao artigo 5.º, cuja norma prescreve o seguinte: "São considerados no âmbito do concurso de mobilidade interna todos os horários, completos e incompletos, recolhidos pela Direção-Geral da Administração Escolar, mediante proposta do órgão de direção do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada".

h) Os Deputados proponentes fundaram as mencionadas alterações com base em reclamações apresentadas por menos de 4% dos docentes de carreira que concorreram ao concurso de mobilidade interna para o ano letivo 2017/2018 e que solicitaram a reparação de uma alegada injustiça, invocando que, em anos imediatamente anteriores, no concurso de mobilidade interna, terão sido atribuídos a docentes de carreira horários incompletos, previamente validados pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGESTE).

i) O novo n.º 6 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 15/2018, de 7 de março, aditado pelo artigo 2.º Lei n.º 17/2018, de 19 de abril, e conjugado com a revogação dos n.ºs 2 a 5 do referido artigo 5.º, determinada pelo mesmo preceito da Lei n.º 17/2018, de 19 de abril, comporta um efeito ampliativo da mobilidade interna dos docentes referidos no n.º 3 deste requerimento, do qual resultará um impacto orçamental de € 15 635 000 (quinze milhões e seiscentos e trinta e cinco mil euros], no ano económico em curso, o que viola o disposto na chamada norma-travão, constante do n.º 2 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

j) A norma mencionada no número anterior implica a atribuição de um "horário incompleto", em detrimento de um "horário completo" que corresponda a uma das preferências dos opositores ao concurso de mobilidade interna, ofendendo o princípio constitucional do direito à retribuição segundo a quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado, constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP.

k) A mesma norma subtrai à Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) o poder de gestão dos recursos humanos, obrigando-a a colocar a concurso todos os horários recolhidos junto dos AE/ENA, apenas no decurso do ano de 2018, o que suscita dúvidas sobre uma eventual invasão da Reserva de Administração do Governo, já que o n.º 2 do artigo 27.º da Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, na sua redação atual, comete ao Diretor-Geral da Administração Escolar a definição do procedimento de recolha das necessidades temporárias de forma a garantir a correta utilização dos recursos humanos docentes.

l) As alterações introduzidas pelo artigo 2.º Lei n.º 17/2018, de 19 de abril, ao artigo 5.º do Decreto-Lei nº 15/2018, de 7 de março, no que se refere ao aditamento do n.º 6, conjugado com a revogação dos n.ºs 2 a 5 do mesmo artigo 5.º, têm como efeito a colocação a concurso, no procedimento de mobilidade interna de 2018, não apenas de todos os docentes que o desejem, mas de todos os docentes que do mesmo concurso são destinatários, nos termos do regime geral em vigor, com horários completos e incompletos recolhidos pela DGAE, em conformidade com a proposta do órgão de direção do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada.

m) Ora, semelhante efeito é gerador de um incontornável aumento da despesa pública orçamentada, com repercussão no último trimestre do ano de 2018, efeito esse que ocorre nos seguintes termos:

a. Por força da norma sindicada, haverá em 2018 muito mais docentes do Quadro de Zona Pedagógica (QZP) que auferem o salário completo, a poderem aceder a horários incompletos, obrigando o Estado a contratar muitos mais docentes para horários sobrantes não absorvidos pelos docentes vinculados;

b. Tomando por referência o ano de 2017, que foi um ano de concurso interno ordinário, em que, por isso, todos os docentes vinculados em QZP (cerca de 14.000) foram legalmente obrigados a ir a concurso, como agora se impõe, a relevância da norma sindicada é maior, uma vez que se se tivesse permitido que os docentes de carreira vinculados em QZP ocupassem horários incompletos (e não apenas horários completos), estes deixariam desocupados 1.592 horários completos que teriam de ser ocupados por docentes contratados;

c. Efetivamente, verificou-se que, fruto da colocação dos docentes de QZP nos horários completos, colocaram-se apenas 2.367 docentes contratados em vez de 3.959, ou seja, contrataram-se menos 1.592 docentes em horários anuais e completos;

d. Isto significa que, se por hipótese em 2017 tivessem sido colocados a concurso de mobilidade interna todos os horários...

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